Não é loucura e diz-nos respeito a todos. Como é viver com esquizofrenia
Segundo Miguel Bajouco, médico psiquiatra no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, é a terceira causa de perda da qualidade de vida entre os 15 e 44 anos. O despiste precoce pode evitar desfechos mais graves.
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Lifestyle Entrevista
À partida, o pintor Vincent Van Gogh, conhecido pelo episódio em que cortou a orelha, e o matemático e Nobel da Economia John Nash, cuja vida foi retratada por Russell Crowe no filme 'Uma Mente Brilhante', nada têm em comum. Porém, cada um na sua área, deixaram um legado inigualável e ambos sofriam de uma doença mental grave, crónica e incapacitante: esquizofrenia.
A doença afeta em todo o mundo cerca de 24 milhões de pessoas, sendo a terceira causa de perda da qualidade de vida entre os 15 e 44 anos, segundo a Organização Mundial de Saúde. Muitos dos casos são diagnosticados tardiamente e o impacto é verdadeiramente devastador. Cerca de 10% dos doentes, sobretudo adultos jovens do sexo masculino, tiram a própria vida.
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Haverá solução para travar este desfecho trágico para o qual ninguém ainda conseguiu encontrar 'cura'? Miguel Bajouco, médico psiquiatra no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, é peremptório na forma como defende ao Lifestyle ao Minuto que "é fundamental que, nas atitudes do dia a dia, no campo da investigação e em campanhas sociais mais alargadas, continuemos a lutar contra o estigma e as suas drásticas consequências".
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Lembra ainda que o tratamento precoce da esquizofrenia pode retardar a sua evolução. "Quanto mais tardiamente se iniciar o tratamento menor será a probabilidade de haver uma boa resposta ao mesmo", avisa.
A esquizofrenia é uma doença mental altamente incapacitante. Nesse sentido, o que acontece se não for detetada e tratada o mais cedo possível?
A esquizofrenia é uma doença que, quando não tratada, conduz a declínio acelerado nas capacidades globais do indivíduo, tornando-o incapaz de recuperar e ter uma vida autónoma e de se integrar na sociedade. Os estudos realizados mostram ainda que quanto mais tardiamente se iniciar o tratamento menor será a probabilidade de haver uma boa resposta ao mesmo. Sabemos hoje que esta deterioração clínica e funcional associada a doença, ocorre sobretudo no período anterior ao aparecimento dos primeiros sintomas psicóticos (o chamado pródromo psicótico) e no período imediatamente a seguir ao início destes sintomas, ou seja, após o Primeiro Episódio Psicótico. Por esse motivo, a fase inicial da psicose tem sido considerada um período crítico, compreendendo os cinco anos iniciais da doença. Neste contexto, nas últimas duas décadas, emergiu o conceito de 'intervenção precoce' dirigida às fases iniciais da esquizofrenia visando uma melhoria da evolução clínica.
Este tipo de intervenção, mostrou ter um impacto positivo mais significativo quando comparada com intervenções em fases mais tardias, não só em termos de melhoria dos sintomas, mas também ao nível do funcionamento global (por exemplo: relações interpessoais, emprego e autonomia). É por isso fundamental que as pessoas que começam a apresentar os primeiros sintomas psicóticos, ou que mesmo antes do aparecimento destes sintomas, evidenciariam um declínio marcado no seu funcionamento global, iniciem um acompanhamento clínico especializado, o mais precocemente possível.
Esta é uma doença conhecida há quantos anos?
O que entendemos por esquizofrenia hoje é o fruto de um conceito que sofreu também muitas transformações. Descrições parciais de sintomas da doença podem ser encontradas em textos hindus e gregos. Somente a partir do século XIX, começam a surgir descrições mais precisas de quadros denominados vagamente “por insanidade”.
No entanto, é a Emil Kraepelin, psiquiatra alemão, que é atribuída a identificação do que chamamos de esquizofrenia. Em 1896, Kraepelin designou de Dementia Praecox, quadros clínicos em que os doentes desenvolviam a doença numa idade relativamente precoce (praecox) e frequentemente apresentavam uma evolução crónica e com deterioração (dementia). Em 1908, Eugen Bleuler, propôs a substituição dessa designação pelo termo Esquizofrenia (do grego, schizo=cisão, phrén=mente) enfatizando a desagregação dos processos mentais como base da doença.
Quais as causas?
