Médico explica: Escoliose, mais do que viver com a coluna aos 'ésses'

Junho é o mês internacional da escoliose, uma doença que afeta 2 a 4% da população e que é habitualmente detetada na infância ou adolescência. Pais e educadores devem estar atentos aos sinais de alerta.

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Ana Rita Rebelo
28/06/2022 08:27 ‧ 28/06/2022 por Ana Rita Rebelo

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Médico explica

Assimetria dos ombros e nas ancas, tronco inclinado para um dos lados, com um desvio da coluna vertebral em forma de 'S', omoplata proeminente e assimetria dos flancos. Estas não são coisas da idade. Quem sofre de escoliose não tem a vida facilitada e também não existe uma solução que possa ser 'receitada' a todos. Todavia, se a doença for detetada no tempo certo, é tratável, com fisioterapia, correção da postura ou intervenção cirúrgica.

A deteção precoce garante que a doença não rouba qualidade de vida a quem dela padece. "Qualquer oportunidade deve ser aproveitada para fazer o teste de Adams [consiste na flexão da coluna para a frente] num adolescente ou pré adolescente", defende João Lameiras Campagnolo, ortopedista no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, e coordenador da campanha 'Josephine Explica a Escoliose'. "Demora 10 segundos."

Para o especialista, há ainda algo a reter:  "Apesar de formas mais ligeiras de escoliose causarem apenas leve desconforto, as mais graves podem causar dores crónicas ou até afetar órgãos internos (...) com um aumento da mortalidade precoce na idade adulta, geralmente por causa da restrição da sua capacidade pulmonar".

Notícias ao Minuto João Lameiras Campagnolo© DR

Não são as más posturas que provocam a doença

O que é a escoliose?

A escoliose é uma deformidade da coluna vertebral que afeta o plano frontal. No fundo, cria desvios ou para a esquerda ou para a direita da coluna, que se manifestam por deformidades nas costas, às quais se chama de uma giba ou bossa. Não confundir com as deformidades no plano sagital. Quando vemos as pessoas de perfil, também podem criar bossas, mas são inclinações anómalas para a frente ou para trás.

Estima-se que entre 2 a 4% da população sofra de escoliose e que a maioria dos casos sejam detetados durante a adolescência. A escoliose pode afetar 2% a 3% das crianças e jovens, mas são menos de 1% os casos que necessitam de tratamento.

Quais os diferentes tipos?

A escoliose idiopática refere-se a um tipo de escoliose em que não é possível determinar o motivo do desvio da coluna e podem ser atribuídos a várias causas. E, apesar de existir muito por explicar sobre a origem da escoliose idiopática, sabe-se que há um determinante genético, isto é, verifica-se uma maior incidência da doença no público feminino – em cada 10 casos, oito são do género feminino. Este tipo de escoliose está ainda dividido de acordo com a idade em que surge: infantil, juvenil, adolescente e adulto.

A escoliose congénita dá-se quando o bebé nasce já com esta doença devido a malformação das vértebras.

Já a escoliose degenerativa é provocada pela degeneração de discos da coluna vertebral e das suas articulações, assim como por deformidade das vértebras (muitas vezes com osteoporose associada), como resultado do avanço da idade. Esta surge tipicamente depois dos 50 anos, em adultos que não tinham escoliose prévia, ou então pouco significativa.

No adulto, devido à osteoporose e outras patologias associadas, o tratamento pode-se tornar mais difícil do que na criança, com maior taxa de complicações e de insucesso parcial do tratamento.

Existe ainda a escoliose neuromuscular, que acontece quando há uma condição neurológica associada, como a paralisia cerebral.

Se houver alguém com escoliose na família, a hipótese de a criança desenvolver uma escoliose é maior do que a da população geral

Quem sofre mais com a doença?

A escoliose é a principal deformidade da coluna em crianças e adolescentes, sendo uma doença comum e que se manifesta a partir dos 10 anos, no início da adolescência, provocando uma deformidade em forma de 'S'. O diagnóstico e o tratamento precoce são essenciais para evitar a dor na vida dos mais novos.

Existe a ideia de que a escoliose nos adolescentes surge pelas posturas erradas. Isso tem algum fundo de verdade?

Ainda não se sabe tudo sobre a escoliose idiopática, a mais comum em crianças e jovens, mas sabe-se que não são as más posturas que provocam a doença. No entanto, seja a curvatura da coluna mais ou menos acentuada, existem cuidados que devemos ter com a postura, até como forma de prevenir o surgimento de dores nas costas. Cuidados como manter a posição da coluna o mais direita possível, apoiar as costas na cadeira sempre que se está sentado e manter os calcanhares assentes no chão são relevantes.

Quando são curvas muito importantes ou têm uma perspetiva de evolução inexorável vão precisar de cirurgia

A escoliose passa de pais para filhos?

Há uma componente genética indesmentível pelo que, se houver alguém com escoliose na família, a hipótese de a criança desenvolver uma escoliose é maior do que a da população geral. Um rastreio precoce durante a infância e a adolescência deve ser efetuado pelo médico assistente.

Como é que os pais podem ajudar a detetar uma deformidade na coluna?

Na idade adolescente, normalmente deteta-se por assimetrias francas na altura dos ombros, por assimetrias das pregas, a nível da cintura, por bossas, ou surgimento de uma assimetria, de uma bossa torácica, do lado direito ou do lado esquerdo, ou, nalguns casos, a nível lombar. Podem também ser detetadas alterações do comprimento das pernas.

