Já pensou como seria se sentisse que está a subir o monte Evereste todos os dias, enquanto a sua caixa torácica grita por socorro? A asma é uma das doenças crónicas mais comuns em todo o mundo, sobretudo na idade pediátrica. Em Portugal, existem cerca de 700 mil casos diagnosticados de asma, uma patologia sem cura, mas que pode ser controlada e tratada.
Por cá, o grande desafio é o elevado número de doentes asmáticos que não têm o diagnóstico ou que não estão a fazer a medicação adequada. "Cerca de 300 mil [portugueses] ainda precisam de procurar ajuda médica", revela a médica imunoalergologista Mara Fernandes, do Hospital Dr. Nélio Mendonça, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a propósito do Dia Mundial da Asma, que se assinala esta terça-feira, 2 de março.
© Mara Fernandes
Estima-se ainda que 20 a 30 mil portugueses sofram de asma grave. "As pessoas com asma grave convivem com sintomas persistentes e debilitantes a nível respiratório que podem levar a danos pulmonares irreversíveis a longo prazo se não forem tratados adequadamente", alerta a médica.
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O que é a asma? Por que é que acontece e que fatores podem desencadear a doença?
A asma é uma doença inflamatória crónica dos brônquios que se inicia, habitualmente, na infância, mas que pode surgir em qualquer idade. O nosso aparelho respiratório está constantemente exposto a agentes irritantes sejam eles bactérias, vírus, poeiras, poluição e alergénios. O doente asmático responde de uma forma exagerada a estes agressores. É o sistema imunitário que, através da ativação celular, irá conduzir à libertação de muitas substâncias que produzem inflamação. Esta inflamação (inflamação tipo 2) leva à formação de edema da mucosa da árvore brônquica, ao aumento da produção de muco e à constrição do músculo liso dos brônquios. São estes mecanismos que diminuem o tamanho dos brônquios, particularmente quando o doente expira e tenta libertar o ar dos pulmões, causando os sintomas da doença.
Em Portugal, sabe-se que apenas cerca de 57% dos indivíduos têm a sua doença controlada, ou seja, cerca de 300 mil ainda precisam de procurar ajuda médica
Qual a diferença entre alergia e asma?
A alergia e a asma ocorrem frequentemente em simultâneo. Pessoas com rinite ou sinusite alérgica, eczema atópico, alergia alimentar ou com história familiar de asma estão em maior risco de desenvolver a doença. No entanto, dentro da própria patologia, podemos considerar dois tipos de asma: alérgica e a não alérgica, também conhecidas, respetivamente, como extrínseca e intrínseca. A principal diferença entre cada uma consiste na fonte que desencadeia o problema. No caso da asma alérgica, mais frequente em crianças, surge após exposição a um alergénio (pó, pólenes e epitélios de animais) e, no caso da asma não alérgica, mais frequente em adultos, advém do exercício, stress, ansiedade, ar frio ou seco, bem como da obesidade. Para ambos os casos, a doença deve ser encarada e tratada com seriedade, pois nem sempre é uma questão simples. O mais importante, independentemente do tipo de asma, é que esta esteja controlada.
Qual a prevalência da doença no mundo e em Portugal?
É uma das doenças crónicas mais frequentes. Afeta 300 milhões de pessoas em todo o mundo, de todas as idades e ambos os géneros, e é um grave problema de saúde pública. A sua prevalência e impacto estão a aumentar, sobretudo nas áreas urbanas, provavelmente devido a alterações ambientais, poluição e estilo de vida. Estima-se que, em 2025, a asma seja a doença crónica mais prevalente na infância e uma das maiores causas de encargos em saúde. Em Portugal, esta doença afeta cerca de 700 mil pessoas (7% da população), sendo estimado que 20 a 30 mil portugueses sofram de asma grave. Através do Inquérito Nacional sobre o Controlo da Asma em Portugal, sabe-se que apenas cerca de 57% dos indivíduos têm a sua doença controlada, ou seja, cerca de 300 mil ainda precisam de procurar ajuda médica.
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Que sintomas provoca?
Os sintomas mais frequentes incluem tosse, pieira, falta de ar, aperto no peito, geralmente associado ao esforço físico, cansaço e dificuldade em realizar as atividades diárias. Estes podem ser ocasionais ou mantidos ao longo do ano, podendo variar de ligeiros a graves.
Quais os impactos da asma na qualidade de vida dos doentes?
A asma pode ser limitativa, pois pode impedir o doente de realizar atividades comuns do seu dia a dia, como subir escadas e fazer caminhadas, e desencadear sintomas como tosse persistente, que levam muitas vezes ao isolamento social e ao absentismo profissional.
