O medo do desconhecido, da dor e os relatos de terror das familiares, amigas e conhecidas são alguns dos fatores que têm vindo a afastar muitas mulheres das consultas de ginecologia. O receio é tanto que têm ficado por diagnosticar várias patologias, muitas delas graves, atrasando os tratamentos.
"É um estigma", defende o ginecologista e obstreta Daniel Pereira da Silva. Ainda assim, o médico congratula-se, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, pela "evolução muito positiva" na relação entre ginecologistas e mulheres, sublinhando que "o respeito pela dor é imperativo". "Temos de usar todos os meios eficazes e seguros para controlá-la e hoje temos mais opções disponíveis."
Daniel Pereira da Silva© Daniel Pereira da Silva
Existe uma idade ideal para as mulheres irem ao ginecologista pela primeira vez?
Quando as mães, minhas doentes, me questionam sobre quando as filhas devem fazer a primeira consulta costumo responder-lhes que, se não houver razão especifica, devem fazê-lo antes das primeiras relações sexuais. Essa consulta é muito importante, de preferência sem a presença de nenhum dos pais, para que o ambiente seja descontraído e sem constrangimentos. É uma consulta em que não fazemos exame ginecológico, mas onde falamos sobre saúde sexual e reprodutiva, onde devemos salientar que cada um de nós é o principal agente do seu futuro, da sua saúde física e mental. É evidente que após o início da atividade sexual a consulta com o ginecologista ou o médico da medicina geral e familiar deve ser anual e ter em conta os rastreios das infeções genitais, do cancro do colo [do útero] e da mama.
A experiência transmitida pela mãe, amigas ou outras mulheres tem muita importância
Como devem as mulheres preparar-se para essa primeira ida ao ginecologista?
Não é preciso nenhuma preparação em especial, mas deve estar fora do período menstrual.
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O medo de ir ao ginecologista é comum entre muitas mulheres. Há motivos para isso acontecer?
Sim, muitas mulheres receiam ir ao ginecologista. É um estigma, mas que tende a diminuir. Tem havido uma evolução muito positiva na relação entre os ginecologistas e as mulheres. Nós explicamos mais e melhor o que fazemos e porque o fazemos, pedimos autorização para fazer o que é necessário e avisamos que o vamos fazer. Esses aspetos não são meras nuances, são importantes para a relação de confiança que é fundamental que se estabeleça.
Como superar o receio da dor associada a alguns exames ginecológicos?
Essa é uma questão muito importante. A sensibilidade pessoal é muito variável, o que é normal. Esse aspeto é incontornável. Outra questão são as fontes de informação e as influências. A expectativa com que a mulher vai ao ginecologista é fundamental. A experiência transmitida pela mãe, amigas ou outras mulheres tem muita importância. As fontes de informação, nomeadamente as digitais, desempenham um papel de relevo e nem sempre são isentas, porque as 'más notícias' têm uma amplificação e um impacto muito maior. O receio minimiza-se com informação verdadeira, credível e sensata, que responda às preocupações específicas da mulher.
O medo da dor é terrível, aumenta a ansiedade, cria antecipadamente sofrimento, o que deve ser minimizado com mais informação e utilização dos meios adequados
Como minimizar o desconforto? E de que forma é que o ginecologista pode ajudar?
A relação de confiança, o tempo para ouvir e nos fazermos ouvir são indispensáveis. O ambiente calmo e confortável ajuda e é importante que os gestos técnicos sejam suaves e se usem os materiais adequados para minimizar o desconforto, que não pode e não deve ser desvalorizado. Por vezes, há procedimentos que provocam dor, cuja intensidade é naturalmente variável. O controlo da dor deve merecer a maior atenção por parte dos médicos. Há mulheres com perfil de maior suscetibilidade à dor, mas é impossível identificar aquelas que não vão ter dor quando submetidas a uma biópsia, colocar um dispositivo intrauterino ou fazer uma histeroscopia, por exemplo. O respeito pela dor é imperativo. Temos de usar todos os meios eficazes e seguros para controlá-la e hoje temos mais opções disponíveis. O medo da dor é terrível, aumenta a ansiedade, cria antecipadamente sofrimento, o que deve ser minimizado com mais informação e utilização dos meios adequados. A dor tem de desaparecer do contexto da consulta de ginecologia e dos procedimentos que fazemos no consultório e isso pode ser feito. Houve uma evolução muito significativa em algumas especialidades no respeito e controlo da dor. Lembremo-nos da dentária, também muito associada ao estigma do sofrimento no passado e que teve uma evolução fantástica. O controlo da dor é um direito dos doentes.
Esta não é uma consulta vulgar, tem especificidades e mexe com a intimidade da mulher
Quais os sinais que indicam que é necessário ir a um ginecologista?
A visita de rotina anual, no máximo de dois em dois anos, após o início da atividade sexual é fundamental se pensarmos numa atitude preventiva, para aferir se tudo está bem e para fazer os rastreios das doenças de transmissão sexual, do cancro do colo do útero e da mama. Mesmo que tudo pareça estar bem a prevenção é fundamental, é preciso ajustar o método contracetivo à idade e outros fatores, é preciso ter consciência que o potencial de fertilidade baixa significativamente após os 30-35 anos. Se a mulher pretende vir a ter filhos, deve tomar medidas para que isso aconteça quando ela o entender. Hoje é possível otimizar o potencial de fertilidade da mulher colhendo ovócitos nas idades de maior potencial e usá-los mais tarde quando a mulher o entender.
De resto a consulta é necessária quando surgem sinais ou sintomas de algo vai mal.
O papanicolau é um exame recomendado a todas as mulheres após o início da vida sexual. A que se deve a sua importância?
O exame de papanicolau ou citologia era o exame indicado para a prevenção do cancro do colo do útero. Atualmente, foi substituído pelo teste ao papiloma vírus humano (HPV), porque é mais eficaz. A citologia pode ser negativa e a doente ter doença, o que praticamente não acontece com o teste ao HPV. O cancro do colo do útero continua a ser muito frequente e é totalmente prevenível, com a vacinação e o rastreio com o teste.
Com que frequência devemos fazê-lo?
A segurança com o teste é tão alta que pode ser realizado de cinco em cinco anos, desde que negativo. E nem provoca dor!
Em que consiste e como é feito?
Passa-se uma escova no colo do útero de forma suave e lava-se a escova num líquido próprio. Também há kits para autocolheita.
Quais os mitos sobre a consulta ginecológica que importa desmistificar?
Esta não é uma consulta vulgar, tem especificidades e mexe com a intimidade da mulher. Há que entender esses aspetos, há que estabelecer uma relação de confiança, sem mitos, com verdade e respeito.
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