Professor de yoga a tempo inteiro desde 2009 e fundador do projeto Yoga Spirit, Jean-Pierre de Oliveira foi um dos professores pioneiros do Hot Yoga em Portugal, modalidade que trocou pelo Pure Yoga, uma vertente que fica entre o primeiro e o yoga tradicional.
Além desta, leciona o conhecido Hatha Yoga, forma mais praticada de yoga em Portugal, ainda que se veja algumas variantes, e o Yorganic onde, sob a forma de workshops, procura trabalhar a energia orgânica, contrariando a atitude de se praticar sem pensar, que advém de qualquer prática rotineira.
Em constante procura por novidades, Jean-Pierre não se deixa cair nessa rotina: uma vez por mês, leva o yoga ao centro da cidade através de aulas comunitárias e está a caminho de Marrocos, para um retiro onde leva mais de 20 alunos.
O yoga está na moda. O que por vezes leva a uma divisão de opiniões entre os praticantes de yoga e os que não o praticam pelo seu real intuito mas 'para ficar bem na fotografia'. Concorda?
Tenho refletido sobre isso. Vivo desta atividade enquanto profissional e interessa-me saber o que as pessoas pensam sobre essa filosofia, porque o yoga não é só a parte física.
Esta ideia de que o yoga é uma moda, diz-se já há muito tempo. Mas, no fundo, acaba por não ser uma moda mas algo que está sempre na boca das pessoas porque quando começamos a experimentar yoga, percebemos que funciona. Às vezes a cabeça não entende de imediato o que se passa connosco, mas acabamos por perceber que há mudanças em termos físicos e mentais.
Dizemos que é moda porque há cada vez mais pessoas a interessar-se e a praticar, por isso há mais pessoas a falar sobre issoNo fundo, o yoga acaba por ser uma modalidade que nos permite fazer algo por nós sem grandes investimentos. Investimentos de qualquer tipo que seja – material, de espaço, de roupa... só precisamos de nós próprios, nós somos a nossa própria ferramenta para praticar yoga.
Então não acha que as pessoas põem de parte o lado mais filosófico, mais interior do yoga?
A partir do momento em que falamos de yoga, já sabemos, mesmo não tendo a informação toda, que o yoga não é só a parte física. Há algo um pouco de isotérico por trás da palavra ‘yoga’ e mesmo que, obviamente, a porta de entrada seja as aulas, onde se praticam posições, o yoga acaba por ser como uma ginástica que se incorpora numa filosofia mais holística. Ou seja, ao trabalhar o corpo, também trabalhamos a mente. O que pode acontecer nas aulas, ou o que deveria acontecer, é que durante o período de aula, normalmente de 60 minutos, o professor faz uso da filosofia - não é bombardear as pessoas com conceitos pesados, mas abrindo as portas àquilo que pode ser a filosofia do yoga.
Como é que incorpora essa filosofia nas suas aulas?
Durante as aulas, o professor pode repetir-se muitas vezes, por exemplo, a mandar que se foque na respiração. Quando estamos concentrados na respiração, não deixamos a nossa mente disparar em pensamentos. Habitualmente os pensamentos são a causa do nosso stress, das nossas ansiedades.
Acabamos por pensar sempre de duas formas: sobre as coisas que já fizemos e sobre as quais já não temos poder de influencia, mas mesmo assim estamos sempre a repetir na nossa mente e a revivê-las, alterando até um pouco a situação, ou então coisas que ainda não aconteceram e sobre as quais começamos a imaginar o que poderá acontecer.
Quando estamos a praticar yoga, o professor vai começar por referir o uso da respiração para libertar a mente, e neste momento realmente deixamos de pensar nessas pequenas coisas e, ao deixar de se focar nestes elementos, o corpo acaba por relaxar. Ficamos com os músculos mais abertos e muito mais focados na nossa prática.
Depois, há um conjunto de posições. Nas minhas aulas falo muitas vezes em abrir o peito. Ao fazer isso, estamos inconscientemente a dizer à nossa mente para ficar bem disposta. Se alguém está um pouco doente ou stressado é normal que tal se note no seu corpo, que fica mais caído, mais fechado. Mas se na aula o professor estiver sempre a dizer “roda os ombros para cima e para trás, e abre o peito”, é impossível manter-se deprimido. Há um pequeno trabalho inconsciente, que leva a que quando termina a aula, estamos mais bem dispostos e sentimos maior positividade.
...e quanto ao lado físico da aula?
