"A China não é um regime totalitário 'tout court'"
O ex-Presidente português Ramalho Eanes revelou hoje detalhes de uma conversa com Deng Xiaoping para defender que a China não é um "regime totalitário 'tout court'" (simplesmente) e considerou que se deve ser exigente em matéria de direitos humanos.
© Lusa
Mundo Ramalho Eanes
Em entrevista à Agência Lusa a propósito dos 40 anos das relações diplomáticas entre Portugal e a República Popular da China, estabelecidas em 08 de fevereiro de 1979, o antigo Presidente da República portuguesa contou que quando se encontrou com o líder chinês em maio de 1985, em Pequim, lhe falou na importância de a sociedade civil justificar que a população se pronunciasse em eleições.
"Ele sorriu como quem diz 'eu estou a perceber' e disse-me: 'sabe que nas pequenas comunidades e em várias áreas da China há eleições, o partido apresenta o seu candidato, mas os cidadãos podem apresentar outros candidatos", contou Ramalho Eanes, que era chefe de Estado quando os dois países estabeleceram relações diplomáticas.
O general Eanes referiu que no Ocidente não se conhece esta situação e que Deng lhe explicou que "o Presidente [norte-americano Jimmy] Carter mandou para [a China] observadores e ninguém referiu isso".
Por isso, "a China não é como nós julgamos, um regime totalitário 'tout court'", concluiu Ramalho Eanes.
Outro aspeto do universo chinês destacado pelo antigo chefe de Estado é que se trata de uma sociedade hierarquizada.
"Se o chefe governa a nação em proveito de todos, do bem comum, com rigor e exigência ele deve manter-se, se ele não faz isso, ele deve ser substituído. Isto modifica um pouco a nossa perspetiva dos direitos humanos, a nossa perspetiva, que obviamente defendo, que é a perspetiva greco-cristã, a deles é confuciana", disse.
Relativamente à existência de um regime de partido único na China, Eanes argumentou que o país tem 1.300 milhões de habitantes e que "tem ainda uma larga franja da população em situação débil", apesar de centenas de milhões de pessoas terem saído da miséria.
"Já viu o que era de repente criar um multipartidarismo na china, já viu o que é?" - argumentou.
"Em relação à China, devemos ter uma exigência que é fazer com que ela respeite todas as regras internacionais. Em relação aos direitos humanos, devemos ser exigentes, mas prudencialmente inteligentes no sentido aristotélico, não devemos querer que eles sejam iguais a nós", defendeu.
"Queremos que eles, utilizando a sua personalidade histórica, a sua unidade e continuidade, consigam utilizar e descobrir caminhos que os levem à defesa dos direitos do Homem, mas temos que ter em atenção que isso não vai ser já, vai ser demorado, vai ser difícil, e que os direitos humanos serão sempre tratados não segundo o nosso modelo, mas segundo um paradigma que será naturalmente diferente", perspetivou.
Quanto ao atual líder chinês, Xi Jinping, no poder desde 2013, Eanes considerou-o "um grande imperador".
"Em termos internos, o trabalho que ele está a fazer no interior da China é importante, significativo. O trabalho que ele está a fazer para a projeção da China é interessante, mas não deixa de ser preocupante, um trabalho externo que se estende a todo o mundo", acrescentou.
Xi Xinping realizou uma visita de Estado a Portugal em dezembro do ano passado e este ano, em abril, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, desloca-se à China.
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