"O pânico e medo devem ser controlados mentalmente, mas não fisicamente"
Susana Dias Ramos é licenciada em Psicologia, contando ainda com uma especialização em Hipnose Clínica pelo London College of Clinical Hypnose e uma pós-graduação em Neuropsicologia Clínica e em Saúde Sexual e Reprodutiva. A Sexualidade Clínica e Terapia de Casal são outras das especializações que preenchem a sua formação.
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Lifestyle Susana Dias Ramos
Além das consultas, Susana Dias Ramos está atualmente muito presente no pequeno ecrã, como comentadora do 'Big Brother', e no mundo digital, com as redes sociais e o canal no Youtube, '100Tabus', lançado em março de 2019. Como recordou em conversa com o Notícias ao Minuto, '100Tabus' nasce de uma rubrica que teve durante três anos no Porto Canal. Na altura, com uma agenda muito preenchida, tendo trabalhado durante muitos anos na clínica Fernando Póvoas, no Hospital Santo António e ainda com consultas particulares, a televisão acabou por ficar de fora.
No entanto, foram muitos os que sentiram falta da honestidade e da forma descomplicada como lida com os chamados tabus e, por isso, criou o canal no YouTube, seguido tanto por mulheres como por homens.
Em cerca de meio ano arrecadou um bom número de seguidores, mas a repentina morte do pai levou a que deixasse de ter "força para continuar o canal". O regresso aconteceu meses depois, mas, entretanto, com a presença nos 'Extra' do 'Big Brother' voltou aficar menos ativa no '100Tabus'.
E foi precisamente esta etapa que destacou durante a entrevista, onde falou ainda abertamente sobre a sexualidade, os desafios que muitos casais enfrentaram durante o confinamento e as consequências da pandemia da Covid-19 na saúde mental.
Recorda-se do início do canal noYouTube,'100Tabus'? Qual o feedback que tem recebido?
Inicialmente, eraum canal que na minha cabeça queria dirigir às mulheres. Um fenómeno extraordinário aconteceu e começo a reparar que além das mulheres, tenho um vasto leque de homens que o seguem, que mandam mensagens e colocam questões.
Aquilo que me davam [no primeiro meio ano da existênciado canal] é que desconstrui esta ideia do que é a sexualidade clínica e do que é terapia sexual. Não sei o que é que as pessoas tinham na cabeça. É um tema leve, não tem de ser abordado de uma forma pesada. A sexualidade pode ser uma coisa divertida. Ainda que exista uma patologia, resolve-se e as pessoas não têm de ter vergonha de pedir ajuda. As mulheres não têm de ter vergonha de assumir que têm um problema.
83% das mulheres em Portugal têm uma disfunção chamada hipodesejo sexual e ninguém assume, ninguém procura ajuda. Mais de 80% das mulheres sofrem de anorgasmia - dificuldade em atingir o orgasmo - e não partilham umas com as outras, não procuram ajuda porque não sabem quem procurar. O que acontece é que normalmente pedem este tipo de ajuda na ginecologista, mas o ginecologista não vai fazer um milagre porque não pode dar-lhe uma pastilha para dar vontade, dar prazer, ou para dar um orgasmo.
Infelizmente, acho que ainda somos poucos a fazer consulta de sexualidade clínica, espero que isto vá crescendo cada vez mais. Mas as pessoas também têm de ter conhecimento da especialidade, que ela existe e que a podem procurar, que ela está acessível a toda a gente e que não há tabus, não há vergonha. Experimentem para entenderem o que se passa na consulta e depois verificarem que até é porreiro. Até quem não tem problemas, na terapia sexual vai aprender alguma coisa.
Estamos agora numa era em que a sexualidade é mais libertina, nada contra, mas os problemas continuam. Sexo por sexo não faz com que o sexo fique bom. E isto é o que vejo na camada mais jovemTem falado em desmistificar a sexualidade e as relações, e há de facto temas que continuam a ser tabu... Mas sente que já foram dados vários passos nesse sentido, de desmistificar, ou ainda há muito caminho a percorrer?
Masters e Johnson foram os grandes pioneiros da terapia sexual e escreveram um manual em 1976 que é um manual que se continua a usar hoje. Acho que isso resume esta pergunta... [risos] Outros escritores vieram a seguir e escreveram sobre a sexualidade, há o Relatório de Hite, que foi o maior estudo feito acerca da sexualidade feminina e está nos anos 70 novamente. Portanto, nós não evoluímos absolutamente nada. E o que era tabu e pertence à consulta, continua a ser tabu e a pertencer à consulta. Estamos agora numa era em que a sexualidade é mais libertina, nada contra, mas os problemas continuam. Sexo por sexo não faz com que o sexo fique bom. E isto é o que vejo na camada mais jovem.
