Há quem não consiga 'pregar olho', nem pense em mais nada. Outros roem as unhas, ficam mais irritadiços e perdem a confiança. Se identifica algum destes sintomas nos seus filhos, saiba o leitor que não devem ser descurados. A primeira fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior decorre até 5 de agosto e a pressão dos resultados escolares, acompanhada por um longo processo de espera pelas colocações, pode contribuir para um declínio da saúde mental dos jovens.
A ansiedade nesta fase é considerada comum - e um tema cada vez mais discutido por força da pandemia de Covid-19, que agravou um problema que já era prevalente. Os especialistas defendem que, até certo ponto, é uma resposta normal ao stress e surge como um mecanismo de defesa do próprio corpo. Torna-se preocupante quando "a ansiedade é frequente e excessiva", explica a psicóloga Teresa Feijão, membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses, ao Lifestyle ao Minuto.
Teresa Feijão, psicóloga e membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e Paulo Dias, neuropsicólogo das Clínicas Dr. Alberto Lopes, respetivamente.© Lifestyle ao Minuto
'Traídos' pela ansiedade
O neuropsicólogo Paulo Dias, também contactado pelo Lifestyle ao Minuto, corrobora: "A ansiedade torna-se preocupante quando o jovem começa a entrar numa espiral de pensamentos e sensações que podem resultar numa instabilidade emocional que começa a interferir de forma significativa na sua vida diária, gerando sofrimento e comprometendo o seu bem-estar geral".
Ainda assim, o especialista das Clínicas Dr. Alberto Lopes faz questão de frisar que, "em doses controladas, a ansiedade pode ser uma força motivadora que ajuda a melhorar os processos cognitivos para um melhor desempenho". "É fundamental reconhecer os limites de cada um e procurar ajuda quando necessário", diz.
Leia Também: 'Gostas mais da mãe ou do pai?'. Cuidado: Pode não gostar da resposta
De acordo com Paulo Dias, "uma ansiedade exacerbada nesta fase da vida dos jovens é, na maioria das vezes, um reflexo daquilo que acontece ao longo da sua vida". Ou seja, "já existe neste jovem um padrão de ansiedade."
Por outro lado, "não nos podemos esquecer que esta transição do ensino secundário para a universidade é um período de grandes mudanças e incertezas", aponta. "Esta fase, que antecipa a entrada na faculdade, é o culminar de todo o esforço e dedicação que [os jovens] tiveram nestes últimos anos escolares e a necessidade de alcançar médias de entrada [no ensino superior], a escolha da melhor faculdade, formalizar a candidatura e encontrar um lugar para residir são sempre motivos de stress e preocupação para muitos estudantes e os seus pais."
Conselhos para jovens, pais e professores
A ansiedade pode traduzir-se em sintomas psicológicos (dificuldades de concentração, falhas de memória, pensamentos negativos e irritabilidade) e físicos (dores de cabeça e de estômago, náuseas, tremores, sudorese excessiva, insónia, fadiga e aumento da frequência cardíaca).
Salientando que "o primeiro passo deve ser o reconhecimento de que algo não está bem", o neuropsicólogo Paulo Dias avisa que "viver essa ansiedade em silêncio pode ser devastador a longo prazo". "É importante os jovens aprenderem a expressar as suas preocupações e medos. Por isso, devem sentir que têm à sua volta uma rede de apoio estável, que os ouve sem julgamentos ou críticas, e que valoriza os seus sentimentos e preocupações", acrescenta.
Perante algum tipo de sintomatologia, "é importante ponderar apoio psicológico", defende Teresa Feijão, explicando que "práticas de autocuidado, como exercício físico regular, técnicas de relaxamento e uma boa alimentação, também podem ajudar a gerir a ansiedade".
Leia Também: Peso das mochilas escolares preocupa. Como cuidar das costas dos miúdos?
Para os pais, elenca estratégias como a promoção de hábitos saudáveis (alimentação equilibrada, sono adequado e exercício físico regular), apoio emocional "sem julgamento" e o reforço da "ideia de que o importante é fazer o melhor possível". "Os pais devem procurar ser uma referência de comportamento calmo. Se mostram ansiedade, os filhos tendem a imitar."
Quanto aos professores, também há medidas que podem ajudar, como dar "feedback construtivo" e mostrar abertura para o diálogo. Refere também que os docentes devem "estar atentos a sinais de ansiedade excessiva e, se necessário, aconselhar os alunos à procura de apoio psicológico".
A psicóloga entende ainda que o Ministério da Educação pode ter um "papel significativo", implementando políticas e programas que promovam o "bem-estar emocional e mental" nas escolas. Algumas das medidas propostas por Teresa Feijão passam por programas de formação contínua para professores em técnicas de gestão da ansiedade e bem-estar emocional dos alunos, a integração de conteúdos sobre saúde mental e competências socioemocionais no currículo escolar e a oferta de serviços de apoio psicológico.
Leia Também: O que fazer quando uma criança não quer ver o pai ou a mãe?
--
Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
Leia Também: Já ouviu falar de disfunções temporomandibulares? Afligem muitas crianças