Em idades mais precoces, é sobretudo pelas bossas, pelas deformidades das costas que se detetam anomalias e que se tem de investigar. Mas a maior parte das vezes já é num adolescente e temos de ter em conta que às vezes os jovem escondem os sinais que eles próprios detetaram. Às vezes o diagnóstico torna-se mais complicado por causa disso.

Leia também: Dor crónica? "É para tratar e ser erradicada"

O teste de Adams, que consiste na flexão da coluna para a frente, é uma forma eficaz para detetar se a criança está a desenvolver alguma deformidade na coluna ou não. Através deste teste de observação é possível detetar qualquer assimetria (corcunda) na região torácica (costelas e ombros) e observar um lado mais alto que o outro (devido a rotação vertebral e das costelas).

É possível conter o avanço da doença?

Num primeiro nível, esta doença exige apenas um seguimento para perceber se a escoliose é mínima e se não progride durante a fase da adolescência. Depois, existem curvas que já têm indicação terapêutica e que muitas vezes vão precisar de tratamento através da utilização de um colete. Em relação às escolioses nas crianças, estas têm um padrão diferente, mas muitas vezes também vão precisar de tratamentos que tenham em conta o crescimento residual, que é mais importante do que na adolescência.

Nos casos mais graves, há formas de tratar a doença?

Quando são curvas muito importantes ou têm uma perspetiva de evolução inexorável vão precisar de cirurgia. Existem vários tipos de técnicas, vários tipos de materiais, com o intuito de resolver o problema, pelo menos em parte. É muito raro conseguirmos uma correção completa. O tratamento consegue-se com a fixação da coluna em posição de máxima correção possível. Vamos ganhar na correção da deformidade, mas à custa de perda de mobilidade da região operada.

Mas há um tempo-chave para o tratamento.

Há técnicas cirúrgicas que contam com o crescimento remanescente para corrigir a deformidade; por outro lado, quanto menos marcada for a deformidade, melhor é a 'corretibilidade' da curva e melhor será o resultado final. Assim, sim, há momentos chave para intervir… No entanto, nos casos detetados mais tardiamente, também há soluções…

Qual a taxa de sucesso das intervenções cirúrgicas? 
Hoje em dia, graças ao avanço tecnológico, as cirurgias são procedimentos com elevada segurança e eficácia para o tratamento da escoliose.

Há riscos vitais nas formas muito graves, com um aumento da mortalidade precoce na idade adulta

As mulheres com escoliose podem engravidar?

Sim, as mulheres podem engravidar. Geralmente, as curvas afetam mais a região dorsal, pelo que não interferem tanto com a cavidade abdominal e, logo, com a gravidez; ainda assim, nos casos de escoliose lombar grave consegue-se obter uma gravidez e levá-la a cabo com sucesso, embora com maior incidência de lombalgia.

Que implicações tem esta patologia na qualidade de vida dos doentes?

Apesar de formas mais leves de escoliose causarem apenas ligeiro desconforto, as mais graves podem causar dores crónicas ou até afetar órgãos internos.

E quais os riscos?

Há riscos vitais nas formas muito graves, com um aumento da mortalidade precoce na idade adulta, geralmente, por causa da restrição da sua capacidade pulmonar. Mesmo nas formas mais leves, as consequências dos períodos 'perdidos' em consultas, a fazer exames, a serem submetidos a diversos tratamentos e a serem espoliados de uma infância e de uma adolescência normais devem ser tidos em conta. Finalmente, devemos ter ainda em conta as graves repercussões na saúde mental destes jovens e no sofrimento causado pela alteração da sua autoimagem.

O que há por fazer quanto à sensibilização da sociedade e dos próprios profissionais de saúde?

Há uma sensibilidade para o tema, mas existem ainda muitos mitos. Por um lado, a questão do diagnóstico médico torna-se mais complicada. Por vezes, é uma surpresa para os pais verem que os filhos já têm uma situação evoluída. Portanto, há necessidade de educação no sentido de desfazer mitos, dando algumas dicas aos pais em relação à observação, nomeadamente de forma mais ou menos discreta, para perceberem se há assimetrias e se vale a pena ser realizada uma avaliação por um clínico, que depois enviará, eventualmente, a criança ou o adolescente a um ortopedista, se tiver dúvidas em relação à existência real de uma escoliose.

Relativamente aos profissionais de saúde, há uma modificação da atuação a nível da saúde pública. Os médicos de clínica geral estão sobrecarregados com doentes e, ultimamente, completamente 'absorvidos' pelas obrigações decorrentes da pandemia da Covid-19 e a medicina escolar há muito que deixou de funcionar. Ainda por cima, é muito difícil para os pais levarem adolescentes 'saudáveis' a uma consulta de rotina.

Tem de haver mais consciencialização dos médicos a todos os níveis. Qualquer oportunidade deve ser aproveitada para fazer o teste de Adams num adolescente ou pré adolescente. Demora 10 segundos, mas é preciso poder observar corretamente os jovens, em boas condições, e depois referenciá-los atempadamente para uma consulta de ortopedia.

Leia Também: Como prevenir a osteoporose? Saiba o que deve começar a fazer já hoje

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