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A história de um diário escrito por baixo do chão de um castelo

Um diário escrito por um carpinteiro debaixo das tábuas de madeira do chão de um castelo, nos Alpes Franceses, deixa a vida dos habitantes no fim do século XIX à descoberta.

Notícias ao Minuto

11:30 - 08/06/18 por Sara Gouveia

Mundo Alpes

Quando os novos donos do chateau de Picomtal, nos Alpes Franceses, decidiram renovar o pavimento de alguns dos quartos do andar de cima, acabaram por descobrir uma narrativa fascinante feita por baixo das tábuas de madeira que compunham o chão.

Do outro lado das tábuas, que até à renovação não tinham sido mexidas desde a altura em que foram escritas, estavam longas mensagens a lápis em forma de diário. As mensagens foram sendo deixadas ao longo de vários meses entre 1880 e 1881, estando assinadas por um homem chamado Joachim Martin.

Joachim, tornou-se claro mais tarde, era o carpinteiro que tinha instalado o chão do castelo durante aquele ano, deixando para trás um diário secreto que só era suposto ser descoberto muito depois de já ter morrido.

"Estas são as palavras de um homem extraordinário, de um homem do povo. Ele diz coisas que são tão pessoais, porque sabe que só serão lidas muito tempo depois de serem escritas", explicou o historiador Jacques-Olivier Boudon, da Universidade Sorbonne à BBC.

As entradas do diário tocam em vários assuntos como sexo, crime e religião, fazendo com que seja possível ter uma visão interna do que se passava naquela altura na pequena comunidade rural.

Num dos episódios mais chocantes, Joachim fala de infanticídio. "Em 1866 estava a passar à porta dos estábulos. Ouvi gemidos. Era a amante de um velho amigo meu que estava a dar à luz", recorda. Ao longo de outras memórias, o homem conta que a mulher teve seis filhos e que quatro deles estavam enterrados nos estábulos. Deixa claro que não foi ela que os matou, mas sim o seu amigo, que Joachim acusa agora de tentar seduzir a sua própria mulher.

"Este criminoso está agora a tentar estragar o meu casamento. Tudo o que tenho de fazer é dizer uma palavra, apontar para os estábulos e vão para a prisão. Mas não vou fazer isso. Ele é um velho amigo. E a mãe dele é a amante do meu pai", detalhou.

Segundo o historiador, que acabou por publicar um livro intitulado 'Le Plancher de Joachim' (As tábuas de Joachim), este episódio mostra a realidade das relações na vila, que, segundo Jacques-Olivier, nenhum tipo de texto convencional conseguiria revelar.

Em outras das entradas, Joachim fala do padre local, de quem tinha desdém. Nos anos seguintes a 1880, estavam a ser introduzidas reformas que limitavam o poder da Igreja e o homem aprovava-as, especialmente pela sua animosidade pessoal para com o padre Abbé Lagier, que descrevia como sendo um mulherengo obsessivo, que abusava da confissão para fins sexuais.

"Primeiro acho muito errado a forma como mete o nariz nos nossos assuntos familiares, a perguntar como uma pessoa faz amor com a mulher", escreveu Joachim numa das tábuas, acrescentando que o padre queria inclusivamente saber quantas vezes por mês tinham relações sexuais, o que levou a terminar dizendo "o porco devia ser enforcado".

Joachim conta também que o pároco se metia com todas as mulheres da vila, mas que os maridos tinham "de ficar calados".

Em 1884, foi criada uma petição para afastar o padre, várias cartas foram enviadas para apoiar o pedido e uma delas, ainda hoje preservada, foi escrita pelo próprio Joachim. Várias pessoas apelavam a que Abbé, um padre católico, fosse substituído por um padre protestante, uma decisão para a qual se presume que terá pesado o facto de um padre protestante ser casado.

De Joachim Martin mesmo não se sabe muito. Nasceu em 1842 e morreu em 1897, teve quatro filhos, mas não há nenhum registo fotográfico seu conhecido.

"Mortal Feliz. Quando leres isto, eu já não existirei. A minha história é sincera e franca, porque ninguém exceto tu verá a minha escrita", saudou Joachim com esperança de que algum dia um leitor encontrasse os seus registos.

Veja alguns exemplos do diário na galeria acima.

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