O ano começou com a notícia de um militar que fez explodir uma carrinha elétrica em frente a um hotel de Donald Trump, em Las Vegas, nos Estados Unidos. Mais tarde, a Agência Federal de Investigação (FBI) dos Estados Unidos viria a revelar que o autor da explosão, Matthew Livelsberger, sofria de transtorno de stress pós-traumático de combate.
É uma condição comum? O que está na sua origem? Pode afetar qualquer pessoa? Para a rubrica 'O Médico Explica', o Lifestyle ao Minuto falou com Catarina Lucas e esclareceu todas as dúvidas.
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O que é o stress pós-traumático?
É uma condição psicológica que pode ocorrer após a pessoa vivenciar ou testemunhar eventos traumáticos, como acidentes, violência, desastres naturais ou situações de guerra. Manifesta-se através de sintomas como reviver o trauma em pensamentos ou pesadelos, evitar situações ou lugares que lembrem o evento, alterações no humor e aumento da ansiedade ou irritabilidade. Também são comuns os sentimentos de culpa, a vergonha, o distanciamento emocional e a dificuldade em sentir prazer. Pode ainda causar dificuldade em dormir, sensação constante de estar em alerta e dificuldade de concentração. Trata-se uma resposta do corpo e da mente a uma experiência intensa e desafiadora. É importante procurar apoio psicológico para o tratamento e superação.
Não é o evento em si que determina o desenvolvimento de stress pós-traumático, mas a forma como é processado emocionalmente e as condições individuais de cada pessoa
© Catarina Lucas
Que tipo de situações podem despoletar esta condição?
Pode ser causado por eventos que a pessoa percepciona como extremamente ameaçadores ou aterrorizantes, onde ela ou outras pessoas estiveram em risco de morte, ferimentos graves ou violência. Exemplos comuns incluem acidentes graves, abusos físicos ou emocionais, assaltos, violações, desastres naturais, guerras, ou até mesmo situações de trabalho intenso em profissões de risco, como bombeiros e militares. Não é o evento em si que determina o desenvolvimento de stress pós-traumático, mas a forma como é processado emocionalmente e as condições individuais de cada pessoa.
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Pode afetar qualquer pessoa?
Sim, independentemente de idade, género ou contexto social, desde que tenha vivenciado ou testemunhado um evento traumático. No entanto, alguns fatores podem aumentar o risco, como histórico de traumas anteriores, predisposição genética, ausência de suporte emocional e presença de outros quadros psicológicos, como ansiedade ou depressão. Apesar disso, cada pessoa reage de maneira única ao trauma e nem todos aqueles que passam por eventos difíceis desenvolvem este quadro.
Eventos globais, como pandemias, guerras e desastres naturais, têm contribuído para o aumento de casos em diversas partes do mundo
É uma condição comum?
Estima-se que cerca de 3-4% da população mundial possa ser diagnosticada com stress pós-traumático em algum momento da vida, embora a prevalência varie dependendo do contexto. Em Portugal, também está presente, principalmente em pessoas que enfrentaram violência, acidentes, ou vivenciaram traumas relacionados a profissões de risco, como militares e socorristas. Eventos globais, como pandemias, guerras e desastres naturais, têm contribuído para o aumento de casos em diversas partes do mundo.
Como é que esta condição pode levar alguém a cometer um ato como aquele que Matthew Livelsberger levou a cabo?
Em casos extremos e sem o tratamento adequado, este quadro pode levar a comportamentos impulsivos, agressivos ou destrutivos, principalmente quando a pessoa sofre de sintomas como irritabilidade, raiva intensa e dificuldade para controlar emoções. Em situações graves, sentimentos de desesperança e de desconexão com a realidade podem levar à adoção de medidas extremas, como forma de lidar com o sofrimento emocional ou expressar revolta contra situações que a pessoa associa ao seu trauma. No entanto, nem todas as pessoas desenvolvem esse tipo de comportamento e os atos violentos geralmente resultam de uma combinação de fatores, como o histórico pessoal, o acesso a apoio psicológico, o ambiente em que vivem e, em alguns casos, outros transtornos coexistentes.
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Quais são os tratamentos recomendados?
O acompanhamento psicológico, especialmente a terapia cognitivo-comportamental e a terapia EMDR são os principais recursos, ajudando a processar o trauma e reduzir os sintomas. Em alguns casos, o uso de medicação auxilia no controlo de ansiedade e depressão.
Que tipo de apoio podem dar as pessoas mais próximas?
Escutar sem julgar, demonstrar paciência e compreensão e evitar minimizar o trauma são atitudes essenciais. É importante incentivar, sem pressionar, a procura por ajuda profissional e respeitar os limites da pessoa, especialmente em relação a temas ou situações que a deixem desconfortável. Demonstrar presença constante, apoiar em tarefas diárias e oferecer um ambiente seguro e acolhedor também fazem diferença. Acima de tudo, mostrar empatia e estar disponível podem ajudar muito no processo de recuperação.
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Serviços telefónicos de apoio em Portugal
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (entre as oito e as 22 horas em dias utéis) - 116 006 (número gratuito) - 213 587 900
Linha Telefónica de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (24 horas por dia, sete dias por semana) - 800 202 148 (número gratuito)
Aconselhamento psicológico no SNS 24 (24 horas por dia, sete dias por semana) - 808 242 424 (número gratuito)
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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