Como é que um doente deve reagir perante uma crise asmática?
Uma crise de asma pode ser assustadora, tanto para o doente como para quem está próximo. Mesmo quando relativamente leves, os sintomas provocam ansiedade e preocupação. Para evitar crises, os doentes devem evitar substâncias e fatores que possam desencadear a asma e utilizar medicamentos que ajudam a manter as vias aéreas abertas e reduzem a inflamação brônquica. Durante uma crise de asma, os doentes devem recorrer a medicamentos que abram as vias aéreas rapidamente. Devem ter sempre consigo este tipo de medicação.
A prática de exercício físico é segura para estas pessoas?
Os doentes com asma, se estiverem controlados, podem fazer as suas atividades desportivas, sem qualquer limitação. O tratamento adequado é fundamental para uma melhoria da qualidade de vida.
As principais dificuldades no controlo da asma são a inadequada adesão ao tratamento regular e à incorreta utilização dos dispositivos inalatórios
O fumo do tabaco é prejudicial para os asmáticos?
Nos doentes asmáticos que já apresentam inflamação nas vias aéreas, o fumo do tabaco faz agravar o quadro, uma vez que também condiciona inflamação e broncoconstrição/estreitamento das mesmas. Alguns estudos têm também demonstrado que o vaping (cigarros eletrónicos) não é mais seguro para os doentes com asma.
Nas crianças, quando é que podemos começar a falar de asma?
Nos primeiros anos de vida, uma elevada proporção de crianças apresenta sintomas respiratórios que, muitas vezes, são incorretamente rotulados como asma. Porém, a definição de asma infantil pressupõe a ocorrência de três ou mais episódios de tosse por ano, sem infeção associada e, sobretudo, se esta se acompanha de pieira e dificuldade respiratória, e que melhora com a medicação broncodilatadora.
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Como é feito o diagnóstico?
Nestas idades mais jovens, o diagnóstico é essencialmente clínico e raramente necessita de outros exames para o comprovar. Nos jovens, a realização de espirometria é útil para classificar a gravidade da asma e a eficácia da terapêutica.
A asma tem cura?
É uma doença crónica sem cura, mas que pode ser controlada. Todos os doentes asmáticos podem ter uma vida sem limitações.
E é possível preveni-la?
É uma patologia que, na maioria dos casos, não se pode prevenir. No entanto, é possível controlá-la em mais de 90% dos casos.
Quais os tratamentos atualmente disponíveis?
A inflamação do tipo 2 está presente em 50-70% das pessoas com asma e reduzir esta inflamação pode ajudar a controlar os sintomas. Existem tratamentos farmacológicos e não farmacológicos que nos auxiliam no tratamento da doença. As principais dificuldades no controlo da asma são a inadequada adesão ao tratamento regular e à incorreta utilização dos dispositivos inalatórios. A realização de testes para investigação de alergia, seguidos de um plano de tratamento adequado, são recomendados para um melhor controlo da doença.
Uma asma não controlada leva a perda de função pulmonar
Quais os perigos desta condição, sobretudo se não for tratada adequadamente?
As pessoas com asma grave convivem com sintomas persistentes e debilitantes a nível respiratório que podem levar a danos pulmonares irreversíveis a longo prazo se não forem tratados adequadamente. A constante inflamação pulmonar pode conduzir a alterações permanentes no funcionamento dos pulmões, tosse persistente, dificuldade respiratória com necessidade de suporte ventilatório, internamentos por agudização da doença, e em casos mais graves, pode ter um desfecho fatal.
Na prática, o que acontece quando o doente não tem a asma controlada?
Uma asma não controlada leva a perda de função pulmonar que irá condicionar dificuldade respiratória persistente e limitativa para o doente. Os doentes com asma grave são um subgrupo que permanece sintomático, apesar da medicação em altas doses, ou que necessitam de medicação em doses elevadas para estarem controlados. Apesar de serem uma minoria, estes doentes referem que a sua asma tem um grande impacto no seu dia a dia, sendo responsável pela maioria dos internamentos, consultas de urgências e absentismo escolar e laboral, tendo ainda um elevado consumo de recursos de saúde.
Que mitos importa esclarecer sobre a asma?
Não se devem desvalorizar sintomas respiratórios ligeiros, nem existem sintomas habituais. É importante controlar as crises, mas mais importante é também controlar as queixas que são persistentes ou recorrentes e que afetam o dia a dia. O doente asmático pode e deve conseguir fazer a sua atividade sem qualquer restrição. Para atingir este controlo é fundamental procurar ajuda adequada e uma correta adesão à terapêutica, sem receios e ignorando os mitos de que a terapêutica inalatória ou de controle da doença é prejudicial para a restante saúde.
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