Numa aula de yoga bem preparada , há todo um conjunto de posições que têm o objetivo de levar o corpo a um certo ponto. Imaginemos que a temática de uma aula é a abertura de peito. Durante a aula vou pedir que façam muitas posições que os leve a abrir o peito. Esticar os braços, rodar os ombros... ou seja, ter a sensação de expansão. Quando nos entregamos à aula, sentimo-nos bem, ficamos relaxados. E sentimo-nos assim por dois motivos: o primeiro é porque travamos a nossa forma de pensar, e a segunda é porque praticamos um conjunto de posições, posturas, que nos levam a abrir mais o peito.
Quando nos entregamos à aula, sentimo-nos bem, ficamos relaxados O que é que os seus alunos procuram num primeiro momento quando vêm ao Yoga Spirit?
É engraçado porque, quando se pergunta isso, muita gente não sabe exatamente o que quer. São pessoas que simplesmente querem fazer algo por elas próprias, e algo que seja integral. Ou seja, querem desenvolver um hábito ou uma rotina saudável, ter a sensação de fazer um trabalho físico e outro mental.
Às vezes não sabem muito bem o que é este estado, mas enviamos mensagens subliminares durante as práticas, que ajudam as pessoas a realinhar uma forma de pensamento, não se cinge ao alinhamento da respiração, bem como um realinhamento físico.
A pratica do yoga tem implicações muito mais profundas para o bem estar global. As pessoas não sabem exatamente como lá chegam, mas através da repetição, de uma prática regular, acabamos por criar padrões e aderir ao yoga por completo.
Como define o Hatha Yoga que aqui se pratica, em comparação com tipos de yoga preferidos por outras escolas?
De forma geral, e por culpa dos próprios yogis, tudo o que vê é Hatha Yoga. Existem escolas de Hatha Yoga muito fortes em que o nome da escola acaba por prevalecer sobre o nome da modalidade. Por exemplo, poderá ouvir falar do Ashtanga Yoga e Iyengar yoga. Essas duas modalidades também são Hatha Yoga. A partir do momento em que junta um conjunto de posturas físicas, e alguma filosofia, é Hatha Yoga. O yoga em si é uma metodologia holística de bem, por exemplo, o Bhaski Yoga, que é o yoga da devoção, é um tipo de yoga em que podemos escolher uma temática, como a humildade, e vocacionar o seu desenvolvimento e partilha. Há também o yoga do conhecimento que, através do estudo, vai desenvolver a nossa capacidade em melhorar-nos a nós próprios.
O yoga tem como objetivo dar-nos ferramentas para conseguir viver no nosso quotidianoNo fundo, o yoga tem como objetivo dar-nos ferramentas para conseguir viver melhor no meio no qual estamos inseridos no nosso quotidiano, ferramentas para aguentar melhor o seu dia de trabalho, quer seja com as pessoas no metro ou os nossos familiares. E aí desenvolvemos uma capacidade na nossa consciência: as pessoas que nos irritam mais são aquelas com que temos maior proximidade, os nossos pais, por exemplo. Se estamos numa conversa e ficamos com vontade de responder por não concordar com o que eles dizem, através do yoga vamos trabalhar essa capacidade de ficar bem ao ter a noção de que esse tipo de conversas não é o que queremos para nós. Eu não quero brigar com a minha mãe, ela é das pessoas de que gosto mais, por isso o que eu quero é ter a clarividência. Ou seja, quando sentir que os azeites estão a subir, vou travar-me a mim próprio.
Quando as pessoas vêm cá à procura de ferramentas para viver melhor, por vezes tem a ver com este conhecimento, o desenvolvimento dessa capacidade de abrir os olhos no que é realmente importante.
Os diferentes tipos de yoga de que falamos são mais ou menos intensivos neste sentido. Quando falamos de um Ashtanga Yoga, falamos de práticas muito rígidas em termos de técnicas, em que há a obrigatoriedade de seguir padrões de funcionamento. Por outro lado, o Yoga Restaurativo é mais calmo, mais tranquilo, baseado em praticas muito lentas, com posições restaurativas, almofadas, e mantas.
E onde melhor se enquadra o yoga que leciona?
No meu caso, optei por um yoga um pouco mais dinâmico: já fui bastante atleta na minha vida, já pratiquei muita coisa, sou muito desportivo. Mesmo hoje em dia corro, gosto de atividades um bocadinho mais radicais, portanto as minhas práticas refletem um pouco essa minha forma de ser, e as práticas que eu dou acabam por ser relativamente dinâmicas, onde tonificamos bastante o nosso corpo.
