Resolução da questão do Kosovo dependente da "sabedoria" das duas partes
O embaixador da Sérvia em Lisboa disse à Lusa que todas as possibilidades permanecem em aberto em torno da questão do Kosovo, mas ainda dependentes das relações internacionais e da "sabedoria" das duas partes.
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"A situação é complicada, agora também com os EUA e Reino Unido com abordagens diferentes. Nesta situação, todas as possibilidades estão em aberto. Depende das relações internacionais, depende da sabedoria, digamos, das duas partes", referiu à Lusa o embaixador da Sérvia Oliver Antic.
"Estamos a tentar demonstrar a todo o mundo, sobretudo à Europa, mas também aos Estados Unidos, que a nossa abordagem é pacífica, normal, e que a abordagem de Pristina é inaceitável, para todos", assinalou o diplomata, doutorado em Direito pela universidade de Belgrado em 1983 e com uma longa carreira académica.
"Com esta loucura com taxas, novas plataformas, onde [os albaneses kosovares] têm todos os direitos e os sérvios nenhuns, temos ainda de lhes pagar para fazerem a sua secessão. É um caso único no mundo", comentou.
Em novembro de 2018, as autoridades albanesas kosovares impuseram uma taxa de 100% a todos os produtos provenientes da Sérvia e da Bósnia ao acusarem Belgrado de impedir o seu acesso as instituições internacionais.
Antiga província da Sérvia com maioria de população albanesa e de religião muçulmana, o Kosovo autoproclamou a independência em 2008 -- na sequência de um conflito armado (1998-1999) que implicou uma intervenção da NATO contra a Sérvia --, mas que Belgrado nunca reconheceu.
Pelo contrário, os Estados Unidos e a maioria dos países ocidentais legitimaram a independência do Kosovo, onde ainda habitam algumas centenas de milhares de sérvios ortodoxos, ao contrário da Rússia, China ou ainda cinco países da União Europeia (UE).
No sábado, David Hale, secretário de Estado norte-americano para os Assuntos Políticos, visitou Pristina para tentar que os líderes locais revoguem ou suspendam a taxa de 100%, condição para o recomeço do diálogo direto, mediado pela União Europeia e bloqueado há vários meses.
"Os Estados Unidos possuem uma forte influência sobre as autoridades do designado Kosovo. Praticamente, têm de obedecer ao que os norte-americanos ordenam", assinalou Oliver Antic.
"Mas recentemente [os kosovares] adotaram algumas atitudes que desagradaram aos norte-americanos. Tentam evitar alguns conselhos vindos dos Estados Unidos, digamos, mas são mais do que conselhos, o que tem originado esse descontentamento", acrescentou.
O primeiro-ministro kosovar Ramush Haradinaj resistiu recentemente aos apelos dos EUA para a suspensão das taxas, e disse que apenas serão eliminadas quando Belgrado reconhecer a independência do Kosovo e permitir a sua integração nas organizações internacionais.
Em resposta, a Sérvia já referiu que não participará nas negociações mediadas pela UE enquanto não for levantada a taxa de 100%. Em paralelo, Bruxelas considera que o anunciado processo de adesão de Belgrado e Pristina à União está dependente da normalização das suas relações.
"Julgo que os EUA viram o que estamos a fazer, e o que estão a fazer os albaneses kosovares. Pristina não pode fazer o que faz aos EUA. Por isso, e digamos que em câmara lenta, Washington está a alterar a sua abordagem. Não pode suceder de um dia para o outro", considerou o diplomata.
"Pristina sabe que se ficarem sozinhos, será o fim do designado governo do Kosovo... Não será proximamente, mas existem alguns sinais de que, com a pressão do Ocidente sobre Pristina, em particular dos Estados Unidos, talvez no final deste ano ou no início de 2020 possa haver alguma mudança no atual 'status quo'", perspetivou.
Com as negociações bloqueadas, o parlamento do Kosovo adotou na semana passada uma plataforma negocial para as conversações que inclui o reconhecimento mútuo e exclui uma eventual alteração das atuais fronteiras, anúncios que não foram bem recebidos em Belgrado.
Ao recorrer à sua especialização na área do Direito, o embaixador sérvio recorda todas as resoluções e decisões internacionais que contrariam a independência do Kosovo, mas não exclui um eventual entendimento.
"Não tenho a certeza, porque as nossas autoridades têm referido muitas vezes que não se pode ter tudo. Não é possível, não apenas pela lei mas também pela moral. Não tenho a certeza o que poderá suceder no futuro", admitiu.
No entanto, não duvida que o projeto da "Grande Albânia", que unificaria todos os territórios com populações albanesas nos Balcãs (Albânia, Kosovo, oste da Macedónia do Norte) se mantém ativo.
"É um objetivo antigo. Não há fronteiras entre o Kosovo e a Albânia. E não são membros da UE. Estão a erguer uma nova e grande Albânia, é óbvio. Mas a Europa e os Estados Unidos devem ver o que estão a fazer os albaneses. E por isso estão sempre a rejeitar os compromissos que inclusivamente assinaram", asseverou.
"Assinaram o acordo sobre a formação de uma associação de municípios sérvios no Kosovo, mas não permitem que seja feita. E estão sempre a bloquear as negociações", precisou.
No entanto, o embaixador sérvio também denota um comportamento errático de Pristina, ao associar os líderes albaneses kosovares, de acordo com a lei islâmica, aos al-Ilhad, os não crentes ou ateus.
"No Kosovo os al-Ilhad estão no poder, não vão à mesquita, são não-crentes. Quanto o Presidente da Turquia [Recep Tayyip Erdogan] esteve pela última vez no Kosovo perguntou a Hashim Thaçi [o Presidente] e a outros se iam às mesquitas, e eles responderam que não", frisou Oliver Antic.
"Assim, alguns Estados islâmicos cometeram um pecado contra o Islão ao apoiarem a al-Ilhad, sem saberem que eram ateus. É importante sublinhar, porque os árabes e outros Estados islâmicos amigos foram enganados pelas autoridades do Kosovo. E cometeram um pecado de acordo com a lei islâmica", sustentou ainda.
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