"É um atestado de óbito à autonomia de Hong Kong, garantida pelo princípio 'Um país, dois sistemas'", defendeu o vice-coordenador da Frente Cívica de Direitos Humanos (FCDH), que representa mais de uma dezena de partidos e organizações não-governamentais.
"A comunidade internacional reconhece as experiências das pessoas em Hong Kong de que não se pode confiar mais no Estado de Direito e na independência judicial na cidade", acrescentou Eric Lai, do movimento que, segundo estimativas próprias, foi responsável por manifestações que, no ano passado, levaram à rua um milhão de pessoas em 09 de junho, dois milhões em 16 de junho e 1,7 milhões em 18 de agosto. Esta última tinha sido proibida pela polícia.
Os protestos em 2019 surgiram por causa da proposta de emendas à lei da extradição, que permitiria o envio de suspeitos de crimes para a China, mas que acabou por ser abandonada após meses de confrontos nas ruas.
As reivindicações dos manifestantes acabaram por evoluir para a exigência de reformas democráticas que garantissem eleições livres e o sufrágio universal no território.
Pequim chegou mesmo a posicionar tropas em Shenzhen, cidade vizinha de Hong Kong, com a China a ser alvo de críticas da comunidade internacional.
Agora, com esta decisão, "é previsível que o Governo chinês arque com consequências substanciais por manchar a reputação de Hong Kong como um centro financeiro global e uma janela liberal tanto para o Ocidente, como para a China", argumentou o vice-coordenador da FCDH.
De resto, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Austrália já acusaram a China de violar as obrigações internacionais, enquanto a diplomacia chinesa já considerou "bárbara" a decisão de Washington de revogar o estatuto especial de Hong Kong.
O tratamento de exceção permite a Hong Kong manter-se como centro financeiro internacional, tal como Londres ou Nova Iorque.
Quarta praça financeira a nível global, o território tem beneficiado de liberdades que não existem na China continental: uma economia de mercado livre, sistema judicial independente, liberdade de expressão e um parlamento local eleito parcialmente por sufrágio universal.
Tal como o Governo chinês, a chefe do Executivo do território, Carrie Lam, garantiu que a lei apenas "visa impedir, coibir e sancionar uma minoria extremamente pequena de criminosos que ameaçam a segurança nacional, salvaguardando a prosperidade e a estabilidade de Hong Kong e mantendo [o princípio de] 'um país, dois sistemas' (...) e que não vai afetar os direitos e liberdades legítimos usufruídos pelos residentes".
A Assembleia Popular Nacional (APN), que é o órgão máximo legislativo da China, aprovou na quinta-feira a controversa proposta de lei de segurança nacional para Hong Kong.
A lei em causa proíbe "qualquer ato de traição, separação, rebelião, subversão contra o Governo Popular Central, roubo de segredos de estado, a organização de atividades em Hong Kong por parte de organizações políticas estrangeiras e o estabelecimento de laços com organizações políticas estrangeiras por parte de organizações políticas de Hong Kong".
A ação de Pequim parece estar a reacender a 'chama' dos protestos pró-democracia em Hong Kong, num momento em que estão agendadas eleições para o parlamento de Hong Kong em setembro, após a ala pró-Pequim ter perdido as eleições locais em 17 dos 18 distritos.
Hong Kong regressou à China em 1997 sob um acordo que garantia ao território 50 anos de autonomia e liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio "um país, dois sistemas".
Tal como acontece desde 1999 com Macau, a vizinha região administrativa especial chinesa, para Hong Kong foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judicial, com o Governo central chinês a ser responsável pelas relações externas e defesa.