Utiliza-se muito a energia e ativação muscular. Há quem pense que o yoga é só esticar, e também pode ser, mas há casos em que é mais do que isso. Nas minhas aulas vão aprender a utilizar a força em vez da mobilidade articular. Dando como exemplo a posição da cobra, em que estamos deitados de barriga no chão, com as mãos paralelas ao corpo, e subimos o peito: há pessoas que vão esticar os braços para ficarem mais direitos, o que acontece é que vai pôr todo o peso do seu corpo no cotovelo. Comigo, vou dando umas dicas de alinhamento e a ideia vai ser manter o cotovelo solto e tentar empurrar um bocadinho mais os ombros, para não utilizar a articulação do cotovelo que é o apoio, a alavanca, e utilizar um pouco mais a musculatura. Neste caso, a parte superior dos ombros, o bícep, ativa os músculos de forma consciente em vez de optar pelo mais fácil, que é esticar e ficar numa postura que se aguenta por meia hora.
O que eu dou é um flow: uma sequência de posturas que tem uma lógica e visa ao progresso do aluno.
Quando as pessoas chegam cá, vieram do trânsito, do trabalho, e ainda estão um bocadinho aceleradas, por isso, eu faço-as trabalhar alguns exercícios respiratórios, para as abrandar – o pranayama, que nos obriga a manter a consciência nesse exercício. Começamos a abrandar, depois entramos em posturas físicas, uma parte de cada vez. A prática começa a avançar, sempre com uma sequência lógica de posições, começa a complicar e chega a uma altura em que o corpo está preparado e a mente também, para fazer a postura pico – a mais difícil, mais exigente e que nem toda a gente consegue, no entanto, fica aquela vontade de nos superarmos. A parte final é de relaxamento, um culminar da prática onde deixamos que o corpo aproveite o que se trabalhou e se relaxe, para integrar todo o trabalho realizado na aula.
Esta ideia de trabalhar os músculos vai ao encontro de um aspeto muito mais físico, que leva à noção de se emagrecer com o yoga. Isso é possível?
Com o yoga pode fazer o que quiser, pode definir o objetivo que precisar. Há pessoas que podem procurar emagrecer, outras tonificar, outras ganhar força, flexibilidade ou tudo isso. Utilizando as ferramentas que nos dão no yoga, podemos alcançar esse nosso objetivo e aí realmente temos de estruturar a nossa alma com os mesmos. A diferença de uma aula de yoga para uma aula de cycling ou de stretcing é que vamos trabalhar a nossa auto-consciência, que não trabalhamos nessas outras aulas de fitness. Há uma parte mais integrante da filosofia, portanto sim, se o seu objetivo for perder peso, pode chegar lá através do yoga, e então utilizar técnicas como o hot yoga, que são mais eficazes ou com posturas específicas ao trabalho digestivo, através de torções e posturas que ativam certas zonas do nosso corpo.
Utilizando as ferramentas que nos dão no yoga, podemos alcançar esse nosso objetivo e estruturar a nossa alma
A ideia que se passa é a de que o Hot Yoga é mais benéfico do que o yoga porque ajuda a problemas cardiovasculares e emagrece, mas um estudo veio dizer que a única diferença é que as posturas são melhoradas, por haver mais flexibilidade, que resulta das altas temperaturas.
Os estudos às vezes têm várias leituras. Quando se pratica o Hot Yoga, o calor ativa muito mais o nosso cardio. A respiração é um pouco dificultada, há muito mais irrigação sanguínea nos nossos músculos e o trabalho é mais intenso, mais duro. Para uma aula da mesma duração, vai ter de pedir muito mais esforço, e aí, queima mais calorias. Eu tenho alunos que utilizam aqueles relógios de calorias e tenho um exemplo de um aluno que queimou mais calorias numa aula de Hot Yoga do que numa de body pump. Mas isso depende muito do metabolismo de cada um, há quem responda melhor a esse ambiente de calor. Mas eu acredito que numa aula de Hot Yoga pode vir mesmo a queimar mais calorias e pode trabalhar mais o corpo, pelo menos a nível cardiovascular e muscular é mais difícil. Digo-o enquanto professor e enquanto praticante.
Foi o Jean Pierre que trouxe o Hot Yoga para Portugal?
Não o trouxe propriamente para Portugal. O Hot Yoga já tinha sido lançado há uns anos no país e funcionou de forma relativa, ou seja, foi uma pequena curiosidade mas não suscitou muito interesse na altura, e a academia acabou por morrer - acho que era muito cedo em relação ao que sabemos do yoga. Na altura desse projeto, fui convidado para dar aulas e acabei por ser um dos professores pioneiros de Hot Yoga em Portugal. Depois, a vida levou-me a fazer outras coisas, naquela altura não era só professor de yoga mas também gestor de produto e de marketing, por isso afastei-me.