A esquizofrenia é uma doença mental complexa em que não é conhecido um fator que isoladamente seja capaz de causar a doença. Na verdade, trata-se de uma doença de origem multifatorial, ou seja, vários fatores atuam em simultâneo, mas com influência variável de pessoa para pessoa, levando ao aparecimento e progressão da doença. Entre esses fatores estão a genética, isto é, determinadas alterações genéticas que são mais frequentes, em determinadas famílias, aumentam o risco para desenvolver a doença.
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Por outro lado, fatores ambientais, têm sido implicados nos processos patológicos que levam à doença. Entre estes, incluem-se as complicações do desenvolvimento fetal e pós-parto, as experiências adversas em idade precoce (por exemplo: bullying ou abuso sexual), viver em meios urbanos, ser alvo de discriminação racial/étnica e, com especial importância, o consumo de drogas como a cannabis. Estes fatores de base ambiental, interagindo com alterações genéticas de risco, desencadeiam alterações no desenvolvimento cerebral em alturas consideradas críticas, como é o caso do período perinatal e adolescência.
Tais alterações resultam numa perturbação crónica da comunicação entre diferentes regiões cerebrais a que se associam alterações nos vários sistemas vários neurotransmissores cerebrais como o GABA, a glutamato, a serotonina e principalmente a dopamina, cuja desregulação está na base dos sintomas psicóticos. Sabemos que, por exemplo, substâncias como a cannabis e os alucinógenos provocar alterações na dopamina cerebral que funcionam como gatilho para o aparecimento dos sintomas psicóticos.
Nasce-se esquizofrénico? A genética é um fator determinante?
De facto, a genética tem um peso importante no desenvolvimento da doença. Sabemos que nas pessoas com história familiar de esquizofrenia, sobretudo quando ela afeta os parentes de primeiro grau (pai, mãe ou irmão) com quem têm muitos genes em comum, há um risco acrescido de ter a doença. Por exemplo, no caso de uma pessoa que tem um irmão gémeo verdadeiro (em que todo o património genético é igual) afetado pela doença, o risco de ter esquizofrenia é cerca de 50% superior ao da população geral. No entanto, sabemos também que os fatores não-genéticos (ambientais) são necessários ao desenvolvimento da doença. Portanto, a genética aumenta o risco, mas não determina quem tem a doença.
A depressão está frequentemente presente, especialmente nas fases iniciais da doença, contribuindo para a elevada taxa de suicídio que se observa na esquizofreniaE os sintomas mais frequentes?
A esquizofrenia caracteriza-se por diferentes grupos de sintomas, embora aqueles que mais frequentemente são associados à doença sejam os chamados sintomas psicóticos ou positivos, porque se acrescentam às características do paciente. Este grupo de sintomas refere-se a manifestações clínicas que condicionam a perda de contacto com a realidade. Os sintomas positivos incluem:
- Delírios. Correspondem a uma alteração patológica do pensamento em que o doente faz julgamentos falsos acerca da realidade, originando crenças em factos que não são verdadeiros, mas que para o doente são absolutamente inquestionáveis e defendidos com convicção absoluta mesmo quando lhe são apresentadas provas concretas de que estão erradas. Alguns exemplos são a crença de ser perseguido sem de facto o ser, ou a crença de que existem seres ou entidades que conseguem inserir ou roubar os seus pensamentos;
- Alucinações. Correspondem a uma perturbação da experiência sensorial do mundo em que as pessoas que ouvem, cheiram, vêem, ou sentem pessoas, objetos ou animais que não estão realmente presentes ou não existem. As alucinações auditivas (ouvir vozes comentadoras ou de comando) são as mais frequentes na esquizofrenia e importa salientar que não se trata de imaginação ou de simulação, dado que o doente ouve as alucinações do mesmo modo que qualquer som verdadeiro.
Um outro grupo de sintomas são os negativos (assim designados porque correspondem a uma perda funções psíquicas normais). que incluem, por um lado, o embotamento emocional e afetivo e a pobreza do discurso, levando a uma restrição da expressão emocional e, por outro, a perda ou diminuição da vontade, o isolamento social, e perda de capacidade de antecipar prazer nas atividades do dia-a-dia. Globalmente, os sintomas negativos são dos que mais impactam o funcionamento social, familiar e profissional, ao longo da doença.
O outro grupo de sintomas da esquizofrenia que mais causa dificuldades graves no funcionamento psicossocial são os sintomas cognitivos. De facto, as pessoas com esquizofrenia apresentam dificuldades na capacidade de manter a atenção, de planear simples tarefas do dia-a-dia e de interpretar os sinais sociais ou o estado mental e emocional das outras pessoas, que são competências necessárias para adequar o nosso comportamento social.
