Terminou com sucesso, esta terça-feira, a complexa operação de resgate dos 12 rapazes e do seu treinador, presos durante mais de duas semanas num complexo de cavernas de Tham Luang, na Tailândia. Demorou nove dias até serem encontrados, no passado dia 2 de julho, por três mergulhadores britânicos.
Os 12 rapazes estavam malnutridos, desidratados, com escoriações, mas vivos e – apesar de tudo – aparentemente calmos, um feito atribuído à formação budista do treinador que os acompanhava, Ekkaphol Chantawong, de 25 anos. 'Ake', como era conhecido, estaria a meditar com as crianças.
Será o aspeto cultural um fator a ter em conta na forma como estas crianças resistiram? Inês Marques, coordenadora da equipa infanto-juvenil da Oficina de Psicologia, é perentória: “Sem dúvida”.
“Esse lado, se quisermos, mais espiritual é um dos fatores que contribui para a resiliência, isso sem a menor dúvida. Está retratado, de alguma maneira, na literatura. Conseguir encarar com alguma positividade, com a noção de que não se tem controlo sobre o que acontece mas decidir o que é que se pode fazer - para controlar, para regular -, esta fé, no fundo, é um elemento protetor. Sem dúvida”, afirma, em entrevista ao Notícias ao Minuto.
Ekapol Chanthawong lost his whole family as a kid. He trained as a monk & then devoted his life to helping coach kids. He kept 12 children alive in a cave without food or light for 9 days. He will be last to leave tomorrow & is only 25. Remember him! #ThaiCaveRescue #Hero pic.twitter.com/yWzn2k1dJ4
— Asjad Nazir (@asjadnazir) 8 de julho de 2018
O facto de os rapazes serem muito jovens, com idades compreendidas entre os 11 e os 16 anos, também é um fator positivo. Inês Marques sublinha que “o cérebro destas crianças está em ainda em desenvolvimento” e que, portanto, “vão ser muito sensíveis à forma como os adultos lidam” com a situação.
“Se as coisas forem conduzidas de uma forma positiva, estruturante, securizante e, também, se tiveram lá os seus recursos internos de resiliência mais ou menos desenvolvidos, à partida temos aqui um bom prognóstico”, indica, explicando que um fator chave para a recuperação das crianças é “a reparação da noção de segurança”.
Uma familiar segura uma imagem dos rapazes, trazida pelas autoridades, um dia depois de terem sido encontrados, a 2 de julho, passados nove dias desde o seu desaparecimento. Imagens, vídeos e cartas foram as únicas trocas com o exterior© Twitter
“É importante que haja espaço para as crianças poderem falar sobre o que estão a pensar e a sentir mas sem que se sintam obrigados a fazer”, acrescentou a especialista, sublinhando que este comportamento deve ser replicado mesmo com as crianças que apenas assistiram ao desenrolar destes eventos. “Mesmo para as crianças que estão a assistir, [é importante] não haver adultos que as obrigam a falar e a comentar e a opinar, mas, sim, que haja espaço para o fazer sem que se sintam pressionadas”, diz.
Este ambiente em torno dos jovens será, efetivamente, um aspeto primordial. Recorde-se as declarações de Neil Greenberg, especialista em saúde mental do King’s College de Londres, ao Guardian, ao falar das cartas trocadas com os pais, quando estavam ainda na caverna. “Dada a sua idade, é ainda provável que a natureza da comunicação com as famílias também afete as crianças; a ansiedade expressada pelas famílias pode facilmente corroer a resiliência de uma criança”, referiu.
Leitura semelhante faz Inês Marques: “As crianças, e os adolescentes também, sintonizam emocionalmente com os adultos que os circundam e, portanto, se os adultos adotarem uma postura demasiado alarmista, preocupada, eles próprios poderão não se sentir seguros”.
A capacidade de recuperação dos jovens vai depender das características de cada um, faz sobressair a psicóloga, sendo que as variáveis vão “desde os seus recursos internos, ao próprio suporte social que tenham em termos familiares e em termos escolares, e do significado que cada um deles atribuiu ao evento”.
“Quem está perto tem de estar atento a um conjunto de sinais: alterações comportamentais, ou seja, reações, mas também questões como alterações no padrão do sono, alterações no apetite e alterações no humor”, enumera, explicando que “algumas destas mudanças são expectáveis na sequência de tudo aquilo que viveram, desde que não perdurem durante muito tempo”.
A psicóloga, especialista em crianças e jovens, esclarece ainda que “nem todas as situações traumáticas têm de desencadear um trauma ou uma perturbação de stress pós-traumático”, mas deixa claro que o apoio psicológico é muito importante nos próximos tempos.
Cheers, applause, relief at the volunteer site #ThamLuangCave pic.twitter.com/vao6YEih8S
— michael safi (@safimichael) 10 de julho de 2018
Ainda a propósito deste resgate, recorde aqui as opiniões do tenente Alexandre Oliveira, comandante de um dos destacamentos de mergulhadores da Marinha Portuguesa, e Cristina Lopes, presidente da Sociedade Portuguesa de Espeleologia, sobre o sucesso da operação. Os responsáveis definem a missão como "exemplar" e de uma "coordenação extraordinária".