No dia 21 de janeiro de 2010, o Supremo Tribunal de Justiça deu razão a uma organização conservadora (Citizens United), que em 2002 tinha tentado divulgar nos 'media' um filme que produzira, crítico da então candidata democrata Hillary Clinton, num caso judicial contra a Comissão Federal de Eleições, que invocava a legislação que proibia qualquer empresa, associação ou sindicato de financiar atividades de campanha a menos de 60 dias de uma eleição.
A decisão do Supremo alegou a cláusula de liberdade de expressão da primeira emenda da Constituição norte-americana para justificar a proibição de qualquer restrição a gastos de corporações em campanhas eleitorais.
A sentença gerou enorme polémica e muita discussão pública, ao mesmo tempo que recebeu o apoio de movimentos políticos, sobretudo do lado conservador, que elogiaram o espírito de liberdade que a nova regra adicionava ao funcionamento do sistema político.
Na verdade, os estudos indicam que são sobretudo os candidatos republicanos quem mais beneficia da alteração de regras verificada a partir de 2010, embora o Partido Democrata tenha vários exemplos de proveito da situação, como aconteceu com a campanha de Hillary Clinton, nas presidenciais de 2016.
O senador republicano Mitch McConnell, hoje líder da bancada do seu partido no Senado, aplaudiu, em 2010, a decisão judicial dizendo que se tratava de "um importante passo para a restauração dos direitos da primeira emenda", referindo-se ao direito à liberdade de expressão.
Do lado democrata, não tardaram as vozes críticas, que se colocaram ao lado de John Paul Stevens, um dos quatro juízes que votaram derrotados (numa escolha aprovada por cinco juízes), quando o jurista chamou atenção para o risco de aumento de corrupção no sistema político, ao abrir-se uma enorme porta ao "uso impróprio de dinheiro para influenciar o resultado de uma eleição".
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça em janeiro de 2010 foi aproveitada por ambos os partidos e usada por numerosos candidatos desde então, apesar dos alertas deixados pelo então Presidente democrata Barack Obama.
Obama disse que a decisão dava "aos grupos especiais de interesses e aos seus lobistas ainda mais poder em Washington", ao mesmo tempo que minava "a influência do normal cidadão que faz pequenos donativos para apoiar o seu candidato preferencial".
Na campanha das primárias democratas para a escolha do candidato às eleições presidenciais de novembro próximo, vários políticos manifestaram o seu desconforto com a forma como as grandes corporações distorcem o modelo de financiamento das candidaturas.
Cory Booker e Kamala Harris foram dois dos candidatos democratas que já desistiram da sua corrida presidencial, alegando para a sua desistência, entre outros, motivos financeiros, queixando-se de que alguns dos seus adversários se tornavam difíceis de combater politicamente devido ao financiamento de grandes organizações.
Mas várias análises demonstram que, em geral, são os candidatos republicanos quem mais tem a ganhar com as regras de financiamento de campanhas.
Um estudo feito por especialistas de várias universidades de referência, em 2016, dizia que as regras permitidas pela decisão do Supremo Tribunal conduziram a um amento de 05% a média de lugares republicanos no Congresso.
Em 2015, o jornal The New York Times dizia que as 158 famílias mais ricas dos EUA tinham contribuído, cada uma, com mais de 250 mil dólares (mais de 200 mil euros) para as diversas candidaturas nas eleições presidenciais do ano seguinte.
A organização Public Citizen fez as contas ao impacto da decisão do Supremo Tribunal, no que diz respeito ao dinheiro obtido junto de organizações, e concluiu que esses grandes donativos passaram de 338 milhões de dólares (cerca de 300 milhões de euros) em 2008 para 1,417 milhões de dólares (cerca de 1,200 milhões de euros) na campanha de 2016, entre Hillary Clinton e Donald Trump.
Mas nessa campanha presidencial de 2016, curiosamente, foi a democrata Hillary Clinton quem mais beneficiou dos grandes donativos de corporações, um facto que vários analistas consideram que poderá ter pesado na construção de imagem de candidata associada aos interesses corporativos de Washington.