Os meus pacientes normalmente são dos 35 anos para cima, porque antes o sexo é sexo, bem ou mal, as pessoas deixam andar. Depois, quando valorizarem o sexo de uma forma diferente e perceberem que o sexo e a sexualidade são coisas diferentes, aí sim, têm tendência a pedir ajuda, se tiverem coragem para o fazer. Quando tenho pacientes mais novos são mulheres ou homens que trazem uma patologia clínica, como o vaginismo, uma disfunção erétil ou uma perda de virgindade... Acontece muitas vezes pessoas que perdem a virgindade tardiamente e têm medo, têm receio de, entretanto, encontrarem algum companheiro ou companheira e vão iniciar a vida sexual, e pedem ajuda porque não têm a coragem para questionar mais ninguém. Normalmente vêm reencaminhados pela urologia ou pela ginecologia.
Somos uns verdadeiros mentirosos uns com os outros no que diz respeito à sexualidade. Uma mulher quando diz a outra que tem desejo sexual diariamente e que está sempre disponível para o marido, está a mentirE a cultura portuguesa leva a que sejamos mais 'escondidos'?
Um bocadinho não, muito. Nós somos uns verdadeiros mentirosos uns com os outros no que diz respeito à sexualidade. Uma mulher quando diz a outra que tem desejo sexual diariamente e que está sempre disponível para o marido, está a mentir. As mulheres não partilham, normalmente, e os homens muito menos. Nenhum homem vai dizer ao amigo que tem tido problema de disfunção, e as mulheres não dizem umas às outras que têm dificuldades em atingir o orgasmo, ou dificuldade em ter prazer, ou que lhes custa o arranque e que inicialmente nunca têm vontade...
Não sou um exemplo, segui a área que segui porque a minha avó, que era enfermeira, já nessa altura falava muito acerca da sexualidade, da proteção da sexualidade... E a minha avó se fosse viva hoje teria quase 90 anos. Esta informação foi passada para a minha mãe e a minha mãe passou para mim, por sermos mulheres, por precisarmos de nos proteger. A minha avó foi uma guerreira, era uma trabalhadora, uma mulher de luta.
Para fazer esta especialidade de sexualidade clínica também é preciso que a pessoa esteja completamente à vontade com a sexualidade. Às vezes, há pessoas que vão fazer a especialidade de terapia sexual ou de sexualidade clínica, e depois acabam por não exercer. Também é preciso estar à vontade com o assunto, não para ouvir, mas para falar. Há coisas que são complicadas de dizer. Há colegas minhas com quem estudei que me ligam porque não conseguem encontrar as palavras certas para dizer a um homem que tem problemas de ejaculação precoce que tem que se masturbarde manhã e à noite, e mandar o tempo de quanto dura ou quanto demora até ejacular. E isto é o que acontece logo numa primeira consulta. Se não houver uma abertura mental por parte do terapeuta que está a fazer isto, também é difícil. E não é fácil para o terapeuta ter esse à vontade.
Senti mais procura duas semanas depois doconfinamento, muita terapia de casal, mas tudo já pronto para se divorciar. Já vinham mesmo em última instânciasó para dar uma última hipótese porque o advogado disse para tentaremTendo formação em terapia de casal, tem recebido mais pedidos de ajuda nesse sentido durante a pandemia?
É o pão nosso de cada dia, na pandemia então... Eu na pandemia até fiz um separador no Instagram que é 'como sobreviver à pandemia'. Não parei de trabalhar durante a pandemia porque já dava consultas online - tenho muitos pacientes que são portugueses mas estão a viver no estrangeiro. Aquilo que fui visualizando é que quem estava muito mal, até ficou melhor - como as coisas estavam muito más, tentaram respeitar-se ao máximo para a coisa não ficar tão mal porque tinham de estar ali confinados um com o outro. Quem estava tremido, ficou muito mau - porque houve discussões por tudo e por nada e tudo confiscava. Quem estava muito bem, arranjou forma de ficar mal. Foi uma época mesmo muito difícil, complicada. Senti mais procura duas semanas depois do confinamento, muita terapia de casal, mas tudo já pronto para se divorciar. Já vinham mesmo em última instância só para dar uma última hipótese porque o advogado disse para tentarem. Mas foi muito complicado, os divórcios dispararam depois do confinamento.
