Pelo bem-estar animal, pelo ambiente e pela própria saúde. A alimentação vegetariana ganha adeptos de dia para dia e a crescente oferta de produtos de origem vegetal e de substitutos às proteínas animais é o espelho mais real da vontade de mudar a alimentação.
O vegetarianismo enquanto regime alimentar, “não compreende em si uma ideologia, necessariamente dita, embora possa ser motivado por razões éticas ou ecológicas, que configuram ideais, um estilo de vida, e um conjunto de valores”. Segundo a Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), não é possível precisar quantos vegetarianos existem, de momento, em Portugal, mas os últimos dados, que remontam a 2007, indicam que 30 mil portugueses seguiam este tipo de alimentação.
O estudo em causa, encomendado pelo Centro Vegetariano à Nielsen, “também indica uma predominância de mulheres vegetarianas sobre as contrapartes masculinas”, embora não especifique uma faixa etária predominante.
Ao Lifestyle ao Minuto, a AVP revela que “desde então, não foi feito nenhum outro estudo, mas presumimos com alguma segurança que o número de vegetarianos em Portugal tem vindo a crescer significativamente, com base no aumento considerável de oferta existente no mercado”.
É fácil ser-se vegetariano num país de cozidos e tripas à moda do Porto? Sim, há mais vontade e mais oferta. “Podemos apenas assumir que uma maior oferta disponível em supermercados e mercados locais para vegetarianos reflete um aumento de procura, pois essa é a lógica que o mercado dita. Se há muita oferta, é porque há bastante procura. A popularidade dos restaurantes vegetarianos e a abertura de novos estabelecimentos todos os anos também reforça essa ideia”, destaca a AVP.
O que é o vegetarianismo
A Direção-Geral da Saúde (DGS) lançou no final do ano passado o manual ‘Linhas de Orientação para uma Alimentação Vegetariana Saudável’, um documento online criado ao abrigo do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (disponível aqui) e que explica como é possível adotar uma alimentação vegetariana saudável e que beneficie a saúde dos adultos.
De acordo com a DGS, a dieta vegetariana “é um termo geralmente atribuído a um padrão de consumo alimentar que utiliza predominantemente os produtos de origem vegetal” e que “exclui sempre a carne e o pescado mas que pode incluir ovos ou laticínios”.
Assim sendo, a alimentação vegetariana pode-se classificar como:
- Ovolactovegetariana – exclui carne e pescado, permite ovos e laticínios;
- Lactovegetariana – exclui carne, pescado e ovos, permite laticínios;
- Ovovegetariana – exclui carne, pescado e laticínios, permite ovos;
- Vegetariana estrita e vegan – exclui todos os alimentos de origem animal.
De um modo geral, a dieta vegetariana diz ‘não’ aos animais na mesa – podendo criar-se a exceção dos produtos lácteos e dos ovos – e faz dos vegetais protagonistas. Própria para miúdos e graúdos, esta dieta (como todas as outras) traz benefícios diretos para a saúde, mas apenas é benéfica quando equilibrada e devidamente ponderada.
No caso das crianças, “as dietas vegetarianas corretamente planeadas são assim saudáveis e nutricionalmente adequadas para todas as fases do ciclo da vida pediátrico”, diz a DGS no manual ‘Alimentação Vegetariana em Idade Escolar’, divulgado este ano e que vai ao encontro de uma realidade cada vez mais comum: famílias vegetarianas.
Ser vegetariano num país de cozido e tripas à moda do Porto
Gabriela Oliveira é o nome mais sonante do vegetarianismo em Portugal. Seguidora deste tipo de alimentação há 19 anos, Gabriela é autora dos livros de vegetarianismo mais vendidos em Portugal… e já lá vão quatro.
Depois de ‘Alimentação Vegetariana Para Bebés e Crianças’ (Arteplural Edições, 2011), Gabriela lançou uma trilogia de sucesso e que responde ao vasto leque de dúvidas dos portugueses sobre a dieta vegetariana: ‘Cozinha Vegetariana Para Quem Quer Poupar’ (Arteplural Edições, 2014), ‘Cozinha Vegetariana Para Quem Quer Ser Saudável’ (Arteplural Edições, 2015) e ‘Cozinha Vegetariana Para Bebés e Crianças’ (Arteplural Edições, 2016).
Em conversa com o Lifestyle ao Minuto, a autora revela que se tornou vegetariana depois de “perceber que a carne não era obrigatória” e que era possível “fazer a substituição das proteínas e minerais através de alimentos de origem vegetal e, portanto, se havia escolha, eu preferi evitar a morte e o sofrimento dos animais e optar por receitas vegetarianas”.
Num país em que o consumo de carne é diário e os pratos tradicionais fazem dos animais protagonistas, Gabriela Oliveira diz que não é difícil ser-se vegetariano. “Nós adaptamo-nos às nossas escolhas. Hoje em dia é mais fácil do que há 10 e 20 anos atrás porque há uma maior diversidade de produtos à venda nos supermercados, já há mais oferta nos restaurantes, mas é necessário estar atento e procurar. Está-se a tornar mais fácil ser vegetariano em Portugal e acho que é um caminho progressivo”.
Mas lá em casa, Gabriela não é a única vegetariana. “Pai, mãe e filhos” também o são e tal em nada interfere com a vida social da família. “A maioria dos amigos dos meus três filhos não são vegetarianos”, mas quando vão a festas, “levámos pratos ou refeições adequadas a vegetarianos”, algo que, confessa Gabriela, “desperta muita curiosidade e as crianças querem provar”. Afinal, a curiosidade acerca deste tipo de alimentação – defendido como mais ético, saudável e natural – é cada vez maior.
Quando questionada acerca da postura dos médicos acerca da alimentação vegetariana dos seus filhos, Gabriela diz que “não colocaram obstáculos, sempre conversámos abertamente sobre o assunto e sempre fiz uma pesquisa grande sobre os alimentos que podíamos dar aos bebés e em que idades. Houve sempre intercâmbio e partilha de ideias”.
“Os meus filhos tiveram um crescimento normal, adequado à idade, sem uma doença em especial a assinalar, bem integrados na escola e na sociedade, por isso não havia grande razão para colocar em causa a nossa opção”, destaca Gabriela, explicando que voltou a lançar um novo livro acerca da alimentação vegetariana em idade pediátrica e juvenil por existirem, ainda, “muitas dúvidas dos pais em saber a partir de que idades se podem introduzir os alimentos típicos da culinária vegetariana para substituir a carne e o peixe, a partir de que idade podemos dar os legumes, as leguminosas, os cereais integrais, as papas caseiras, os leites vegetais, os iogurtes de soja, dúvidas que têm a ver com a introdução dos alimentos nos primeiros anos de vida”.
Mas essas dúvidas não são apenas dos pais. A Associação Vegetariana Portuguesa (AVP) também recebe “contactos de pessoas em todo o tipo de estádios, desde quem já segue e pratica uma dieta vegetariana há muito tempo, a quem se encontra numa transição ou motivado para transitar”.
Embora a procura e oferta seja maior, há ainda muito para fazer para que o vegetarianismo se destaque num país conhecido pela grande quantidade e boa qualidade de carne e pescado. “Gostaríamos de certificar produtos como vegetarianos de futuro, à semelhança do que entidades como a Associação Portuguesa dos Celíacos já fazem, pois isso facilitaria o acesso e a distinção dos produtos estritamente vegetarianos”.
De momento, salienta ainda a AVP, “temos uma petição entregue ao Governo e que está a aguardar a discussão em plenário, com vista a implementar-se opções vegetarianas nas escolas, universidades e hospitais do país”.