A 7 de outubro de 2023 fomos todos confrontados com a mesma notícia: no dia em que se assinalava o Simchat Torah, um feriado judeu, dava-se o ataque surpresa do Hamas contra Israel. Desde então, vive-se um clima de grande apreensão e se a palavra guerra já pairava desde fevereiro de 2022, quando começou o conflito na Ucrânia, mais nas bocas do mundo passou a estar de há duas semanas a esta parte. O assunto faz manchetes em praticamente todos os jornais, ocupa o espaço informativo das televisões e inunda as redes sociais, suscitando inúmeras 'perguntas de um milhão' em crianças. Enquanto isso, pais e educadores interrogam-se: 'Será melhor desviar o assunto ou dizer a verdade?'.
Para a psicóloga Teresa Feijão, falar sobre a guerra com as crianças é difícil, mas "inevitável". "Estes temas tão difíceis e pesados como são os das guerras não devem ser ignorados, uma vez que pode dar uma perceção de que o desconforto que a criança sente é vivenciado apenas por ela e não partilhado pelos adultos. Se queremos educar para o exercício de uma cidadania ativa, é importante não esconder das crianças a realidade, ainda que esta possa ser muito dura", explica a especialista ao Lifestyle ao Minuto.
Ainda assim, tudo depende da criança que temos à frente. "O tema não deve ser forçado quando a criança não demonstra essa necessidade. Acima de tudo, é importante existir abertura e disponibilidade dos pais para conversar sobre o assunto com a criança, da forma que ela entender e precisar."
© Teresa Feijão
Por outro lado, devemos adequar a informação e linguagem à idade, "sempre transmitindo tranquilidade e confiança". "Abaixo dos cinco/seis, as crianças têm pouca consciência do que significa a guerra, ao contrário do que aconteceu na pandemia, que afetou diretamente as suas vidas quotidianas. E, sendo crianças muito pequenas, que não têm verdadeiramente consciência do que se passa, não é adequado que sejam os pais a falar ativamente do tema e a dar a informação que elas próprias podem nem sequer apreender", refere Teresa Feijão, frisando que "as crianças mais pequenas devem ser protegidas, sendo de evitar a exposição a notícias e conversas sobre a guerra".
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"A partir da idade escolar, em que as crianças já podem aceder a informação até por influência da escola e a partir dos movimentos de solidariedade que aí têm sido gerados, é muito importante que as famílias consigam criar um espaço de diálogo sobre este assunto. Até porque elas podem ter necessidade de conversar e esclarecer alguns anseios", considera. Dito isto, há várias formas de fazê-lo, desde logo começando por "lembrar que já existiram várias guerras e que, infelizmente, o homem, de tempos a tempos, cai no mesmo erro por ganância e falta de diálogo", aconselha a psicóloga.
É essencial não fugir às perguntas. "Deve dar-se espaço para que a criança faça perguntas e expresse aquilo que sente, partilhando os seus medos e preocupações. Os mais novos podem mesmo desenhar ou jogar algo que represente a guerra, o que não tem de ser necessariamente preocupante." Os pais, continua Teresa Feijão, "devem focar-se na tranquilização e na transmissão de sensações que reforcem a ideia de que os filhos, os amigos e familiares próximos, estão seguros", isto "porque, por vezes, esta sensação de proximidade que as notícias nos trazem, pode levar as crianças e os jovens a acreditar que a guerra está muito próxima e que as pessoas de quem gostam estão em perigo".
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O principal conselho para os pais?
No entender da especialista, proteger as crianças da avalanche informativa também deve ser uma prioridade. "A vida familiar tem de ser protegida, em prol da saúde mental das crianças", defende. É também muito importante, sobretudo para pais de adolescentes, "estarem atentos ao tipo de desinformação ou de informação bizarra e falsa a que eles hoje têm facilmente acesso nas redes sociais, onde são totalmente autónomos. Os pais devem orientá-los para fontes de informação fidedignas."
"Há que aproveitar este episódio para sensibilizar e educar para a não violência, ajudando as crianças a interiorizar a ideia de que os conflitos podem ser resolvidos pacificamente e que, apenas dessa forma, poderemos todos transformar uma crise numa oportunidade de aprendizagem e crescimento. As crianças devem ainda ser ajudadas a aplicar esta lógica de pensamento às situações da sua vida quotidiana, quer seja em casa, na escola ou com os amigos", remata.
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