Quanto mais desocupado o cérebro está... é recreio do diabo. A nossa cabeça começa sozinha a ir buscar tudo e mais alguma coisa e temos tendência, de uma forma inconsciente, até para procurar o que não interessa, ou o que não deveria interessarE quais as principais consequências a nível de saúde mental que esta pandemia pode trazer ou que já está a trazer?
A falta de liberdade ou a privação de liberdade, faz-nos pensar muitas vezes em coisas que nós não queremos pensar, ou que tentamos arrumar em gavetas e que não queremos mexer. O que acontece é que quando temos muito tempo livre essas gavetas começam a abrir, e há coisas que achávamos que até estavam resolvidas, que não estão. E, de repente, apanhamo-nos a sofrer ou a chorar por coisas que achávamos que tínhamos resolvido há dez anos. As memórias começam a vir ao de cima.
Precisamos mesmo de ter o nosso cérebro ocupado, ter coisas para fazer, horários para cumprir, de regras... Quanto mais desocupado o cérebro está... é recreio do diabo. A nossa cabeça começa sozinha a ir buscar tudo e mais alguma coisa e temos tendência, de uma forma inconsciente, até para procurar o que não interessa, ou o que não deveria interessar. Procuramos sempre coisas que acabam por magoar porque as memórias que nos magoam têm um impactomuito mais forte do que as memórias que nos fazem bem. Assim sendo, em momentos de aperto estas coisas vemao de cima.
O impacto que tem na saúde mental foi um aumento enorme nas depressões-reativas, essencialmente - porque devido a alguma coisa, a pessoa achava que já tinha resolvido e afinal não resolveu.Houve um agudizar das depressões e de todas as situações que estavam em limite, e tratamentos que até já estavam a correr bem - e possivelmente muito perto da alta clínica - e regrediram imenso por causa da mente livre. A mente livre é mesmo muito perigosa.
As pessoas não vão aos restaurantes por medo, mas depois juntam-se todas em casa. Isto nãotem muita lógica(...)O pânico e o medo devem ser controlados mentalmente, mas não fisicamente. Fisicamentedeve haver muitos cuidados, sempre O medo é uma das palavras que mais temos ouvido nesta fase... Que conselhos daria a pessoas que sofrem com o medo?
Protejam-se! Todos nós temos de nos proteger. Claro que não vamos andar em pânico e, de repente, deixar de viver e de respirar com medo de tudo o que vai acontecer. Temos de relaxar a mente, mas não relaxar os cuidados. E é muito importante distinguir estas duas coisas. Precisamos de não "panicar", mas precisamos de ter todos os cuidados necessários, e se tivermos vamos conseguir proteger-nos. O que acho que aconteceu agora, este elevado número de casos que tem aparecido, é porque durante a primeira vaga toda a gente estava muito assustada, ninguém sabia o que era isto e toda a gente cumpria à regra. E, de repente, relaxámos...
A máscara e as mãos desinfetadas é o segredo para passarmos por isto da forma mais confortável possível. E quando ouvimos para não fazer reuniões familiares, evitar comer na casa de outras pessoas, é para cumprir. As pessoas não vão aos restaurantes por medo, mas depois juntam-se todas em casa. Isto nãotem muita lógica. Acham que a casa é sempre um lugar de proteção e, inconscientemente, acham que estão protegidas, mas não. As outras pessoas vêm da rua e em casa ninguém está de máscara e a desinfetar as mãos de 5 em 5 minutos. O pânico e o medo devem ser controlados mentalmente, mas não fisicamente. Fisicamentedeve haver muitos cuidados, sempre.
Que objetivosgostava de ver cumpridos num futuro próximo?
Gostava de voltar ao meu canal [de YouTube] porque tenho um carinho especial por ele, e gostava de terminar o livro que estou a escrever. Não sou muito de criar objetivos nem expectativas. Aquilo que quero sempre é, pelo menos, sentir-me tão bem como me sinto agora. Se não for melhor, pelo menos que seja como estou agora. Gosto destes projetos em televisão e gostava de continuar a fazer, não obrigatoriamente num reality show. Gostava de manter todas estas coisas e, quem sabe, acrescentar outras coisas como a rádio... Já fiz no passado e gostei muito.
Falou de um livro... Há alguma informação que possa adiantar sobre esse projeto?
Top secret. É o segredo mais bem guardadinho que tenho [risos]. Já ouvi todo o tipo de especulações quando as pessoas sabem que estou a escrever alguma coisa, e gosto muito daquilo que vou ouvindo. Se calhar, o livro vai surpreender porque não é exatamente aquilo que as pessoas estão à espera. Aquilo que posso dizer é que não é um livro técnico.
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