Violência no namoro. Como saber se sou vítima e o que fazer?
Na data em que se comemora o Dia dos Namorados, a 14 de fevereiro, a psicóloga Teresa Feijão apela para que quer as vítimas, quer as pessoas que lhes são próximas, estejam atentas a sinais de violência.
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Lifestyle Entrevista
Só no ano passado a Polícia de Segurança Pública (PSP) registou 2.109 queixas de violência no namoro. O fenómeno atinge casais de todas as gerações. Não escolhe classes sociais, nem situações económicas, e é, muitas vezes, o início de uma espiral de sofrimento, ciúme exacerbado, sentimento de posse, ameaças, perseguição e até mesmo de agressividade. Frases como 'se não és meu não serás de mais ninguém' são repetidas até à exaustão.
As denúncias registadas pela PSP dispararam 10% em cinco anos. Dados desta força de segurança mostram que, entre 2018 e 2022, a PSP recebeu mais de 10.480 queixas. A maioria das vítimas são mulheres. Ainda assim, no ano passado verificou-se uma descida dos números face a 2021, ano em que a violência no namoro motivou 2.215 denúncias.
No entanto, para a psicóloga Teresa Feijão este decréscimo de queixas reflete a falta de reconhecimento de situações de abuso e a desvalorização de comportamentos tóxicos. "Muitas vezes nem há violência física, mas atitudes de controlo, humilhações e manipulação que têm vindo a ser 'normalizadas' e entendidas como sendo manifestações de preocupação e sinais de amor. Daí as queixas não serem feitas", adverte em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
Os jovens de hoje apresentam problemas de relacionamento diferentes dos das gerações anteriores?
Sim. Os relacionamentos amorosos atuais têm, em geral, menor durabilidade, há menos tolerância aos conflitos, menos paciência e mais impulsividade. Há ainda a ideia de que nada dura para sempre e a rapidez com que os jovens estabelecem vínculos afetivos é proporcional ao tempo que levam a rompê-los.
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Atualmente, os jovens têm facilitada a satisfação mais imediata dos seus desejos - conhecer e falar facilmente com pessoas nas redes sociais é um exemplo -, não se preocupando tanto em infringir padrões tradicionais e valores como a lealdade e a fidelidade. Esse facilitismo, impulsividade e foco num prazer mais imediato associa-se a uma rápida e curta ilusão da pessoa e relação perfeita, mas com o passar do tempo, essas expetativas são muitas vezes frustradas e a relação, que foi iniciada por atração sexual e comportamento impulsivo, tende a acabar. Essa frustração e menos tolerância a esse sentimento, mais facilmente leva a discussões, divergências e conflitos. E nesses problemas incluem-se falta de respeito, traição, desconfiança, ciúmes exagerados, resistência a muito investimento em apenas uma relação, priorização da vida profissional/académica e desrespeito da individualidade do parceiro.
Muitas vezes nem há violência física, mas atitudes de controlo, humilhações e manipulação que têm vindo a ser 'normalizadas'
Considera que é necessária uma intervenção cada vez mais precoce, mesmo com crianças?
As crianças devem ser educadas para, mais tarde, terem a noção do que é e não é o amor numa relação afetiva. Devemos levá-las a perceber que não há nada perfeito, que em todos os relacionamentos há altos e baixos, mas transmitir-lhes pontos essenciais para relações equilibradas, saudáveis e mais duradouras. Nomeadamente, saberem que uma relação vai muito além de algo apenas físico, que amor significa respeito, carinho, consentimento e limites (nos mais pequenos, estes conceitos podem ser ensinados através do uso dos seus brinquedos, por exemplo) e que aquilo que os filmes, livros e revistos nos transmitem não é, na maioria das vezes, uma caracterização real do amor. E, acima de tudo, devemos educá-las pelo exemplo.
