Investigadora angolana alerta para aumento de agressões sexuais em Angola
As agressões sexuais a crianças têm "crescido bastante" em Angola nos últimos anos e ocorrem mais frequentemente no seio familiar, segundo a investigadora Ana Panzo, autora da obra 'Agressores Sexuais de Menores', que será lançada na próxima sexta-feira.
© Lusa
Mundo Agressão sexual
Ana Isabel Marques Panzo é psicóloga dos Serviços Penitenciários de Angola e faz parte de uma unidade de investigação da província de Benguela, e decidiu aprofundar este tema, que inicialmente foi a defesa pública da sua dissertação de mestrado, devido à gravidade da situação.
Em declarações à agência Lusa, a autora sublinhou que "o número tem crescido bastante" e que são várias as motivações, sendo a principal a da satisfação sexual, o que a levou a concluir que a maioria dos casos no país são protagonizados por pedófilos, cujo comportamento se difere de um simples agressor sexual, que pratica o ato por se encontrar sob efeito de alguma substância psicoativa.
"Consegui perceber que a maior parte dos agressores são pessoas muito próximas das vítimas, têm algum grau de parentesco, desde irmãos, pais, padrastos, tios", referiu.
Em Angola, de acordo com a autora da obra, o seio familiar é onde ocorre a maior parte deste tipo de crime, que também pode acontecer em outros lugares, como escolas ou locais públicos.
A escritora e subinspetora prisional disse que a obra foi elaborada com base numa investigação que realizou a nove estabelecimentos penitenciários nas províncias do Bengo, Benguela e Luanda, iniciada em 2018 e concluída em finais do ano passado.
"Quando vamos para um estabelecimento penitenciário encontramos crime contra a pessoa ou crimes de violência. Então, a minha tarefa, muito árdua, foi a de ter que selecionar quais são os indivíduos que agrediram crianças e os que agrediram pessoas adultas do ponto de vista sexual. E os agressores que eu encontrei nos estabelecimentos, os que agrediram sexualmente os menores, o número era muito considerável", indicou.
Segundo Ana Panzo, a obra com 115 páginas traz o contexto e perfil dos agressores sexuais de crianças, uma resenha sobre os vários tipos de maus tratos a que as crianças estão propensas, onde ocorrem e as causas.
"Falo também um bocadinho sobre o perfil dos agressores sexuais de menores, quem são os indivíduos, como atraem as vítimas para si, quais são os processos que passam até à consumação do ato e falo das consequências da agressão sexual e no final apresento um estudo que foi realizado nos vários estabelecimentos a nível nacional com os agressores sexuais de forma presencial", explicou.
A crença no feiticismo tem sido muitas vezes evocada por agressores sexuais de menores no país. Questionada se observou respostas como estas, Ana Pazo confirmou, salientando que muitos "alegaram que eram forças ocultas, que não sabiam por que motivo, carga de água, eles agrediram as crianças".
"Mas com uma intervenção bem mais profunda acabamos por saber que as respostas dadas por eles são simplesmente para tirar-lhes a culpa, então preferem dizer que estavam enfeitiçados, que estavam possuídos por alguma força oculta, do que dizer que é a satisfação sexual", frisou.
A obra traz relatos de reclusos que agrediram crianças desde os 2 até aos 16 anos.
"É importante realçar que esses indivíduos têm consciência do que fazem, mas ainda assim devemos assumir que são indivíduos saudáveis do ponto de vista físico, mas são doentes do ponto de vista psicológico, o que não lhes retira a culpa", considerou.
Instada a contar um caso que a tivesse marcado no trabalho, a psicóloga lembrou-se do indivíduo que violou uma criança de 4 anos, alegando que a criança o assediava.
"É impressionante, fiquei de boca aberta, perguntei como é que uma criança de 4 anos o assediava e ele disse que sempre que a criança se levantava - viviam num quintal comum -, saía da casa dela nua e ficava a rodear pelo quintal nua", disse.
Ana Panzo apontou também como elementos facilitadores dessas situações, principalmente a desestruturação das famílias.
"Temos aquelas famílias em que há um alcoólatra, por exemplo, o padrasto ou o pai, e ele sob efeito dessa substância é capaz de agredir. Temos outros motivos, famílias super alargadas, onde não há controlo, supervisão, onde não há acima de tudo abertura, porque é necessário que haja abertura dentro do seio familiar para que quando acontecer situações desta natureza a criança esteja à vontade e possa encontrar no adulto a possibilidade de falar e não ser por exemplo reprimida", opinou.
De acordo com Ana Panzo, estes casos atingem todas as camadas sociais, o que difere apenas é que as denúncias acontecem em maior número nas famílias mais carenciadas.
"Tive também um caso de um indivíduo que agrediu sexualmente a sua neta, um indivíduo que ocupava um cargo aceitável a nível social, mas chegou a agredir a própria neta", indicou.
Uma das recomendações que deixa na obra é sobre a necessidade de se denunciar estas práticas, manifestando satisfação porque tem aumentado a cultura da denúncia pelas famílias.
"Já se está a falar sobre o caso, já se criaram linhas de apoio para as pessoas denunciarem, as famílias já começaram a ter consciência que é um caso que não deve ser gerido internamente, que é uma situação que atinge a todos", frisou.
Segundo dados divulgados esta semana pelo Ministério da Família e Promoção da Mulher de Angola, de janeiro a julho deste ano 2.353 crianças sofreram maus tratos, entre as quais 575 abusos sexuais.
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