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"A maioria das vítimas não entende que está numa relação tóxica"

No recente livro que lançou, 'Não é Amor, É Uma Relação Tóxica', a psicóloga clínica Diana Cruz pretende identificar este tipo de relação e ainda dar formas de acabar com esta toxicidade. O Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com a autora.

"A maioria das vítimas não entende que está numa relação tóxica"
Notícias ao Minuto

08:30 - 20/11/23 por Adriano Guerreiro

Lifestyle Entrevista

Uma relação tóxica começa como muitas outras. Tudo é perfeito e um verdadeiro 'conto de fadas'. A verdade é que já no início é possível perceber que as coisas não vão ser bem assim. "Na fase de sedução, o parceiro tóxico 'bombeia' amor na relação fazendo com que esta relação pareça de almas gémeas", explica em entrevista Lifestyle ao Minuto a psicóloga clínica Diana Cruz.

Autora do livro 'Não é Amor, É Uma Relação Tóxica', editado pela Manuscrito, Diana Cruz fala precisamente deste tipo de relacionamentos. Na obra dá muita atenção às vítimas destas relações, que muitas vezes não percebem com o que estão a lidar.

"A maioria das vítimas não entende que está numa relação tóxica. Pelo contrário, interpretam que se o parceiro deixou de ser tão amoroso e perfeito é porque elas, as vítimas, fizeram alguma coisa mal que os magoou", continua.

A psicóloga clínica fala ainda de como é possível identificar estes casos, de como as mulheres são a maioria das vítimas, mas de como também existem homens na mesma situação. 

Notícias ao Minuto Diana Cruz é psicóloga clínica e autora deste livro© Daniela Ventura  

Como surgiu a ideia de lançar este livro?

Na minha carreira clínica e na minha vida pessoal, fui notando que cada vez mais pessoas sofriam com relações que não as faziam sentir verdadeiramente amadas ou em que não sentiam que houvesse espaço para si. Sobretudo no 'setting' terapêutico, fui sentindo que existiam muitas pessoas, essencialmente mulheres, que sofriam em silêncio, por confusão e vergonha, por relacionamentos dos quais não se conseguiam libertar.

Existe pouco ou nenhum lugar à reciprocidade e ao respeito pelo parceiro 

Como podemos definir uma relação tóxica?

As relações tóxicas são relações em que, fundamentalmente, não existe empatia de um dos parceiros pelo outro, o que faz com que o primeiro tenda a instrumentalizar o segundo. Ou seja, existe apenas espaço para um. A relação baseia-se na satisfação das necessidades do parceiro tóxico, enquanto a vítima deste relacionamento tem a função de corresponder às necessidades dele e de as resolver. Existe pouco ou nenhum lugar à reciprocidade e ao respeito pelo parceiro que é vítima nesta relação tóxica.

Existem pessoas que estão numa relação deste género e não a conseguem ver?

Sim, claro. Sobretudo na etapa inicial da relação dedicada à sedução. O parceiro tóxico fala sempre 'em nome do amor', apesar destas relações serem bastante prejudiciais para as vítimas. Na fase de sedução, o parceiro tóxico 'bombeia' amor na relação fazendo com que esta relação pareça de almas gémeas. Ele elogia grandemente as caraterísticas da parceira, ou parceiro, mas como tenho vindo a explicar, são mais as mulheres que são vítimas destas relações, organiza o seu tempo em função dela, esforça-se por a agradar e, no fundo, mimetiza os seus gostos e interesses, ou seja, ele assume como seus os gostos e interesses da parceira para que o processo de identificação e criação de vínculo sejam mais eficazes e intensos. Nunca faltam gestos de afeto, por vezes, um pouco exagerados, e palavras de admiração. Por esse motivo, é muito difícil de perceber que se está a iniciar uma relação tóxica, pelo contrário, parece que estamos a iniciar uma relação absolutamente perfeita. Lembrem-se, por favor: perfeição não existe e, muito menos, ao nível das relações íntimas.

Perceber que está numa relação tóxica é o primeiro passo para a resolução do problema?

Estas relações obedecem a padrões muito ambivalentes de interação. Depois da fase de sedução, quando a vítima já está muito apaixonada e vinculada, começam a surgir os comportamentos negativos, hostis e agressivos. Contudo, porque inicialmente, a relação parecia tão perfeita, a maioria das vítimas não entende que está numa relação tóxica. Pelo contrário, interpretam que se o parceiro deixou de ser tão amoroso e perfeito é porque elas, as vítimas, fizeram alguma coisa mal que os magoou. Perceber que estão a ser vítimas de manipulação e de terrorismo emocional é essencial para que entendam que, não só não têm culpa do que se passa, como têm que se afastar deste padrão de relacionamento e de parceiro.

