Venezuela: Confrontos e dificuldades na entrada de ajuda humanitária
A chegada de ajuda humanitária à Venezuela ficou hoje marcada por atos violentos, com camiões incendiados na fronteira com a Colômbia e outros a regressar ao Brasil, registando-se pelo menos quatro mortos em confrontos e deserções das forças venezuelanas.
© Reuters
Mundo Síntese
O deputado da Assembleia Nacional da Venezuela (dominada pela oposição), Juan Andrés Mejía, relatou que na localidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, junto à fronteira com o Brasil, verificou-se "um massacre contra o povo indígena", dando conta de "quatro pessoas assassinadas e mais de 20 feridos por balas".
A Lusa constatou no local que vítimas foram transportadas para Pacaraima, localidade brasileira do estado de Roraima, junto à fronteira com a Venezuela.
Ao início da tarde de hoje, o Presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, anunciou através da rede social Twitter que o primeiro camião, de dois, com ajuda humanitária proveniente do Brasil entrara na Venezuela.
No entanto, cerca das 14:00 locais (18:00 em Lisboa), a Lusa testemunhou que os dois camiões se mantinham na linha divisória na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Quase três horas mais tarde, pelas 16:45 locais, os camiões regressaram a território brasileiro.
"Retirámos os camiões porque houve um conflito. Circulou a informação de que havia aqui um infiltrado tirando fotos e algumas pessoas foram tirar satisfações com ele", justificou, em declarações à Lusa, a deputada venezuelana Yuretzi Idrogo.
Na fronteira com a Colômbia, dois dos quatro camiões que se encontravam em território venezuelano foram incendiados, denunciou a deputada da oposição Gaby Arellano, que acusou a polícia nacional bolivariana de atear as chamas.
Neste local, também se registaram confrontos entre populares e agentes da polícia venezuelana.
Cerca das 17:00 na Venezuela (21:00 em Lisboa), Guaidó, que hoje se deslocou a Cúcuta, na fronteira colombiana, escreveu no Twitter: "Disseram que não íamos chegar à fronteira: chegámos todos e o povo chegou a receber ajuda. Disseram que a ajuda não ia entrar: os camiões atravessam o país. Disseram que tinham povo: estão sós e dezenas de soldados abandonaram-nos".
Sobre o incêndio dos camiões com ajuda humanitária, Guaidó escreveu que a comunidade internacional "pode ver como o regime usurpador viola o protocolo de Genebra, onde se diz claramente que destruir ajuda humanitária é crime de lesa humanidade".
O chefe de Estado venezuelano, Nicolás Maduro, voltou hoje a desafiar Juan Guaidó a convocar eleições presidenciais antecipadas, no dia em que faz um mês que o presidente da Assembleia Nacional da Venezuelana se autoproclamou Presidente interino.
"Trinta dias [depois de se autoproclamar Presidente] por que [Juan Guaidó] não convocou eleições? Se tem o poder, supostamente", questionou Maduro, que falava no palácio presidencial de Miraflores, em Caracas, perante milhares de simpatizantes que hoje marcharam na capital em apoio da revolução bolivariana.
"Onde está a convocatória, se têm um Presidente interino? Eu desafio-o a convocar eleições, para ver quem tem votos e quem ganha eleições neste país", acrescentou, apelidando Juan Guaidó de "marioneta vendida ao império".
Maduro também anunciou o corte de relações diplomáticas e políticas com a Colômbia, país que acusa de apoiar os Estados Unidos da América num golpe de Estado contra o seu regime.
"Decidi romper todas as relações políticas e diplomáticas com a Colômbia. Não se pode aceitar que continuem a disponibilizar o território colombiano para provocações contra a Venezuela", disse, numa alusão à tentativa de fazer chegar ajuda humanitária ao seu país através da fronteira em Cúcuta, Colômbia.
O Governo colombiano ordenou de imediato o regresso dos funcionários diplomáticos e consulares presentes na Venezuela.
No discurso perante os seus apoiantes, o Presidente venezuelano também anunciou que aceitará uma oferta da União Europeia para uma "ajuda legal" humanitária ao país.
Maduro sublinhou ainda que jamais se "dobrará" perante qualquer circunstância e pediu aos militares, às milícias e aos seus simpatizantes que o defendam caso seja derrubado.
Ao longo do dia, pelo menos 23 membros das forças de segurança venezuelanas, entre eles 20 militares, decidiram desertar, deixando de apoiar o regime de Nicolás Maduro, segundo a agência France Presse, citando dados do departamento Migração da Colômbia.
Hoje é a data limite anunciada pelo autoproclamado Presidente interino venezuelano, Juan Guaidó, para a entrada no país de 14 camiões e 200 toneladas de ajuda humanitária reunida para a Venezuela.
A entrada de ajuda humanitária, especialmente os bens fornecidos pelos Estados Unidos, no território venezuelano tem sido um dos temas centrais do braço-de-ferro entre Juan Guaidó e Nicolás Maduro.
As doações oriundas dos Estados Unidos e de outros países encontram-se armazenadas em vários Estados vizinhos da Venezuela, como a Colômbia, Brasil e na ilha de Curaçao, nas Antilhas holandesas.
O Governo venezuelano tem insistido em negar a existência de uma crise humanitária no país, afirmação que contradiz os mais recentes dados das Nações Unidas, que estimam que o número atual de refugiados e migrantes da Venezuela em todo o mundo situa-se nos 3,4 milhões.
A crise política na Venezuela agravou-se em 23 de janeiro, quando Juan Guaidó se autoproclamou Presidente da República interino e declarou que assumia os poderes executivos do Presidente Nicolás Maduro.
Guaidó, 35 anos, contou de imediato com o apoio dos Estados Unidos e prometeu formar um governo de transição e organizar eleições livres.
Nicolás Maduro, 56 anos, no poder desde 2013, denunciou a iniciativa do presidente do parlamento como uma tentativa de golpe de Estado liderada pelos Estados Unidos.
A maioria dos países da União Europeia, entre os quais Portugal, reconheceram Guaidó como Presidente interino encarregado de organizar eleições livres e transparentes.
A repressão dos protestos antigovernamentais desde 23 de janeiro provocou já dezenas de mortos, de acordo com várias organizações não-governamentais.
Na Venezuela residem cerca de 300.000 portugueses ou lusodescendentes.
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