Suzana Herculano-Houzel, que participou numa conferência sobre energia cerebral, a convite do Ispa - Instituto Universitário, investiga na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, onde lidera um laboratório, as regras de construção do sistema nervoso central em humanos e animais.
A cientista e docente descobriu, em trabalhos anteriores, que o cérebro humano tem 86 mil milhões de neurónios - menos 14 mil milhões do que se supunha - e sugere que a sua complexidade se deve ao elevado número destas células no córtex, região onde se processa a memória, atenção, consciência, linguagem e perceção.
Segundo Suzana Herculano-Houzel, a comida cozinhada permitiu ao Homem, durante a sua evolução, desenvolver um grande número de neurónios no córtex, pois a energia consumida desta forma é melhor digerida e absorvida em menos tempo.
Os neurónios "são células famintas" e reclamam energia, disse, em declarações à Lusa. Contudo, essa energia - dada pelos compostos dos alimentos - não é ilimitada e o seu acesso no cérebro é feito de forma desigual, apesar de a distribuição ser feita às células através do sangue pelo mesmo canal, no caso uma "rede uniforme" de capilares, vasos sanguíneos muito finos.
"Existem grandes desigualdades no cérebro em termos de disponibilidade de energia por neurónio", sublinhou, realçando que no cérebro há zonas com poucos neurónios, mas grandes, que têm acesso a mais energia, por oposição a outras zonas com muitos neurónios, mas "necessariamente muito pequenos", que "disputam a mesma quantidade de energia".
A neurocientista fala, por isso, num "sistema de desigualdade social no cérebro", em que o acesso a "recursos limitados", como a energia consumida através dos alimentos, "é desigual".
O cérebro é comparado a um país onde as pessoas que nele vivem em desigualdade de acesso a recursos são os neurónios e as estradas que transportam esses recursos limitados são os capilares sanguíneos.
Com o tempo, "é inevitável" que a engrenagem acuse falhas, potenciando a acumulação de danos que podem degenerar em doenças associadas ao envelhecimento.
"É claro que os genes contribuem para essas doenças", ressalvou Suzana Herculano-Houzel, assinalando, no entanto, que "uma vida muito longa" para "um sistema de distribuição de energia limitada" pode ser um fator para o aparecimento dessas doenças.
"O sistema de distribuição de energia aos capilares, certamente, é um fator extremamente importante para manter a saúde do cérebro ao longo da vida", sustentou.
De acordo com Suzana Herculano-Houzel, a "longevidade humana é exatamente a esperada pelo número de neurónios que tem no córtex cerebral".
"Quando entendermos o mecanismo que liga o número de neurónios à longevidade teremos a possibilidade de poder intervir e melhorar a qualidade de vida com o envelhecimento", defendeu.
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