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Por fim, e apesar de até certa altura, se pensar que os doentes com esquizofrenia, por terem restrição dos afetos e emoções, não sofriam de sintomas afetivos como tristeza e depressão, sabemos hoje que tal não corresponde à verdade. A depressão está frequentemente presente, especialmente nas fases iniciais da doença, contribuindo para a elevada taxa de suicídio que se observa na esquizofrenia (cerca de um em cada 10 pessoas com esquizofrenia suicidam-se).
Manifestam-se a partir de que idade?
Habitualmente, os sintomas da esquizofrenia manifestam-se no adolescente ou adulto jovem, entre os 16 e os 25 anos. O perfil do aparecimento da doença não é uniforme tanto no que se refere à altura do seu aparecimento como à forma como ela se revela. O início pode ser insidioso, ao longo de meses a anos. O indivíduo vai-se isolando, perde o interesse pelas coisas e pessoas que o circundam, mostra-se apático e sem motivação para nada, quer apenas ficar no quarto. Surgem dificuldades cognitivas, como queixas de memória e falta de concentração e observa-se muitas vezes um declínio no rendimento académico, ou mesmo abandono do estudo ou trabalho. Às vezes, o indivíduo adquire interesses bizarros, por exemplo, passa a estudar livros esotéricos ou de ficção. Neste caso, as alterações do comportamento vão ocorrendo paulatinamente e são, muitas vezes, interpretadas à luz dos acontecimentos do quotidiano.
Quando estes sintomas surgem durante a adolescência, são muitas vezes confundidos com comportamentos habituais da idade, o que faz com que a doença nem sempre seja diagnosticada de forma atempada. Assim, o quadro tende a agravar-se até que os sintomas psicóticos se tornem mais evidentes e haja procura por acompanhamento médico. Quando o quadro clínico se instala de modo mais abrupto, ao longo de dias ou semanas, o doente costuma apresentar-se angustiado, perplexo, com a vivência de que algo está para a acontecer. Começa a verbalizar um discurso sem nexo, agitado, às vezes agressivo, o que chama a atenção das pessoas que o rodeiam e os leva a procurar ajuda especializada.
Genética aumenta o risco, mas não determina quem tem a doença
Quem pode ser afetado?
Qualquer pessoa que tenha fatores de risco, genéticos ou ambientais, pode ser afetada. O grande problema é que não sabemos hoje qual é o limiar que define um nível de risco suficiente para desenvolver a doença e assim saber quem são as pessoas que serão afetadas. Não obstante, estudos recentes têm tentado construir algoritmos com base nesses fatores de risco com o objetivo de prever o risco desenvolver perturbações psicóticas como a esquizofrenia, no grupo de pessoas que apresentam alguns sinais clínicos de alto-risco de psicose (por exemplo: declínio recente e significativo do funcionamento global e história familiar de esquizofrenia ou sintomas psicóticos atenuados ou de curta duração).
Afeta quantas pessoas no mundo? E em Portugal?
Estima-se que a esquizofrenia afete cerca de 23 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, de acordo com os estudos mais recentes, cerca de 48 mil pessoas têm a doença, o que corresponde a cerca de 0,6% da população portuguesa com idade superior a 15 anos.
Por que razão a doença se manifesta mais nos homens do que nas mulheres?
A literatura científica mostra que os homens, comparativamente às mulheres, têm um início da doença mais precoce, um pior funcionamento previamente ao aparecimento da doença, maior gravidade de sintomas negativos, menos gravidade de sintomas afetivos e taxas mais elevadas de consumo de álcool e substâncias psicoativas.
Alguns estudos sugerem que o curso da doença tende a ser mais grave nos homens, embora tal não seja consensual. Os motivos para estas diferenças não estão esclarecidos mas algumas hipóteses têm sido avançadas: por exemplo, pensa-se que os estrogénios, que são hormonas que existem em níveis mais elevados nas mulheres em idade fértil do que nos homens, possam ter um papel protetor em relação ao desenvolvimento da doença, o que explicaria por que motivo as mulheres têm um pico de incidência da doença após a menopausa, altura em que há declínio na produção de estrogénios; outra hipótese é a de que nos homens, a maior prevalência de consumo de substâncias psicoativas como o cannabis, aumenta o risco para desenvolver a doença, considerando o impacto destas substância equilíbrio dos sistemas de neurotransmissão, nomeadamente na dopamina.
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Apesar de não existir cura para esta doença, é possível tratá-la. De que forma?
