"Tecnologia não prejudica a industrialização em África"
O economista Carlos Lopes criticou hoje à Lusa a ideia dos grandes pensadores da industrialização, que defendem que a tecnologia é um obstáculo à industrialização africana, e elogiou a notoriedade que este debate está a ter.
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Mundo Carlos Lopes
"Tenho de me regozijar com a maior visibilidade que a questão da industrialização está a ter, e isso não é pouco, porque desde há um ano e meio que os grandes pensadores sobre a industrialização têm vindo a pôr em causa a possibilidade de África se industrializar de forma acelerada com os novos desenvolvimentos da tecnologia, no comércio internacional e na evolução do valor trabalho, que começa a ser superada pelas máquinas, pelo software e pela inteligência artificial", disse o economista da Guiné-Bissau.
Em entrevista à Lusa à margem dos Encontros Anuais do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que decorrem esta semana em Busan, na Coreia do Sul, Carlos Lopes defendeu que "é preciso ir contra esse pensamento, que voltaria a dizer que África não consegue, que chegou tarde de mais, porque já se disse isso para o desenvolvimento da agricultura, já se disse isso para os vários domínios dos serviços e agora também para a industrialização".
O antigo secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África reconhece que "do ponto de vista estatístico o valor acrescentado das manufaturas para a economia africana não tem crescido", e admitiu que "as pessoas baseiam-se em algo que não é completamente fictício, mas há razões para isso e é preciso contestar essa dúvida".
Questionado sobre a importância dos Encontros Anuais do BAD para contrariar essa ideia, Carlos Lopes elogiou a escolha do tema e defendeu que a digitalização dos procedimentos será benéfica para África se o continente souber escolher bem as tecnologias a usar.
"Temos de levar a que a discussão sobre a industrialização saia desta visão demasiado simplista de que a tecnologia altera completamente a possibilidade de industrialização porque introduz níveis de produtividade muito elevados, uma sofisticação da propriedade intelectual que não dá espaço para os novos atores", argumentou.
A produtividade, explicou, "é uma pirâmide, e os países com um nível de maturação mais elevada em termos de produtividade não são os mais interessados no tipo de industrialização" pretendida, que passa pela produção de "plásticos, têxteis, iogurtes, massas, produtos agrícolas transformados e não necessariamente na sofisticação da indústria das telecomunicações, portanto há vários patamares e nesse patamar o mais baixo é aquele que nos interessa neste momento, porque é intensivo em trabalho e não nas outras dimensões".
Para Carlos Lopes, não há contradição entre a tese do presidente do BAD, que aponta para a introdução massiva de novas tecnologias para ajudar a industrialização, e a defesa de que África deve apostar no patamar mais baixo da pirâmide produtiva.
"Uma coisa é estudar, saber como se posicionam as cadeias de valor, e trazer alguns desses elementos para a introdução de valor intensivo de trabalho; não podemos produzir têxteis sem tomar em conta um nível de sofisticação que a robótica introduz na forma como se faz a desfiagem", exemplificou, salientando, ainda assim, que "é preciso escolher o têxtil em vez de escolher uma tecnologia que pode ser montada completamente com robôs e é preciso conhecer a cadeia de valor e saber onde se situar nela".
Para este especialista em desenvolvimento e planeamento estratégico, "a disrupção que faria a maior diferença em África é no setor educativo", defendendo a "passagem imediata para níveis de acesso educativo que não eram possíveis há uns anos através do uso dos cursos online, das bibliotecas digitais, o ensino de algorítmica às crianças, que posicionam a juventude africana para o futuro" e que permitem colmatar o envelhecimento da população noutras geografias.
A reunião dos governadores do BAD decorre esta semana na Coreia do Sul e tem como tema oficial 'Acelerando a Industrialização de África', e decorre num contexto de crescimento fraco no continente e de dívida pública excessiva.
Os Encontros Anuais são uma das maiores reuniões económicas sobre o continente africano, juntando chefes de Estado, acionistas de referência no setor público e privado, governadores dos 80 bancos centrais que são acionistas do BAD e académicos e parceiros para o desenvolvimento.
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