Jon Zelner é especialista em epidemiologia da Escola de Saúde Pública da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e, em entrevista ao jornal Globo, defende que a segregação existente nos sistemas de saúde se irá acentuar durante a presente pandemia que o mundo enfrenta.
Numa longa conversa com a publicação brasileira, Zelner defende que as diferenças sociais entre brancos e negros se irão acentuar e alerta para que a pandemia possa abrir portas para perda de liberdades.
"[As pessoas com mais rendimento] trabalham no enquadramento de home office, sem perder o emprego. Fazem compras sem ir ao supermercado. Têm um bom seguro de saúde e atendimento médico. Os mais pobres precisam de recorrer ao hospital e não recebem informações sobre o seu tratamento. Também são vítimas de preconceito, principalmente os negros. A pandemia é nova, mas a segregação no sistema de saúde continua no molde de outras doenças com as quais lidamos há algum tempo, como cancro ou problemas cardiovasculares", começa por defender, lembrando depois as dificuldades de isolamento social para as pessoas com condição financeira mais precária.
"Esse é o problema mais difícil na contenção do vírus. As recomendações sanitárias funcionam bem se tivermos a capacidade de nos isolarmos e vivermos numa casa que permita minimizar contatos com os outros. Acredito que a única maneira de permitir que todos sigam as diretrizes da OMS é fornecer o suporte financeiro e de infraestruturas para isso", continua Zelner, acrescentando que "a desigualdade que vemos sobre as vítimas do coronavírus, como a constatação de que os mais pobres equivalem à maioria dos infectados e mortos, também não é inédita".
Falando de seguida num período pós-pandemia, este especialista defende que tudo será diferente e precisará de ajustes constantes, mas lembra que estão abertas as portas para perda de liberdades por parte dos cidadãos.
"(...) Os governos vão ficar obcecados por soluções contra novas pandemias. Mas algumas políticas podem ser implementadas juntamente com uma questionável intromissão à sociedade. A China, por exemplo, recorreu a softwares para monitorizar os seus cidadãos e impedi-los de violar a quarentena. Outros países usaram câmeras para esta mesma finalidade. Essa vigilância, que foi um bem valioso, continuará a ser usada de alguma forma benéfica à população? Nós, americanos, abrimos mão de uma quantidade significativa de direitos e privacidade após atentados como o 11 de Setembro", lembra, concluindo que "os cidadãos podem perder direitos após o coronavírus".