O tratamento da esquizofrenia baseia-se num abordagem multidisciplinar e visão longitudinal, que tem em conta as diferentes fases da doença. Os objetivos atuais do tratamento vão além da remissão dos sintomas, e visam melhorar o funcionamento global e devolver qualidade de vida às pessoas que sofrem da doença, ou seja, a recuperação para uma vida com sentido apesar da doença. O tratamento psicofarmacológico, mais concretamente a medicação antipsicótica, é o tratamento de primeira-linha nesta doença. Os antipsicóticos, tal com o nome indica, tratam os sintomas psicóticos, mas têm um efeito menos significativo nos restantes sintomas. Atuam por antagonismo ou agonismo parcial dos recetores da dopamina, sobretudo dos recetores do subtipo D2.
Os antipsicóticos existem formulações orais e formulações injetáveis de curta e longa duração. As formulações injetáveis de longa duração (formulações depot) são cada vez mais utilizadas no tratamento da doença, pois melhoram a adesão ao tratamento, sendo que esta é um fator determinante para prevenir a recaída. Tal assume particular importância, pois sabemos que a recaída conduz a declínio cognitivo e funcional, maior probabilidade de resistência ao tratamento e, em geral, pior prognóstico.
Apesar da eficácia dos fármacos antipsicóticos, existem casos de resistência ao tratamento (cerca de 30%). Estas situações são tratadas com um fármaco antipsicótico com propriedades diferentes dos demais - a clozapina - e, nalguns casos há benefício do tratamento com electroconvulsivoterapia. Relativamente ao tratamento não farmacológico, existem várias intervenções reabilitativas que podem desempenhar um papel importante na vida das pessoas com esquizofrenia. Entre estas, incluem-se a psicoterapia, a terapia ocupacional, a remediação cognitiva e a psicoeducação. Estas abordagens focam-se em objetivos específicos do tratamento como a melhoria dos sintomas negativos e cognitivos, a redução da ansiedade (especialmente a social), a melhoria da crítica para a doença e da adesão à terapêutica, o treino de competências sociais e a redução do uso de drogas.
Em termos de estruturas de tratamento, a criação de unidades específicas para as fases críticas da doença (fases iniciais e resistência ao tratamento) a nível hospitalar e na comunidade, de unidades de dia hospitalares, unidades residenciais para readaptação funcional, associações de apoio a esta população de doentes, contribuiu consideravelmente para otimizar o tratamento e para fortalecer a sua reintegração social.
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Quais os avanços mais recentes neste campo?
Os avanços no conhecimento dos mecanismos subjacentes à doença têm sido significativos. Por exemplo, recentemente foi demonstrado que que determinadas proteínas envolvidas na conectividade entre os neurónios estão diminuídas nas pessoas com a doença, o que poderá explicar alguns défices cognitivos que apresentam. Há também cada vez maior conhecimento do papel dos vários neurotransmissores no funcionamento cerebral e da sua disfunção na doença. Os estudos genéticos têm também elucidado a arquitetura genética da doença com maior detalhe, demonstrando que os genes afetados se relacionam com proteínas essenciais ao desenvolvimento do cérebro e à comunicação entre os neurónios. Recentemente, vários estudos têm reportado também a existência de um estado de inflamação a nível cerebral, mas que ainda carece de melhor compreensão, nomeadamente se será causa ou consequência da doença.
Apesar de todo este conhecimento que vem sendo gerado, os avanços no tratamento têm sido mais limitados, dado que o caminho que vai desde a identificação de um alvo terapêutico até ao desenvolvimento de tratamento é longo e moroso. Não obstante, nos últimos anos surgiram fármacos que atuam de modo distinto da maioria dos antipsicóticos (que têm efeito terapêutico por ação nos recetores pós-sinápticos da dopamina e serotonina). Estes novos fármacos, para já só aprovados nos Estados Unidos, atuam não só nos recetores pós-sinápticos mas também nos recetores pré-sinápticos da dopamina (como é o caso da lumateperona) ou noutro tipo de recetores como é o caso do ulotaront, um agonista dos recetores Trace Amine-Associated Receptor, que são responsáveis por regular a libertação da dopamina. Mais recentemente a F.D.A aprovou a xanomelina, que atua nos recetores da acetilcolina. Estão também em curso, ensaios clínicos com fármacos já usados para tratar outras doenças que, pelo potencial anti-inflamatório, poderão ter eficácia na esquizofrenia, como é o caso do natalizumab, usado atualmente para tratar a esclerose múltipla..
