Venezuela é um país em que "30% dos trabalhadores não conseguem comer"
O deputado na Assembleia Nacional da Venezuela José Guerra afirma que a crise no país é a pior de sempre, com um salário mínimo que vale três dólares mensais, "quer dizer que 30% dos trabalhadores não conseguem comer".
© Lusa
Mundo José Guerra
A fome e a ruína do tecido económico são uma realidade que nada tem a ver com o país dos anos 70, "um país que tinha o salário médio mais alto da América Latina", afirma o deputado, em entrevista à agência Lusa.
"Esse país já não existe", diz o deputado para quem a responsabilidade desta degradação económica e social resulta de "um modelo político que se chama socialismo do século XXI".
Aponta uma estatística como exemplo: A Petróleos da Venezuela era a terceira ou quarta mais importante petrolífera do mundo, depois da Exxon Mobile, da Shell e da Aramco da Arábia Saudita. "Agora está no 20.º lugar mundial".
Produzia em 1998 cerca de 3.500 milhões de barris diários, hoje produz 700 mil barris diários. Uma queda impressionante.
Para o deputado, os venezuelanos estão a viver nos limites. "Comem mal. Uns 70% da população não comem o que deviam, estima-se que 50% das famílias não comem três refeições por dia e a maioria vive de remessas de familiares que estão na Europa, Estados Unidos e América Latina".
Diz que uma poupança de 100 euros mensais de um familiar na Europa permite sobreviver nos limites mínimos.
"Não há salários. Não há trabalho. As empresas estão a trabalhar a 30%...", disse.
Sobre a ação política de dia 30, quando o Presidente interino Juan Guaidó anunciou o apoio de militares para uma transição de regime, José Guerra diz que alguns falam em 'golpe' mas estão enganados: "Não houve nenhum golpe, porque se trata de restaurar a democracia e encontrar uma saída política para uma crise".
O político da oposição defende que "havia conversações com militares, e Supremo Tribunal de Justiça, que iam fazer uma declaração buscando uma saída para a crise. Uma ação cívica com componente militar chamando à restituição da legalidade democrática e sobretudo a eleições". Só que, à última hora, "foi abortado. E os acontecimentos precipitaram-se. Agora estamos num limbo".
A solução que aponta é uma negociação para se acordar eleições presidenciais transparentes.
Quanto à cada vez mais falada eventual entrada de forças norte-americanas no país, o deputado admite que existam razões para que se defenda isso, mas considera indesejável. "Os americanos vêm com tropas e tomam isto, com uns combates, mortes e feridos. Sem dúvida. O problema é depois". Fala na Venezuela como um "campo de experimentação" entre Estados Unidos e Rússia, com a participação de Rússia, Cuba e Turquia.
"A Rússia tem aqui forças militares. E Cuba também. Militares disfarçados de médicos e desportistas, como havia em Angola e Moçambique".
Questionado sobre o facto de alguns partidos democráticos europeus apoiarem o regime de Maduro, como o Podemos, ou mesmo o Partido Comunista português, o deputado afirma que tem a ver com a característica da "ditadura chavista" que é "uma ditadura do século XXI".
Mas não tem dúvidas de que é uma ditadura: "Não há separação de poderes. Ilegalizaram os partidos. É uma ditadura aberta, mas repressiva. Proíbe a ação da imprensa, diretamente. Quantos órgãos [de comunicação social] foram fechados? Muitos. Veja como atua a polícia e a Guarda Nacional, 54 pessoas mortas só nos protestos de 2019".
O deputado lembra que as pessoas pensam sempre nas ditaduras tradicionais, mas esta é diferente. "Veja, na tv cabo, aqui não se pode ver a BBC, não se pode ver CNN internacional, não se pode ver canais da Argentina, da Colômbia, isto não é um país democrático".
E mais: "Cada vez que há um acontecimento promovido pela oposição cortam o Youtube, Facebook, Twitter, Instagram, Whatsapp..."
Refere muitos sinais de ditadura. Mas realça a marcação de eleições. "Não há eleições nas datas previstas, é só quando regime quer que haja".
A legitimidade do regime do Presidente Nicolás Maduro é questionada há vários meses internamente, pela oposição e pela população nas ruas, mas também a nível internacional.
No final de janeiro deste ano, o presidente do parlamento venezuelano, Juan Guaidó, autoproclamou-se Presidente interino da Venezuela e foi reconhecido por mais de 50 países, indicando objetivo de conduzir o país à realização de "eleições livres e transparentes".
Guaidó, que tem estado na rua com a população, em gigantescos protestos, e que anunciou na passada terça-feira o apoio de uma parte das Forças Armadas do país - embora estas tenham depois assegurado que se mantêm leais a Maduro -, pede saída do líder chavista e marcação de eleições transparentes.
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