Pioneiro dos fundos oceânicos Don Walsh nunca tirou os olhos do mar
Dos fundos negros do Pacífico aos gelos eternos dos polos, o oceanógrafo Don Walsh aponta os oceanos como fonte inesgotável de emoções, conhecimento e noção de que a Natureza responde aos abusos com calamidades.
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Mundo Oceano
Em Lisboa para a Global Exploration Summit, que termina hoje, Don Walsh disse à Lusa que "se se quer ter um momento de fama, é ir para os oceanos, porque sempre que se põe lá o pé, descobre-se qualquer coisa nova".
Em 1960, a bordo de uma missão da Marinha norte-americana usando tecnologia revolucionária para a altura, Don Walsh, juntamente com o suíço Jacques Piccard, foi mais fundo do que qualquer outra pessoa, porque nenhum oficial da Marinha norte-americana respondeu à mensagem pedindo voluntários que ele próprio enviou.
Havia em toda a Marinha 70 oficiais em condições de serem aceites, incluindo Walsh, que conseguiu chegar a comandar submarinos, mas fora do escalão superior, o nuclear.
"Não me deixavam brincar com as coisas mais extravagantes. Eu não fazia ideia do que era o programa do batíscafo Trieste, criado por Piccard. Só havia dois no mundo, a marinha francesa tinha um e a dos Estados Unidos tinha outro. Ninguém se ofereceu, eu fui o único", contou, acrescentando que aprendeu tudo o que havia a saber sobre o veículo trabalhando em toda a sua manutenção, da pintura aos parafusos.
Nos submarinos a diesel, a profundidade máxima a que Don Walsh tinha chegado era 100 metros, mas em 1960 fez história ao descer com Jacques Piccard, a quase onze mil metros de profundidade, na parte mais profunda da Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico.
"Tive a sensação, quando olhei pelas escotilhas, que estava a ver o que mais nenhum ser humano tinha visto. Que estava num lugar desconhecido. Era muito divertido", afirmou.
Essa experiência pioneira moldou o resto da vida de Don Walsh, que mantém aos 87 anos a mesma prontidão para ir à aventura: "parava já esta entrevista se alguém me dissesse: 'tenho aqui um avião, vamos à Antártida'".
"Já almocei no Titanic, no fundo do Oceano Atlântico, dentro de um submersível russo. Estávamos a 4.000 metros de profundidade, num mergulho de doze horas. A meio, pousámos na ponte do Titanic, onde o comandante [Edward] Smith foi visto pela última vez. Abrimos as marmitas e almoçámos. E fiz o mesmo no couraçado alemão da Segunda Guerra Mundial Bismarck, a 5.000 metros de profundidade. Pousámos no convés onde Adolf Hitler tinha feito uma visita ao navio, no Báltico, antes de este partir para a sua última viagem", contou.
Don Walsh, cuja primeira viagem como marinheiro teve Lisboa como destino, nos anos 50, a bordo do couraçado USS Wisconsin, aponta um mergulho em particular como o mais interessante de sempre.
Foi quando desceu a 3.000 metros de profundidade para observar as chamadas fumarolas negras, as fontes hidrotermais de onde brota água aquecida a centenas de graus no fundo Atlântico, próximo do arquipélago dos Açores, onde viu pela primeira vez "formas de vida completamente desconhecidas".
"Quando eu andava na escola, não sabíamos de nada disto. No fundo o oceano há um sistema vivo paralelo que nada sabe do Sol. É como visitar outro planeta. A fonte de energia não é o Sol, são compostos químicos que vêm do interior da Terra", e é isso e os nutrientes libertados que sustentam os animais que se veem nessas profundidades.
"Vemos camarões, caranguejos e peixes que têm formas semelhantes ao que estamos habituados a ver à superfície. Há algo a aprender com os processos químicos que mantêm estas comunidades, temos que as estudar".
O explorador teve que se habituar, nos últimos anos a conviver com a poluição crescente, nomeadamente a dos plásticos e microplásticos, de que fala regularmente nas conferências em navios de cruzeiro, que lhe garantem dois meses por ano no mar, com os restantes passados na sua casa no Oregon, Estados Unidos, numa zona onde "vivem dez pessoas" e a localidade mais próxima fica a dez quilómetros.
"Não sabemos como nos livrar disto. Toda a gente que comeu peixe comeu plástico. Há mais pedaços de plástico no mar que estrelas na Via Láctea e isto aconteceu nos últimos sessenta anos", lamenta.
"As minhas 80 viagens às regiões polares deram-me uma ideia bastante boa destes confins remotos da Terra e como estão a mudar por causa do aquecimento global", acrescentou.
Na Antártida, um continente com menos chuva do que a Arábia Saudita, "nunca se via chover água, só neve", mas isso mudou e para Don Walsh, é um sinal de que é preciso prestar atenção à Natureza, de que só se pode abusar até certo ponto "antes de acontecerem calamidades".
"Não conseguimos impedir os oceanos de aquecer, isso é um processo natural, mas o que fazemos só está a apressar o dia em que o nível do mar terá subido tanto que as pessoas têm que sair. E oito em cada dez cidades do mundo é costeira e 70% da população mundial vive a menos de 100 quilómetros do mar", disse.
As calamidades não acontecerão "amanhã, porque é gradual, a Natureza move-se devagar, mas é inexorável, não se pode travar".
Embora a vontade de aventura não se tenha esbatido, Don Walsh só trava porque "por causa da idade, não há tantos convites para ir a lugares estranhos".
"Em terra, não há tantos lugares onde se possa ir pela primeira vez. Mas só 10% dos oceanos estão estudados. Se se quiser ter o ego satisfeito por ser um pioneiro, é entrar. A água está ótima", sugeriu.
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