As pessoas que sofrem de doenças mentais são frequentemente encaradas com uma série de estereótipos negativosQue tratamentos tiveram uma evolução significativa na redução dos efeitos secundários da doença?
No que diz respeito aos tratamentos farmacológicos, houve um progresso significativo desde a descoberta dos primeiros fármacos antipsicóticos (de primeira geração, antagonista dos receptores da dopamina) em meados do século XX que, apesar de tratarem os sintomas psicóticos, provocavam muitos efeitos secundários a nível motor e deixavam as pessoas sedadas, apáticas e até com efeitos semelhantes à doença de Parkinson, agravando assim os sintomas negativos e cognitivos provocados pela doença. Mais tarde, no final do século XX, surgiram os antipsicóticos de segunda geração (antagonistas dos recetores da dopamina e serotonina), os quais, pelo seu mecanismo de ação, tratam os sintomas psicóticos sem provocar os efeitos secundários dos fármacos de primeira geração e têm já apresentam algum benefício a nível dos sintomas negativos e cognitivos. Com estes fármacos, foi possível passar de um paradigma tratamento em que objetivo era apenas o tratamento de sintomas psicóticos, para um paradigma de funcionalidade, em que se pretende que as pessoas com a doença possam recuperar uma vida o mais normal possível.
Já no século XXI, passaram a fazer parte do arsenal terapêutico disponível, os antipsicóticos agonistas parciais da dopamina (também chamados de terceira geração) que mantendo as propriedades terapêuticas dos fármacos de segunda geração, apresentam um mecanismo de ação mais fisiológico, com maior eficácia nos sintomas negativos, cognitivos e afetivos e com um perfil de efeitos secundários ainda mais vantajoso, nomeadamente a nível metabólico (peso) e endócrino (função sexual). Com a disponibilização de formulações injetáveis de longa duração foi também possível reduzir as recaídas e assim diminuir a deterioração e melhorar a funcionalidade. Em relação aos tratamentos não farmacológicos, intervenções como a remediação cognitiva dirigida à diminuição dos sintomas cognitivos, o treino de competências sociais visando a melhoria no desempenho de papeis sociais, o treino de readaptação funcional, o treino vocacional e o emprego protegido, permitem incrementar de modo mais significativo a funcionalidade dos doentes.
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Ainda persistem o estigma e os preconceitos associados às doenças mentais?
Sem dúvida que ao falar-se de doença mental não podemos ignorar um elemento que funciona como uma 'segunda doença': o estigma. As pessoas que sofrem de doenças mentais são frequentemente encaradas com uma série de estereótipos negativos, como, por exemplo, serem vistas como fracas, preguiçosas, pouco empáticas ou até mesmo perigosas. Isto resulta não apenas em discriminação estrutural, como falta de acesso a emprego, habitação ou cuidados de saúde, mas também em sentimentos de desvalorização por parte dos doentes, com consequências a vários níveis, nomeadamente na procura de ajuda e adesão ao plano terapêutico.
Apesar de um aumento das campanhas anti-estigma nas últimas décadas e de a população, de uma forma geral, ser mais literada em saúde mental, aquilo que os estudos reportam é que, contrariamente ao esperado, as crenças negativas acerca desses doentes, como a de que doentes com psicose são perigosos, têm aumentado desde os anos 90 do século passado até à atualidade. Uma das causas identificadas é o facto de a comunicação social e fontes de entretenimento como séries e cinema exibirem uma visão muitas vezes errada das pessoas com doença mental, onde são referidas como 'loucas', impulsivas e perigosas.
A importância de se falar abertamente sobre doença mental nunca foi tão pertinente. Como tal, de que forma podemos promover uma maior aceitação sobre a esquizofrenia?
É fundamental que, nas atitudes do dia-a-dia, no campo da investigação e em campanhas sociais mais alargadas, continuemos a lutar contra o estigma e as suas drásticas consequências para quem vive com uma doença mental, designadamente uma doença como a esquizofrenia.
É possível sofrer de esquizofrenia e ter uma vida 'normal'?
Atualmente, com os tratamentos farmacológico e não farmacológicos disponíveis, é possível às pessoas com esquizofrenia terem uma vida com objetivos como qualquer outra pessoa, apesar da doença que os afeta. É este objetivo de 'recovery' que deve nortear todo o tratamento. No entanto, para tal se concretizar também é fundamental que haja um financiamento adequado para a saúde mental que permita que as pessoas com esquizofrenia possam beneficiar de tratamentos que abordem a doença em todas as suas dimensões.
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