Em 2015, surgem umas pessoas que querem dinamizar aquilo e chamam-me. Nessa altura, de facto, fez-se um trabalho de fundo, convidámos algumas pessoas para voltar a dinamizar o Hot Yoga, e funcionou, começou-se a falar mais nos meios de comunicação, e a gerar interesse em torno do Hot Yoga.
Mas já não dá aulas deste tipo de yoga...
Deixei de lecionar hot yoga por ser muito intenso. A máquina da sala faz muito barulho e temos de falar muito alto. A sala está muito cheia, e torna-se muito quente e muito exigente. Só de dar aulas, comecei a perder bastante peso, não era o que queria para mim. Na altura, abri o meu estúdio dediquei-me a aulas mais tradicionais e acabei por desistir de dar essas outras aulas.
No entanto, interessa-me muito que os outros fazem no estrangeiro: há uma professora de yoga que é a Ana Forrest, que opta por um yoga um pouco moderno: ela vai buscar a tradição dos índios da América do Norte, em vez da tradição indiana. Ela é uma pessoa que tinha muitos problemas físicos e desenvolveu um yoga mais terapêutico, com diferentes termos de filosofia de yoga.
Interessa-me muito que os outros fazem no estrangeiroDe facto, quando se sobe a temperatura da sala, o nosso corpo fica mais maleável, a pele, os tendões e os ligamentos ganham flexibilidade. O que Ana Forrest fez foi desenvolver um conceito em que o yoga é praticado em salas com 30 graus: não chega a ser aquele calor que quase queima, é mais agradável, e enquanto no Hot Yoga o ar é seco, nestas aulas o ar é humidificado, a pele fica húmida e sente-se a humidade toda o que é melhor para gerir as vias respiratórias. Quando o ar é modificado, as partículas de pó são absorvidas pelas de água e caem, deixando o ar mais puro.
Eu já experimentei estas aulas terapêuticas aqui no meu estúdio. Chama-se Yoga Pure e é bom em termos de filtragem e purificação do ar. São aulas com objetivos mais terapêuticos, não são tão físicas.
Há quanto tempo tem o Yoga Pure aqui no estúdio?
Comecei as aulas em 2016. Este ano ainda não dei nenhuma por falta de tempo, mas costumo dar duas por mês. Tem tido sucesso, as pessoas mostram interesse e pedem-me para dar estas aulas
E outras novidades para o Yoga Spirit?
Estou sempre a fazer coisas diferentes para não cair numa rotina. Falo muito de energia muscular, aquela que solicita partes diferentes do corpo. Temos outra energia que é a orgânica – por vezes queremos alongar, com a energia orgânica vou alongar e depois contrair e abrir-me mais, isso dá-nos uma sensação de abertura máxima, satisfação dessa ativação muscular. Tenho feito uns workshops sobre esta técnica. As pessoas praticam yoga quase sem pensar, mas com essas técnicas, vou exigir que o aluno fique mais focado por mais tempo, é uma forma de desenvolver a auto-consciência. Dou os workhsops desde o ano passado e tem corrido bem.
Além disso, vou a um retiro de yoga em Marrocos, nas portas do deserto. As inscrições já estão fechadas, somos 25. Vou levar os alunos comigo para essa prática fora de portas. É uma forma de sair da minha zona de conforto.
Em 2015 desenvolvi as aulas comunitárias: muita gente quer praticar yoga mas não quer investir, por isso criei essas aulas que são práticas abertas ao público e onde ofereço 20 a 25 minutos de filosofia adaptada ao nosso dia a dia e depois dou uma prática de nível intermédio. As aulas já chegaram a ter 150 pessoas, estou uma vez por mês, no último domingo de cada mês nos Anjos 70, em troca de um donativo livre.
Acho que é muito giro levar essa prática para o meio a cidadeAcho que é muito giro levar essa prática para o meio a cidade. Há muitas pessoas que querem experimentar, algumas até acabam por aparecer no estudo para praticar de forma regular, isso é muito positivo.
Tem a ver com a ideia de que o yoga é uma moda e faz-nos perceber que não é bem assim. Yoga é um modo de viver, algo que podemos integrar na nossa vida. Muitas vezes confundimos yoga com hinduísmo, esse último é uma cultura, um tipo de vivência social enquanto o yoga é uma filosofia perfeitamente dissociável do hinduísmo. Eu não preciso de estar aqui vestido de hindu para dar uma aula.