Notícias ao Minuto O livro foi editado pela Manuscrito© Manuscrito  

Quais são os primeiros sinais a que uma pessoa deve estar atenta?

Se tudo parece perfeito, se parecem almas gémeas, se o parceiro gosta de tudo o que você gosta, algo pode não estar bem. Ninguém é assim tão compatível, o amor dá trabalho, não se trata de duas peças de encaixe perfeito. Outros sinais de alarme surgem mais à frente, como por exemplo, quando aumenta a crítica ao seu corpo, ao modo como se relaciona com os outros, ao seu trabalho e às suas conquistas. Frequentemente, o parceiro começa a criticar aspetos de si que anteriormente dizia apreciar muito. Outro sinal de alarme, a que julgo que é importante estar-se atento, é à expectativa que o parceiro tóxico tem de que a parceira tenha disponibilidade total para regular as suas emoções e estados de humor, como se a vítima tivesse a obrigação de tranquilizar, acalmar ou compensar o parceiro tóxico, em situações que só a este dizem respeito.

Quais são as principais consequências para quem vive numa relação tóxica?

As relações tóxicas podem ser altamente prejudiciais do ponto de vista físico e emocional. As consequências mais comuns são sintomas depressivos e de ansiedade, sobretudo no que respeita a estar com outras pessoas, alterações de comportamentos que não reconhece como seus, nomeadamente, reatividade exagerada, instabilidade emocional, dificuldade em confiar no seu próprio julgamento e indecisão. Vive permanentemente com medo, sobretudo do seu parceiro e sentimentos de culpa. Outras consequências, são o isolamento dos outros, a dificuldades em estabelecer ou manter novos relacionamentos de vários tipos, podendo mesmo evitar oportunidades de trabalho.

Existem algumas perguntas que uma pessoa pode fazer a si mesma para tentar perceber se está numa relação assim?

No livro proponho um exercício com várias questões que têm precisamente esse objetivo. Deixo duas a título de exemplo e se responder sim, aconselho vivamente a que abra o livro e responda ao questionário completo. Está surpreendida porque depois de parecer que tinha encontrado a sua alma gémea, tudo parece ter caído por terra? A comunicação é negativa e sente-se criticada com muita frequência?

Quando é que uma relação tóxica atinge o seu limite?

É muito difícil responder a esta questão pois há pessoas que ficam nestas relações por muito e variado tempo, desde meses a poucos anos, a muitos anos. Para a maioria das pessoas que tive oportunidade de conhecer, o limite foi realmente o do seu bem-estar. Muitas mulheres só procuraram ajuda quando sentiram que toda a sua vida estava descontrolada, ou seja, que se sentiam doentes psicologicamente, em sofrimentos, incapazes de trabalhar e de conviver com quem quer que seja. Para outras o limite é um acontecimento específico que as faz ver nitidamente aquilo que já estava a tornar-se claro, que o parceiro não muda, mesmo que lhe seja pedido ou que a relação esteja numa situação-limite.

Refere que é um livro “escrito por uma mulher para mulheres”. Este tipo de relação acaba por ter maioritariamente a mulher como vítima?

Sim, na maioria dos casos são as mulheres quem mais sofre pelo relacionamento com parceiros tóxico, pois são mais habitualmente orientadas para os relacionamentos, e mais reveladoras de empatia e tendência para querer ajudar ou mesmo ’salva’ o outro. É mais comum serem os homens a revelarem características mais egocentradas e potencialmente tóxicas. Mas que fique claro: existem ambos os casos, e ambos os casos devem ser encarados e tratados com a sensibilidade que a situação exige.

Não é uma questão de identificação de género. É uma questão de pessoas com características muito autocentradas

Pode também ser o oposto, o homem do outro lado?

São menos os homens que são vítimas do tipo de relacionamento que descrevo neste livro mas, quando acontece, é igualmente devastador e prejudicial para o bem-estar geral. Tenho ajudado vários homens que foram vítimas deste tipo de relacionamentos com parceiros do mesmo sexo ou parceiras mulheres e o ciclo de relação, os sinais de alarme e o impacto destas relações é, basicamente o mesmo que descrevo no livro. Tenho assistido a histórias de verdadeiro sofrimento.

E no caso de uma relação homossexual, também é possível?

Claro que sim. Não é uma questão de identificação de género. É uma questão de pessoas com características muito autocentradas em relação com outras, por vezes, muito ‘heterocentradas’.

