"Toda a minha vida foi no Leste: o meu trabalho, família, amigos, as minhas atividades. Como a cidade esteve dividida, existia tudo a dobrar, universidades, salas de concertos, jardins zoológicos. Tudo o que havia no lado ocidental, também existia no lado oriental. Por isso nunca senti a divisão porque vivi sempre no meu 'mundo oriental'", conta o estudante de doutoramento à agência Lusa a propósito dos 30 anos da queda do muro de Berlim, a 09 de novembro de 1989.
Karen Hoffmann, também de 1989, teve a "sorte" de nascer na República Democrática Alemã (RDA) uns meses antes da queda do muro de Berlim, caso contrário, os pais não teriam arriscado outro filho "devido à insegurança social, política e económica" que se viveu nessa altura.
"Quando era criança, não posso dizer que senti a divisão da minha cidade natal, talvez em parte porque Berlim é uma cidade muito grande. Mas claro que quando comecei a crescer, fui-me tornando mais consciente e aprendendo mais sobre o que aconteceu em 1989", partilha.
Também Felix Specht, outro berlinense de 1989, de pouco se apercebeu quando era criança. Lembra que o colapso da União Soviética e da cortina de ferro também se deveu à bancarrota da RDA e essa falta de dinheiro deixou imagens difíceis de esquecer.
"As casas estavam em ruínas, as ruas destruídas". Mas este alemão nascido pouco depois da abertura do muro, no lado ocidental, foi crescendo e vendo crescer o outro lado.
"A antiga RDA teve um desenvolvimento rápido. Berlim começou a ficar 'trendy' e velhas partes da cidade foram renovadas, tornando-se hoje muito chiques. Em algumas zonas só conseguimos notar que estamos no antigo leste por causa dos semáforos", descreve à Lusa.
"Os meus pais contam-me muitas vezes como a vida na RDA era diferente, e como algumas coisas eram melhores. Por exemplo, ouço que naquela altura todas as pessoas tinham emprego, apesar de muitos trabalham não serem realmente necessários. Depois da reunificação, o desemprego tornou-se um problema sério na parte oriental da Alemanha", lamenta David Furkert.
"Esta realidade faz com que muitas pessoas comparem os dois cenários e sintam faltam do que tinham na RDA. Há até um conceito muito particular que descreve isso mesmo, chama-se 'ostalgie', uma mistura de 'Ost' com 'nostalgia'", explica.
"Muitos elementos da minha família perderam os seus empregos depois do colapso da RDA", confessa Karen Hoffmann.
"Isto não aconteceu apenas porque os órgãos oficiais do governo foram suspensos, mas também porque muitas empresas, que também pertenciam ao estado, fecharam e foram vendidas a proprietários privados", revela, frisando o grande desafio que esses tempos constituíram para a família.
"Os meus pais ficaram bastante surpreendidos com a queda do muro, já que estavam nesse exato dia a mudar de apartamento comigo e com a minha irmã mais velha", recorda.
"A maior parte dos berlinenses tinha-se conformado com o fato de viver numa cidade muralhada onde era impossível circular livremente. No lado ocidental era como viver numa pequena ilha", compara Felix Specht.
"De repente, a 09 de novembro, tudo isso tinha terminado. As pessoas não queriam acreditar que estava mesmo a acontecer. Ligaram a televisão e tiveram de ir pessoalmente ao muro para acreditar que ele estava realmente a abrir-se. Deve ter sido muito emocionante!", exclama.
A reunificação só aconteceria quase um ano depois, a 03 de outubro de 1990. Atualmente "a Alemanha é um país, no que diz respeito à estrutura, burocracia e administração", esclarece David, "no entanto, na cabeça de muitas pessoas, ainda existe uma divisão".
"Houve pessoas que tiveram muitas dificuldades com a queda do muro: perderam os empregos, a ideologia, os planos de futuro, e ainda estão a curar todas essas feridas. Principalmente os alemães de leste", continua.
"Durante a RDA, as pessoas não questionavam o governo, havia apenas dois lados, ou eras contra ou a favor. Não existia meio termo nem cedências. Esta mentalidade dual ainda se mantém, o que não é bom. O processo de reunificação está completo, mas deixou cicatrizes. Não aconteceu há muito tempo e ainda conseguimos ver os efeitos nas gerações dos nosso pais e avós", precisou David Furkert.
"Acho que ainda existe uma divisão socioeconómica na Alemanha que se manifesta no fortalecimento da extrema direita, especialmente na antiga RDA", considera Karen Hoffmann.
Para Felix Specht a reunificação, tanto em Berlim como em grande parte do país, foi bem-sucedida.
"Apenas uma minoria não está contente, Berlim é hoje uma só cidade e a Alemanha um só país", conclui.