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Houve 2.019 denúncias por violência no namoro em 2022. Embora seja um número bastante expressivo, é inferior ao do ano anterior. Isso é uma boa notícia?
Não acho que seja. Considero que essa descida revela uma perceção do comportamento violento como 'normal'. Acontece que muitas vezes nem há violência física, mas atitudes de controlo, humilhações e manipulação que têm vindo a ser 'normalizadas' e entendidas como sendo manifestações de preocupação e sinais de amor. Daí as queixas não serem feitas.
Violência no namoro e violência doméstica são fenómenos parecidos? Um pode resvalar para o outro?
Sim. A violência no namoro envolve características do agressor e atitudes do mesmo que podem ser perpetuadas no futuro, conduzindo e facilitando o mesmo tipo de padrão comportamental num casamento/união de facto, com a agravante de partilharem a mesma casa e de poderem haver filhos envolvidos. Ambos são considerados crimes públicos. É violência. Ponto.
A violência física pode existir, mas predomina a violência psicológica, social e sexual. E, assim sendo, caso se excluam os casos em que acontece publicamente, facilmente pode ser encoberta
Como pode alguém saber se é vítima de violência no namoro? Quais as chamadas 'red flags' [bandeiras vermelhas em português]?
São sinais a existência e frequência de insultos, ameaças, humilhações, controlo (com quem o outro pode falar/contactar; proibições e imposições quanto à forma de vestir e maquilhar), manipulação, desprezo, diminuição do outro (violência psicológica). No campo da violência social entram as humilhações e ofensas em público, exposição não consentida ou ameaças de através das redes sociais. Depois, existem as agressões físicas. Murros, pontapés, bofetadas... E a violência sexual, que inclui forçar carícias e atos sexuais e exposição de situações (fotos íntimas, vídeos íntimos) nas redes sociais.
De que forma se pode apresentar essa violência? Pode ser dissimulada?
A violência física pode existir, mas predomina a violência psicológica, social e sexual. E, assim sendo, caso se excluam os casos em que acontece publicamente, facilmente pode ser encoberta. E até a própria vítima muitas vezes as recebe como um sinal de amor (“ele faz isto porque gosta muito de mim e me quer proteger, tem ciúmes porque gosta de mim.”) É muito difícil um jovem admitir que aquela pessoa de quem gosta e com quem namora lhe quer mal ou fazer mal.
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O que deve a vítima fazer se for esse o caso?
A questão passa sempre por uma maior sensibilização social para estas situações e comportamentos associados. No que se refere às vítimas, saberem que há cada vez mais formas de se protegerem e entidades com quem podem contar e denunciar, como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e a Polícia Judiciária. Devem também estar atentas às tais 'red flags', estabelecer limites desde o início, respeitarem-se e fazerem-se respeitar, procurar apoio junto de um adulto de confiança para partilharem estas situações ou recorrer a apoio psicológico para reforçarem a autoestima e coragem para denunciarem a violência e, assim, terminarem a relação.
E o que podem fazer a família e amigos para ajudarem?
Estarem atentos às relações dos seus filhos ou amigos, em casa deve existir um reforço acerca do que é importante para uma relação afetiva saudável e prazerosa (de preferência, dar o exemplo), promover valores como o respeito, a liberdade individual e a definição de limites e prestar atenção a eventuais sinais/comportamentos, como tristeza, irritabilidade, medos, ansiedade, isolamento, baixa autoestima, insónias, dificuldades de aprendizagem e desmotivação. Deve-se também apelar à partilha e incentivar a denunciar ou tomar a iniciativa perante certezas.
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Serviços telefónicos de apoio em Portugal
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (entre as oito e as 22 horas em dias utéis) - 116 006 (número gratuito) - 213 587 900
Linha Telefónica de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (24 horas por dia, sete dias por semana) - 800 202 148 (número gratuito)
Aconselhamento psicológico no SNS 24 (24 horas por dia, sete dias por semana) - 808 242 424 (número gratuito)
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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