Uma pessoa pode acabar por sentir-se culpada desta relação, ao ponto de achar que é muitas vezes a causa do parceiro ser assim?

Da minha experiência, o que posso referir é que a culpabilidade pelo facto de a relação se ter tornado numa relação tóxica, existe sim. A grande maioria das vítimas aceita a narrativa do parceiro tóxico quando ele as acusa de serem elas as causadoras do que se passa. Eles tornam-se as culpadas do seu próprio terrorismo emocional, da sua própria erosão de identidade. É preciso muito trabalho para que consigam compreender que não têm culpa e para que parem de tentar fazer com que a relação seja novamente um conto de fadas.

O livro pretende dar uma solução para acabar com este tipo de relação. É possível fazê-lo? Quais são os primeiros passos?

É possível acabar com este tipo de relações e, melhor do que isso, é possível aprender a identificar parceiros tóxicos e a ter relações mais saudáveis. Os primeiros passos passam sempre pela identificação da relação tóxica como tal e pelo empoderamento da vítima para que esta compreenda o que precisa de fortalecer em si para estar menos à mercê deste tipo de relacionamento e, posteriormente, libertar-se.

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Existe uma espécie de luto?

O luto é um processo emocional de gestão da perda, não é algo específico da morte. Nestes casos, é preciso fazer o luto da relação 'perfeita' que julgamos que íamos ter, do parceiro que não era como nos parecia, das expectativas e planos de futuro construídos para aquela relação. É também preciso fazer o luto da própria pessoa e de como ela se sente enganada nesta situação.

Que tipo de ajuda deve ser procurada?

As relações tóxicas podem ser realmente traumáticas e, com tal, muitas vezes, é necessária ajuda psicológica especializada, através da psicoterapia.

O apoio de amigos e família é fundamental?

Fundamental. Uma das características destas relações é o isolamento. Na maioria dos casos, a vítima deixa de conviver com familiares e amigos. Para que ela possa fortalecer-se, ter capacidade de olhar para o relacionamento tóxico com espírito crítico e interromper este padrão de relacionamento, é necessário muito suporte das pessoas significativas.

O amor não justifica tudo. Acima de tudo, se é amor não implica ir contra os nossos valores e crenças, ou mesmo necessidades e metas pessoais 

Uma pessoa pode nunca mais amar da mesma forma depois de uma relação deste género?

Esperemos que não pois isto 'não é amor'. Se o trabalho de recuperação e desenvolvimento for realizado rigorosamente, é possível viver relações saudáveis, gratificantes e de verdadeiro amor.

O amor justifica tudo, até uma relação tóxica?

Esse é precisamente o mito acerca do amor que torna as relações tóxicas tão reais e frequentes: o amor não justifica tudo. Acima de tudo, se é amor não implica ir contra os nossos valores e crenças, ou mesmo necessidades e metas pessoais.

Quando há filhos pelo meio, pode ser mais complicado querer pôr um fim à relação?

Os fins tornam-se mais difíceis quando existem filhos sobretudo porque não permitem uma rutura total, que é aquilo que mais beneficia a vítima, quando esta termina a relação e precisa de fazer a sua desintoxicação e recuperação.

É possível encontrar o amor depois de uma relação desde género?

Se o trabalho de desenvolvimento pessoal focado nas crenças sobre o amor e sobre o nosso lugar nos relacionamentos amorosos for bem realizado, é possível encontrar o verdadeiro amor.

Pode deixar marcas para sempre?

Pode sim, quanto mais não sejam aquelas que ficam da aprendizagem do que é uma relação tóxica, um parceiro narcisista e todo o sofrimento em torno de um ‘suposto’ amor que não o é.

É possível voltar a conviver com a tal pessoa depois de uma relação assim?

Não posso dizer que seja impossível, sobretudo, porque em alguns casos é necessário, veja-se no caso em que há filhos. Mas é conveniente que o convívio seja o menor possível e pode também ser necessária alguma psicoeducação para que a vítima consiga manter as suas expectativas e limites da relação, bem estabelecidos.

Uma pessoa tóxica pode acabar por mudar ao longo do tempo? 

Se estivermos a falar de pessoas verdadeiramente tóxicas, com padrões de personalidade verdadeiramente narcisistas, não. Nestes casos, a mudança é improvável por diversas razões, uma das quais, sendo o facto de que o parceiro tóxico não considera a necessidade da sua mudança. Se estivermos a falar de um comportamento tóxico isolado, que qualquer um de nós pode, na verdade, ter, então essa mudança será possível, se a pessoa em questão estiver motivada para essa transformação.

Leia Também: Cinco sinais de que está a (tentar) discutir com alguém narcisista

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