Gauteng, envolvente a Joanesburgo, é a província mais populosa da África do Sul, com cerca de 15,5 milhões de habitantes dos cerca de 60 milhões, e voltou este mês a ser o epicentro da doença, com 36,7% dos casos de infeção (133.617 casos), segundo as autoridades.
O número de mortes anunciadas pelo Governo é de 5.033 dos 364.328 casos confirmados, o que faz da África do Sul o país com maior número de infeções por covid-19 no continente africano e o quinto mais afetado globalmente, depois dos Estados Unidos, Brasil, Índia e Rússia.
Na tentativa de reativar a economia do país, a mais industrializada do continente e pressionado pela sua base eleitoral, segundo observadores, o Governo do Presidente Cyril Ramaphosa, que é também presidente do Congresso Nacional Africano (ANC), no poder desde 1994, recuou para autorizar o setor privado de carrinhas-táxi a transportar o limite máximo de passageiros para o qual os veículos estão licenciados, que varia entre 15 e 30 pessoas, apesar do novo recolher obrigatório e novas medidas de confinamento.
"Tenho medo da covid-19 porque o facto de ter que me deslocar num táxi [miniautocarro] todos os dias, que agora está autorizado a transportar a capacidade máxima, é um problema, porque 15 pessoas juntas no veículo, sem poderem abrir janelas e ter de tocar em dinheiro é muito assustador", relatou à Lusa uma utente, Remate Keaphoca.
A jornada diária desta sul-africana entre Tembisa e Joanesburgo envolve longas filas de espera e a partilha do veículo de transporte com pelo menos outros 15 passageiros, sem distanciamento social nem higienização durante cerca de duas horas.
Os taxistas, acrescenta, conduzem "a uma velocidade superior a 120 e 140 quilómetros/hora" e por isso a medida de abertura de janelas anunciada pelo chefe de Estado sul-africano "não vai resultar".
Por outro lado, Remate Keaphoca sublinha ainda que as tarifas aumentaram devido à covid-19, custando agora 23 rands (1,20 euros) por cada ida para o trabalho (era 17,5 rands).
"O Governo não quer saber de nós e do nosso bem-estar com esta situação da covid-19 (...) os táxis não são seguros, é demasiado arriscado", refere, acrescentando que a desinfeção dos veículos naquela rota "é feita uma vez por dia" mas que "na hora de pico" no período da manhã "não têm tempo para isso, e alguns não têm posses para comprar desinfetantes".
"Gostaria que o nosso Presidente ou alguns dos nossos ministros pudessem viajar um dia de táxi para constatarem e sentirem o que temos de enfrentar todos os dias. É uma realidade para a qual não temos alternativa. É doloroso", afirmou Remate Keaphoca.
Tembisa é o segundo maior município da província de Gauteng, depois de Soweto, epicentro da pandemia do novo coranavírus nesta região do país, segundo dados oficiais.
Situação idêntica relatou à Lusa Connie Mamabolo, residente em Ebony Park, Midrand, para quem 44 rands (2,30 euros) de tarifa diária envolve uma viagem de 45 minutos até ao trabalho em que adultos e crianças chegam a aguardar cerca de 20 minutos dentro do veículo até que esteja apto a partir com a lotação esgotada.
"É frustrante porque com esta situação da covid-19 todos usamos máscara, mas não estamos cem por cento seguros de que não haverá contágio porque o Presidente da República agora diz que os táxis devem transportar a capacidade total", lamenta.
"No início [março] foi adequado estipular até 10 passageiros porque havia distanciamento social, mas isso deixou de existir, (...) o Governo agora não quer saber, os veículos andam com a capacidade máxima de passageiros e a tarifa aumentou de 17 para 22 rands, em vez de decrescer", afirma.
Josephine Mokhgallan reside no bairro informal de Diepsloot, onde a carência de serviços básicos de eletricidade, água e saneamento da rede municipal de Joanesburgo (Congresso Nacional Africano - ANC) é visível.
No início da eclosão da pandemia, em março, o governador da província David Makhura, político do ANC, visitou esta favela para distribuir barras de sabão aos residentes locais como parte de uma campanha de sensibilização de saúde pública organizada por uma organização local.
Os residentes agradeceram a iniciativa, mas questionaram como o fazer sem acesso a água e saneamento da rede municipal.
"Não é de todo seguro porque os táxis circulam repletos (...) Usamos máscara, mas nem sempre há desinfetante, são 16 passageiros e o condutor", afirma à Lusa Josephine.
Até ao local de trabalho, uma grande superfície no norte da cidade, Josephine recorre apenas a um táxi, mas já a sua colega de trabalho Mary Mokoena, que reside no bairro de Naledi, no Soweto, tem de fazer duas ligações num percurso de cerca de duas horas.
"Não é uma situação segura e estamos no inverno, está muito frio, principalmente por ser uma viagem longa e na autoestrada o frio faz-se sentir muito mais no veículo", adianta Mary, que gasta 30 rands (1,60 euros) por dia em tarifas de transporte.
"A situação de covid-19 no Soweto é grave, as pessoas estão a morrer, nomeadamente os mais velhos, todos os dias sabemos de alguém que morreu (...). Os hospitais estão cheios, não é fácil ir lá fazer o teste [de covid-19]", salienta Mary Mokoena.
Por seu lado, Makgadi Molefe, que também reside no Soweto, em Protea Glen, começa o dia às 05:00 para entrar às 09:00 no trabalho e reforça a gravidade da situação: "Os veículos andam repletos com passageiros, não há distanciamento social, usamos máscara, desinfetamos as mãos e só temos que ter a esperança de que tudo vai correr bem", afirma.
"Estou mesmo com muito receio da covid-19, as pessoas estão a morrer. Não entendo como é que viajar de táxi com janelas abertas vai impedir a propagação da covid-19", questioa.