Afinal, o que devemos dizer às crianças sobre o Pai Natal?

O tema está longe de ser consensual, mas a psicanalista Patrícia Câmara, membro da direção da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica, considera que a magia associada ao Pai Natal é importante para o desenvolvimento das crianças.

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Ana Rita Rebelo
24/12/2024 08:04 ‧ ontem por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

Com a chegada do Natal, instala-se a dúvida e muitos são os pais que dão por si a questionar-se se é saudável que os filhos acreditem na figura do velhote barrigudo, de fato vermelho e barbas brancas, que anda a viajar mundo fora de dia 24 para 25 de dezembro, ou se se devem preparar para contar a verdade e desfazer a fantasia.

 

Quanto a se acreditar no Pai Natal é positivo ou negativo, a psicanalista Patrícia Câmara começa por defender, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que "alimentar o sonho e a magia não é o mesmo que dizer que é bom mentir". "Num determinado período do desenvolvimento, temos muitas vezes ursos de peluche ou outros objetos que nos ligam às pessoas mais importantes para ajudar a suportar a ausência delas. A pouco e pouco, vamos deixando ficar o urso de peluche, sem nos darmos praticamente conta disso, mas fica em nós a memória dessa companhia e é a ela que recorremos muitas vezes, mesmo sem sabermos, para amaciar e amansar momentos mais difíceis. O mesmo se passa com o Pai Natal", resume a especialista, membro da direção da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica.

Notícias ao Minuto Patrícia Câmara, psicanalista e membro da direção da Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica© Patrícia Câmara

Começo por fazer-lhe aquela pergunta para um milhão de euros. Devem os pais contar a verdade sobre o Pai Natal às crianças ou esta é uma 'mentira boa'?

A meu ver, a mentira é um outro lugar muito diferente, talvez até mesmo a antítese, da magia de se acreditar em algo que transmite e representa amor e humanidade. Há uma noite por ano em que o espaço entre todos pode ser percorrido pela ideia de alguém que distribui presença, reconhecendo desejos, sem pedir nada em troca, e que se alegra profundamente pelo prazer que encontra no olhar do outro que recebe. 

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É isso que devemos dizer?

Sim. A magia é uma ideia comungada, não uma realidade concreta. Só porque não vemos o Pai Natal, não quer dizer que não o sintamos. Em todos os momentos em que acreditamos que é possível haver alguém que pensa em nós e nos escuta e, que, como num sonho, não vemos, mas sabemos que passou por lá e deixou um rasto de reconhecimento, acreditamos no Pai Natal. Em todos os momentos que sentimos o prazer autêntico da partilha somos nós o Pai Natal. É isto que de alguma forma podemos ir transmitindo às crianças.

Ao alimentarmos esta fantasia, não estamos a transmitir às crianças que é bom mentir?

Alimentar o sonho e a magia não é o mesmo que dizer que é bom mentir. Pelo contrário, é dizer que é bom acreditar no amor entre as pessoas. As crianças precisam do mundo simbólico e das fantasias do sonho para irem a pouco e pouco guardando dentro de si a presença dos outros e dos momentos aconchegantes. Num determinado período do desenvolvimento, temos muitas vezes ursos de peluche ou outros objetos que nos ligam às pessoas mais importantes para ajudar a suportar a ausência delas. A pouco e pouco, vamos deixando ficar o urso de peluche, sem nos darmos praticamente conta disso, mas fica em nós a memória dessa companhia e é a ela que recorremos muitas vezes, mesmo sem sabermos, para amaciar e amansar momentos mais difíceis. O mesmo se passa com o Pai Natal. 

As crianças não ficam tempo a mais a acreditar no Pai Natal. Às vezes, ficam é tempo a menos. Essa talvez devesse ser a nossa maior preocupação

Até que idade é saudável as crianças acreditarem no Pai Natal?

Poder-se-ia dizer que era importante que nunca deixássemos de acreditar na ideia do Pai Natal, mas, habitualmente por volta dos sete/oito anos, as crianças vão descobrindo que os presentes que recebem são dados pelos mães, pais, avós ou outros adultos, e vão integrando isso. Vão ouvindo e vendo pequenas coisas que são indícios dessa verdade que, de alguma forma mais inconsciente, sempre souberam. Não dizemos às crianças que o Pai Natal não existe. Dizemos às crianças que o Pai Natal são todos os pais, todas as mães, todos os adultos e todas as crianças que nunca deixaram de acreditar no Pai Natal.

Pode ser traumático? Há o risco da confiança nos pais sair abalada quando as crianças descobrem a verdade?

De maneira nenhuma. Serem os nossos pais e mães ou outros adultos a personificação do Pai Natal não é uma descoberta má. É uma confirmação de humanidade e uma nova etapa no desenvolvimento em que passamos também nós a ser responsáveis por manter a magia de forma mais consciente. Perder a magia da criança que há em nós é que é o verdadeiro perigo. Crescer e ser adulto não significa viver numa realidade sem sonho.

Que reações é que os pais podem esperar durante a transição do 'sonho' à realidade?

Quando as crianças se apercebem que são as pessoas que dão presentes umas às outras têm reações diversas, mas normalmente são de confirmação e não de tristeza. A maneira certa de responder à questão de 'porque é que não me disseste' ou  'mentiste-me' será sempre dizer que não é verdade que se tenha mentido ou muito menos pedir desculpa por isso.

E se a criança continuar a acreditar no Pai Natal para lá do tempo suposto? Isso tem implicações?

As crianças não ficam tempo a mais a acreditar no Pai Natal. Às vezes, ficam é tempo a menos. Essa talvez devesse ser a nossa maior preocupação. Por circunstâncias múltiplas da vida, há crianças para quem a ideia do Pai Natal é muito distante ou até praticamente inexistente. Mas, nos casos mínimos em que as crianças passaram a acreditar no Pai Natal como uma realidade concreta, quando o mundo à volta evidencia que se trata de uma metáfora, então, provavelmente, o problema já será de outra ordem e talvez não seja um sintoma isolado. Em todo o caso, há pequenos sinais que podemos acentuar nas conversas que vamos tendo para ir tornando mais visível que o Pai Natal somos nós. 

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