O número de mulheres diagnosticadas com doenças cardiovasculares (DCV) supera a dos homens um pouco por todo o mundo. De acordo com a Fundação Portuguesa de Cardiologia, há cerca de mais quatro mil mulheres a morrerem todos os anos devido a DCV, ultrapassando em nove vezes o número de óbitos por cancro da mama. Ainda assim, os casos permanecem subdiagnosticados.
Patrícia Vasconcelos, assistente hospitalar de Medicina Interna do Hospital Fernando Fonseca, na Amadora, revela, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que todos os anos "há cerca de mais quatro mil mulheres a morrerem de doenças cardiovasculares" em Portugal.
As estimativas mostram que, "ao contrário do que se pensa, são a principal causa de morte das portuguesas".
A especialista é perentória: "Deveriam ser implementadas estratégias de prevenção adaptadas às mulheres". "A sua saúde deveria ser uma prioridade de saúde pública", sublinha.
Patrícia Vasconcelos
As doenças cardiovasculares fazem mais vítimas entre as mulheres um pouco por todo o mundo. Em Portugal, o cenário é o mesmo?
Sim. São a principal causa de morbilidade e mortalidade nas mulheres em todo o mundo, estimando-se que uma em cada três mulheres morra de doença cardiovascular. Segundo dados da Fundação Portuguesa de Cardiologia, anualmente, são responsáveis por mais de 20 mil vítimas entre as mulheres, um número superior ao do universo masculino. Todos os anos, em Portugal, há cerca de mais quatro mil mulheres a morrerem de doenças cardiovasculares do que homens, constituindo estas, ao contrário do que se pensa, a principal causa de morte das mulheres portuguesas. Morrem, todos os anos, nove vezes mais mulheres por doenças cardiovasculares que por cancro da mama, por exemplo. E tem-se verificado, de forma preocupante, um aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares e uma incidência de enfarte agudo do miocárdio em mulheres jovens.
A doença arterial coronária na mulher é muitas vezes subdiagnosticada, subestimada e, consequentemente, subtratada na prática clínica
Apesar dos números, as doenças cardiovasculares continuam a ser pouco reconhecidas nas mulheres. Porquê?
Infelizmente, o risco de doença cardiovascular na mulher não tem sido adequadamente identificado nem valorizado. Entre as razões para o cenário estão:
- Dificuldades de diagnóstico da população feminina, uma vez que os sintomas são menos explícitos do que nos homens;
- Especificidades dos fatores de risco clássicos na mulher (o impacto deletério conferido pela diabetes, obesidade e tabagismo é maior em mulheres, tal como a prevalência de sedentarismo);
- Condições clínicas exclusivas da mulher associadas a um aumento e, por vezes, ao início precoce do risco de doença cardiovascular, nomeadamente, patologia associada à gravidez, fatores hormonais (menopausa precoce), doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistémico e artrite reumatoide), terapêuticas associadas ao cancro da mama (radiação da parede torácica e cardiotoxicidade associada à quimioterapia) e fatores psicossociais (doenças psiquiátricas; nível económico);
- Menor assiduidade no recurso aos cuidados de saúde em mulheres, bem como uma menor adesão ao tratamento;
Além disso, as doenças cardiovasculares continuam a ser pouco estudadas e pouco reconhecidas nas mulheres. As razões são muitas, incluindo:
- Falta de consciencialização do problema pelas mulheres, pela comunidade médica e científica, e pela sociedade;
- Sub-representação das mulheres em pesquisas e ensaios clínicos o que causa uma lacuna de conhecimento sobre o impacto das doenças cardíacas neste grupo especial, quais os medicamentos mais recomendados, em que doses, entre outras questões.
Quais os principais fatores de risco?
Podemos considerar dois grupos de fatores de risco:
1.º: Os tradicionais/clássicos (hipertensão arterial, dislipidémia/ colesterol alto, sedentarismo, tabagismo, diabetes mellitus e obesidade) que apresentam prevalência e 'peso' diferente nas mulheres. Há maior prevalência de obesidade e sedentarismo e as mulheres fumadoras e diabéticas têm risco cardiovascular maior em comparação com os homens.
2.º: Os específicos/exclusivos do sexo feminino: hormonais (menopausa precoce, terapêutica hormonal substituição, síndrome do ovário poliquístico), condições associadas à gravidez (eclâmpsia, diabetes gestacional, parto pré́-termo, interrupção da gravidez e restrição do crescimento intrauterino), doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistémico e artrite reumatoide), terapêuticas associadas ao cancro da mama (radiação da parede torácica e cardiotoxicidade associada à quimioterapia) e fatores psicossociais (por exemplo, a depressão).
Vários estudos têm demonstrado uma associação entre a alteração do colesterol LDL e o risco de doença cardiovascular
Atualmente, o 'multitasking' conduz a níveis mais altos e mais prolongados de stress, o que dificulta a pratica de atividade física, induz a adoção de maus hábitos alimentares, maior consumo de tabaco e abuso de álcool. De salientar que a transição para a menopausa constitui um tempo de risco cardiovascular acelerado, associado a dislipidemia aterogénica (isto é, conjunto de alterações nos níveis de gordura no sangue que aceleram o processo de deposição de gordura nos vasos sanguíneos (aterosclerose), e causam doenças cardiovasculares) que se caracteriza por colesterol LDL ('mau') relativamente normal, porém, com moléculas pequenas e densas, colesterol HDL ('bom') baixo e triglicéridos altos.
Quais os sintomas mais frequentes?
A doença arterial coronária na mulher é muitas vezes subdiagnosticada, subestimada e, consequentemente, subtratada na prática clínica. A apresentação clínica dos sintomas de enfarte agudo do miocárdio, no sexo feminino, são, em muitos casos, diferentes da clássica dor no peito, irradiação para as costas, pescoço e membros superiores, mais comum no sexo masculino.
Há diferenças entre os homens e as mulheres?
Nas mulheres, os sintomas tendem a ser atípicos, como cansaço, sensação de falta de ar e desmaios, o que dificulta o diagnóstico e atrasa a instituição de terapêutica.
E o inimigo mais 'silencioso'?
Ao longo dos anos, vários estudos têm demonstrado uma associação entre a alteração do colesterol LDL e o risco de doença cardiovascular. Ainda assim, mais de metade da população portuguesa desconhece os seus níveis de colesterol e 63% apresentam valores altos. O colesterol elevado não apresenta sintomas evidentes - não dói -, sendo apenas identificado aquando da realização de exames sanguíneos. Por esse motivo, é considerado um inimigo 'silencioso'.
Deveriam ser implementadas estratégias de prevenção adaptadas às mulheres e a sua saúde deveria ser uma prioridade de saúde pública
Como podemos prevenir as doenças cardiovasculares?
Através do controlo dos fatores de risco modificáveis, isto é, da adoção de um estilo de vida saudável que passe por: deixar de fumar, adotar uma alimentação saudável (redução de sal e maior consumo de frutas e legumes), controlar os níveis de colesterol e a pressão arterial, diminuir o stress, praticar regularmente exercício físico e evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
E no caso das mulheres?
A identificação criteriosa dos seus fatores de risco específicos é fundamental para uma correta estratificação de risco cardiovascular, no sentido de implementar estratégias de modificação do estilo de vida e controlo agressivo dos fatores de risco, sempre que necessário com recurso a terapêutica farmacológica. Deveriam ser implementadas estratégias de prevenção adaptadas às mulheres e a sua saúde deveria ser uma prioridade de saúde pública.
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