São chamados de psicopatas por terem transtornos de personalidade e graves dificuldades de convivência. São psicopatas do quotidiano e espelham um padrão comportamental rígido, inflexível e repetitivo, em diversos contextos pessoais e sociais.
O Lifestyle ao Minuto quis saber quem são esses psicopatas do dia-a-dia, onde estão e como podem ser identificados. E a psiquiatra brasileira Katia Mecler e autora do livro ‘Psicopatas do Quotidiano’ [Casa das Letras] explica isso e muito mais.
Quem são os verdadeiros psicopatas dos dias de hoje e porque é que se manifestam agora?
Os psicopatas do quotidiano são aquelas pessoas que têm graves dificuldades de convivência devido a um padrão comportamental rígido, inflexível e repetitivo, em diversos contextos pessoais e sociais, e que causam sofrimento a si mesmo ou mais frequentemente, a quem está em seu redor. Na definição da Organização Mundial de Saúde, são homens e mulheres cujo comportamento representa ‘desvios extremos ou significativos de como o indivíduo médio, em uma dada cultura, percebe, pensa, sente e, particularmente, se relaciona com os outros’. Esses ‘desvios extremos’ são os traços patológicos dos transtornos de personalidade. O facto é que o problema sempre existiu, mas a sociedade atual, em que observamos muitas vezes os valores centrados mais na aparência do que na essência, pode ser um meio muito facilitador para pessoas com determinados traços psicopáticos, tais como exibicionismo, egocentrismo e manipulação.
Qualquer pessoa é capaz de saber que está perante um desses psicopatas do quotidiano? Como?
No livro, explico que, de maneira geral, os psicopatas do quotidiano são pessoas que causam uma certa estranheza pelo excesso. Ou são inseguras demais, ou tímidas demais, ou perfeccionistas demais, ou instáveis demais, muito teatrais, muito vaidosas, muito egocêntricas, muito desconfiadas. E essa característica excessiva se repete em todos os relacionamentos, sejam familiares, profissionais ou sociais. Quem tem um traço psicológico de personalidade age sempre da mesma maneira em determinadas situações. Se você convive com alguém que repete um padrão de comportamento que acarreta grave prejuízo social, familiar, profissional ou nas relações íntimas, pode desconfiar de que a pessoa tem algum traço patológico. O diagnóstico, porém, cabe a um profissional especializado.
A doutora identificou dez tipos de transtorno de personalidade. Pode explicar os traços patológicos característicos de cada um deles?
Tanto a Associação Americana de Psiquiatria quanto à Organização Mundial de Saúde identificam dez transtornos de personalidade e comportamento, divididos em três grupos. O grupo A reúne a esquizoide, a esquizotípica e paranóide; o grupo B, o antissocial, o ‘borderline’, o histriónico e o narcisista; e o grupo C, dependente, mas tem o evitativo e o obsessivo-compulsivo.
O esquizoide pode ser associado a características como isolamento, desinteresse, apatia, indiferença e solidão. São pessoas comummente classificadas como ‘esquisitonas’. O esquizotípico pode vestir-se de maneira extravagante ou usar um vocabulário próprio. Já o paranóide é aquele indivíduo que acha sempre que será passado para trás. São pessoas com tendência para preocupações exageradas com a segurança ou com a saúde, por exemplo.
No caso dos antissociais, estamos a falar de pessoas manipuladoras, transgressoras, que botam os seus desejos e necessidades acima de qualquer coisa. Os ‘borderlines’ são instáveis, passam do amor ao ódio em segundos. Podem assumir comportamentos de risco em relação a sexo e drogas, por exemplo, e tendem à auto-mutilação e ao pensamento suicida. O narcisista, de maneira bem simples, é aquele cidadão que se considera acima do bem e do mal. Já o indivíduo com traços histriónicos poderá ser reconhecido pela tendência ao dramatismo, à necessidade de estar sempre sob os holofotes.
Os dependentes tendem a apresentar características como pessimismo, insegurança, carência, passividade e medo de abandono. Nos indivíduos com traços evitativos, podemos distinguir um comportamento pessimista, inseguro, ansioso, medroso e auto-crítico em excesso. Por fim, os traços obsessivos-compulsivos se revelam em insatisfação, impiedade, moralismo, autoritarismo, perfeccionismo e inflexibilidade.
Qual o transtorno de personalidade mais comum e o que afeta mais homens e mais mulheres?
As estatísticas da OMS apontam que 10% da população têm um ou mais traços patológicos de um transtorno de personalidade. Não há prevalência de sexo.
As pessoas que possuem estas caraterísticas de psicopatas do quotidiano têm consciência disso? Quais as consequências associadas a isso?
Em geral, o indivíduo com traços patológicos de personalidade não tem consciência do problema, ele sequer reconhece que tem um problema. E só recorre a um profissional especializado quando desenvolve algum outro sintoma em decorrência do transtorno de personalidade. Uma depressão ou síndrome do pânico, por exemplo. Quem acaba a procurar ajuda é a pessoa que convive com ele, porque sofre com esse jeito de ser inflexível.
O que é que pode ser feito para controlar ou solucionar este problema?
Algumas terapias comportamentais amenizam o problema, mas não há cura. Também é possível tratar comorbidades com medicamentos ou terapia. De qualquer modo, quem convive com um indivíduo com essa natureza precisa de procurar ferramentas para aprender a lidar com ele e a se proteger emocionalmente.
Em que medida estas caraterísticas podem afetar a qualidade de vida das pessoas e de quem as rodeia?
Como explicado anteriormente, a maioria dos psicopatas do quotidiano não vê nada de errado na sua forma de ser e, portanto, não percebe o constrangimento, o mal-estar e o sofrimento que espalha ao seu redor. Então, em tese, pode-se dizer que as pessoas ao redor do psicopata do quotidiano sofrem mais do que ele. Porém, é preciso destacar que alguns traços patológicos de personalidade também acarretam muito sofrimento ao indivíduo.
Uma pessoa nasce psicopata ou esta é uma consequência da evolução e dos dias de hoje?
Ninguém nasce psicopata. A personalidade de cada indivíduo é única, como soma de seu temperamento e caráter próprios. O temperamento é a disposição emocional herdada geneticamente, já o caráter se forma ao longo do desenvolvimento de cada um de nós, em consequência da interação com o que vivenciamos no ambiente. Então, a personalidade é uma estrutura dinâmica: nascemos com predisposições, mas o ambiente tem um efeito decisivo em sua formação.