Passaram horas a discutir poder e corrupção, processos e ameaças, mas a sua última conversa foi sobre o que iam comer ao jantar. Quando Daphne Caruana Galizia, a reconhecida jornalista de investigação maltesa, saiu de casa para ir ao banco recuperar o controlo da sua conta bancária que tinha sido congelada a pedido de um ministro do governo maltês, o seu filho Matthew ofereceu-se para fazer ravioli. Brincaram sobre o seu jeito para cozinhar e de repente... a mãe já não estava ali.
Momentos mais tarde ouviu-se uma explosão. Tinha sido posta uma bomba debaixo do assento do carro de Daphne que fez com que o carro e a ocupante ficassem em pedaços. Conta o Guardian que para Matthew, que chegou dentro de minutos ao local, foi um choque, mas não uma surpresa.
As notícias do seu homicídio correram o mundo e chamaram a atenção para os assuntos a que Daphne tinha dedicado a vida a expor como o clientelismo e a corrupção entre a elite política e de negócios em Malta. A sua história foi transformada num documentário dramatizado de cinco partes - 'Daphne: A Fire in Malta' - vai ser transmitido na BBC Radio 4.
Mas nem tudo vai ser estritamente baseado em factos. "Há muito que não sabemos e algumas coisas que tivemos de imaginar", explica o narrador no início de cada episódio. Mas a dramatização humaniza a jornalista determinada e empenhada e o impacto do seu trabalho no seu marido e nos três filhos.
"Nunca conheci ninguém como a minha mãe", referiu Matthew, também jornalista de investigação ao Observer, acrescentando que Daphne "tinha a energia de dez pessoas. Podia fazer tanta coisa ao mesmo tempo, conseguir tanto. Nunca fez nada às metades, fazia tudo com paixão e inteligência".
Alguns episódios recontados por Matthew fazem perceber em que ambiente ameaçador vivia Daphne. A garganta do seu cão tinha sido cortada, a casa de família tinha sido alvo de um incêndio, havia chamadas, cartas, mensagens a ameaçá-la e na altura da sua morte tinha 47 processos impostos contra si. O motivo? O seu blog 'Running Comentary' onde eram investigados e denunciados vários nomes da elite política e de negócios de Malta. Incluindo o primeiro-ministro Joseph Muscat e os seus aliados.
Daphne e o filho, Matthew, tinham passado a pente fino os Panama Papers, uma das maiores fugas de dados da história, para obter informação sobre má-conduta maltesa. O seu blog tinha conseguido ir a fundo sobre "alegações de corrupção, crime organizado e falhas éticas a todos os níveis da sociedade maltesa" conta o documentário radiofónico. "Daphne tornou-se um espinho e estava em guerra com algumas das pessoas mais poderosas do país", é ainda referido.
"A minha mãe vivia com medo, mas também estava focada em fazer o seu trabalho. Recusava-se a ceder à intimidação". Semanas depois da sua morte, três pessoas foram acusadas da sua morte, do uso criminoso de explosivos, conspiração criminosa e de estarem envolvidos com crime organizado. mas até então não houve nenhum julgamento e há receio de que os suspeitos sejam libertados sob fiança em breve.
A semana passada o Conselho da Europa pediu para que fosse levada a cabo uma investigação independente à morte de Daphne.
"Apesar de as ameaças ainda existirem, não vamos deixar que isso nos páre. Estou orgulhoso da minha mãe. Claro que preferia que estivesse viva, mas estou orgulhoso que tenha sido isto que tenha sido preciso para a parar", rematou.
'Daphne: A Fire In Malta' vai começar a ser transmitido esta segunda-feira na BBC Radio 4