Bélgica, o coração da UE em alerta máximo à espera de um 'tsunami'

A Bélgica e a capital, Bruxelas, sede das instituições europeias, são atualmente dos principais focos mundiais da pandemia da covid-19, com as próprias autoridades a admitirem que a segunda vaga está a ganhar contornos de 'tsunami'.

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Lusa
22/10/2020 17:06 ‧ 22/10/2020 por Lusa

Mundo

Covid-19

 

Com novas medidas restritivas em vigor desde segunda-feira -- recolher obrigatório durante a madrugada e encerramento de cafés, restaurantes e bares -, a Bélgica continua a bater recordes, tendo hoje as autoridades comunicado mais de 13 mil novos casos positivos para o novo coronavírus nas últimas 24 horas, um novo máximo nacional desde o início da pandemia.

Com uma dimensão semelhante à de Portugal, a Bélgica, que tem pouco mais de 11 milhões de habitantes, contabiliza desde o início da pandemia mais de 10.500 mortos devido à covid-19, um número superior à vizinha Alemanha (que tem mais de 83 milhões de habitantes) e quase cinco vezes mais alto que Portugal.

No total, a Bélgica tem 250 mil casos já confirmados de infeção.

A nível mundial, com 92 mortes por 100 mil habitantes, a Bélgica é o segundo país do globo com maior taxa de mortalidade por covid-19, apenas atrás do Peru (que contabiliza 105 óbitos por 100 mil habitantes), segundo dados da universidade norte-americana John Hopkins.

Atribuídos no início da pandemia ao facto de todos os casos suspeitos serem contabilizados, os 'números negros' apresentados hoje pela Bélgica devem-se, segundo vários virologistas, a um enorme relaxamento das pessoas quando as restrições foram levantadas no país e também a uma pobre gestão política da pandemia, a que não será alheio o extravagante sistema político do país.

Até à entrada em funções, no início deste mês, do novo Governo belga 'saído' das eleições de maio de 2019 -- a Bélgica bateu o seu próprio recorde mundial ao demorar praticamente dois anos a formar um executivo (de coligação de sete partidos) -, a crise da covid-19 foi gerida por um executivo provisório liderado por Sophie Wilmès com nada menos que nove ministros da Saúde.

Além da muito contestada ministra da Saúde do Governo federal, Maggie de Block -- que, sem surpresa, não foi reconduzida --, as reuniões do comité da covid-19 contavam até agora com outros oito "ministros" da Saúde, em representação das diferentes regiões e comunidades linguísticas, contando só a região Bruxelas com três ministros.

A fragmentação de competências na Bélgica é tal que, mesmo na capital belga, sede das instituições da UE e da NATO, as medidas podem sofrer variações quando se atravessa a rua, dado as 19 comunas da cidade também terem um certo grau de autonomia.

Face às muitas críticas a esta gestão, uma das primeiras decisões do novo primeiro-ministro, Alexander De Croo, foi nomear um "comissário covid", mas num país com a complexidade da Bélgica até a nova 'task force' é olhada com desconfiança por metade da população, a francófona -- neste momento a mais atingida pela covid-19 -- já que o chefe de Governo, o novo ministro da Saúde e o comissário são todos flamengos (norte) e, na Valónia (sul), teme-se que a região seja mais penalizada pelas decisões que vierem a ser tomadas.

Atualmente, a grande inquietação na Bélgica é o facto de os dados mais recentes apontarem para que já se assista a uma segunda vaga que será ainda devastadora, tendo no passado domingo o novo ministro da Saúde belga, Frank Vandenbroucke, advertido que o país está "realmente muito próximo de um 'tsunami'", ou seja, uma situação na qual "já não há controlo sobre o que se passa".

Segundo o responsável, o 'tsunami' aproxima-se "perigosamente" da região de Bruxelas (um 'enclave' no centro do país já em território da Flandres), e da Valónia, descrita já por muitos como "a nova Lombardia" da segunda vaga da pandemia, depois de aquela região no norte de Itália ter sido o epicentro da chegada do novo coronavírus ao território europeu.

Os efeitos em Bruxelas já se fazem sentir na atividade das instituições europeias, tendo esta semana o Parlamento Europeu voltado a realizar uma sessão plenária 'virtual' -- depois de nos últimos meses a assembleia ter celebrado sessões presenciais na capital belga, como alternativa a Estrasburgo -, enquanto o acesso de funcionários à Comissão Europeia (cuja presidente está em isolamento) e ao Conselho é cada vez mais limitado, até porque as novas regras agora em vigor na Bélgica ditam o teletrabalho em todos os casos em que tal seja possível.

Numa altura em que as autoridades já recusam testes a quem não apresente sintomas, dada a penúria de 'kits', a Bélgica registou nos últimos 14 dias a segunda taxa de incidência média mais elevada da Europa, com 932 positivos por 100 mil habitantes (apenas atrás dos 1.066 registados na República Checa).

Algumas regiões belgas registam números 'astronómicos', como a região de Bruxelas e Liège (na Valónia), com respetivamente 1.295 e 1.615 infeções por 100 mil habitantes e cerca de um caso positivo por cada quatro testes efetuados.

Outro grande receio assumido pelo ministro da Saúde belga é que falte capacidade de resposta aos serviços de saúde.

Nas últimas 24 horas, foram registados 421 internamentos hospitalares na Bélgica -- incluindo a ex-primeira-ministra Sophie Wilmès, que deu hoje entrada nos cuidados intensivos -, número que não era alcançado desde o dia 10 de abril, tendo sido registado na última semana um aumento dos internamentos de 88%.

"Nós poderíamos ter evitado isto. Nunca, mas nunca deveríamos ter chegado a uma situação em que temos 10.000 a 12.000 novos casos por dia", comentou o virologista belga Marc Van Ranst, hoje mesmo distinguido pela Academia Real Flamenga das Ciências com um prémio carreira.

Segundo este especialista, a principal razão para esta segunda vaga de proporções ainda maiores que a primeira é o facto de as pessoas terem "baixado a guarda, quando não o deviam ter feito", com a falsa sensação de que o pior já tinha passado.

Advertindo já para a probabilidade de nos próximos dias se verificar uma queda do número de casos devido às novas metodologias postas em prática, Van Ranst deixa um conselho: "passem a olhar para o número de hospitalizações".

À espera dos efeitos das novas medidas em vigor desde o início desta semana -- só daqui por duas semanas será possível analisar o seu impacto -, o dilema atual no país é se será necessário voltar a um confinamento total, um cenário que ganha força com os números atuais e que será inevitável se não se registar um forte recuo a breve prazo.

"A situação é grave. Pior do que em 18 de março, quando foi decretado o confinamento" na Bélgica, reconheceu esta semana à televisão pública RTL o primeiro-ministro De Croo.

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