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"Exceto Lincoln, ninguém fez mais pela comunidade negra do que eu"

O segundo e último debate presidencial antes das eleições, a 3 de novembro, decorreu de forma mais canónica do que anterior: acusações sim, mas dentro de tom e cada um no seu tempo. Trump acusou Biden de ser "só conversa e pouca ação", com o democrata a descrever o republicano, desta vez, como "o presidente mais racista da história recente".

"Exceto Lincoln, ninguém fez mais pela comunidade negra do que eu"

Depois de um primeiro encontro que sucumbiu à cacofonia, o presidente incumbente, Donald Trump, e o antigo vice-presidente Joe Biden estiveram na noite desta quinta-feita (madrugada de sexta-feira em Portugal) num debate bastante mais ameno, sobretudo por parte do líder republicano, que, mantendo as mesmas posições, mudou radicalmente a forma como as exprimiu.

Num debate moderado pela jornalista da NBC News, Kristen Welker, a partir da universidade de Belmont, em Nashville, capital do estado do Tennessee, os candidatos encontraram-se pela última vez antes do Dia das Eleições, a 3 de novembro.

Donald Trump abandonou a estratégia de interrupção exaustiva, o que tornou quase impercetível o facto do microfone estar desligado durante os primeiros dois minutos de tempo de antena do adversário, medida tomada pela Comissão de Debates Presidenciais após o caos de 29 de setembro. Houve, sim, interrupções, mas ambos os candidatos conseguiram passar a mensagem de forma mais clara. 

O líder republicano questionou várias vezes Joe Biden sobre o seu mandato como vice-presidente, perguntado-lhe, a cada crítica lançada pelo democrata, porque é que nada fez. Joe Biden, por seu turno, fez uso da possibilidade de terminar as frases para assumir posições mais perentórias: "Concorro como um orgulhoso democrata, mas serei um presidente Americano. Eu não vejo as cores dos estados".

A gestão da pandemia

Donald Trump foi quem começou por falar sobre a gestão da pandemia, indicando que “era esperado que morressem 2.2 milhões de pessoas” nos Estados Unidos por causa do novo coronavírus, para formular uma comparação com a realidade (222 mil mortes, atualmente). O presidente refere-se, porém, a dados divulgados pelo Imperial College de Londres, em março, que previam 2.2 milhões de mortos se não fossem tomadas quaisquer medidas de combate ao vírus. Indicou, também, que rapidamente tomou a decisão de fechar as fronteiras com a China, que “a taxa de mortalidade está a descer”, que a sua administração “está a combater a pandemia vigorosamente” e que esta "está a ir-se embora". “Há picos, mas em breve desaparecerão”.

Uma outra afirmação surpreendente: “A vacina estará pronta em poucas semanas”. Questionado pela moderadora sobre este calendário, Trump respondeu que “não é uma garantia”. A jornalista insiste, sublinhando que os reguladores indicam que ainda não estão perto de considerar uma autorização para uma vacina. “O meu calendário é o mais correto”, indicou.

Joe Biden começou por dizer que o país tem mais de 220 mil mortos. “Não há nada mais que possa dizer”, indicou, sublinhando que a pessoa responsável “não pode continuar como presidente dos Estados Unidos”. “Estamos prestes a atravessar um período sombrio e ele não tem um plano claro, e não há perspetiva de que haja uma vacina disponível para a maioria do povo americano antes de meados do próximo ano”, acrescentou.

Trump discordou, retomando argumentação que já havia feito no debate anterior, a 29 de setembro, onde repetiu várias vezes que fechou as fronteiras com a China e que o seu oponente chamou a medida de “xenófoba”. “Até acho que me chamou racista, por eu estar a fechar as fronteiras com a China. Agora diz que devia ter fechado mais cedo”, disse, ainda que as afirmações de Biden não tenham sido proferidas relativamente à decisão em apreço. “Ele é xenófobo, mas não porque fechou as fronteiras com a China”, disse Biden mais tarde.

Os últimos minutos do debate deste segmento, já com ambos os candidatos com os microfones ligados, convidaram a um ligeiro subir de tom. “Eu não acho que iremos passar um ‘período negro’, de todo”, disse Trump, indicando que “estamos a aprender a viver com isto”. “Ele diz que estamos a aprender a viver com isto, as pessoas estão a morrer com isto”, respondeu Biden, falando diretamente para o ecrã, uma tática que manteve desde o último debate. “Vocês, que estão em casa, que têm uma cadeira vazia na cozinha, o homem ou a mulher que se vai deitar esta noite e que tenta tocar, por hábito, no lugar onde estava a esposa ou o marido. Aprender a viver com isso? Estamos em negação. Porque ele nunca disse que era perigoso”.

Pressionado pelo democrata a falar sobre responsabilidade, Donald Trump conseguiu assumi-la - algo que antes não fazia - ao mesmo tempo que a dispersou. “Eu assumo total responsabilidade, mas não é culpa minha que [o vírus] tenha vindo para aqui, é culpa da China”.

Para responder às medidas apontadas por Joe Biden para conter a pandemia mantendo os negócios abertos, Trump optou por retomar uma crítica que já havia feito através do Twitter, exatamente pelas mesmas palavras, onde apelidou a cidade de Nova Iorque de “cidade fantasma”, um ataque direto a Andrew Cuomo, governador democrata do estado com o mesmo nome. “Os restaurantes estão a morrer e colocar separações em plexiglass é incrivelmente caro, e não é a resposta. Uma pessoa vai ficar ali sentado num cubículo, envolto em plástico?”.

Joe Biden respondeu de forma mais abrangente. “Eu não olho para os estados como ele, estados azuis [democratas] e estados vermelhos [republicanos]. São todos Estados Unidos da América”, disse, apontando que os estados com mais surtos de infeções são os republicanos. “Mas são todos americanos, são todos americanos. Aquilo que temos que fazer, em primeiro lugar, é dizer às pessoas para usar máscaras”.

Os impostos de Trump, de novo

No segmento sobre segurança nacional, ambos os candidatos trocaram várias acusações sobre aliados ou familiares que alegadamente receberam dinheiro ou têm laços com países estrangeiros, como a China, Rússia, Irão ou Ucrânia. É neste momento que surge a questão da declaração de imposto do presidente incumbente. “Ficámos a saber que este presidente pagou 50 vezes mais impostos na China [do que nos Estados Unidos], que tem conta bancária na China, faz negócios na China, e está a falar comigo sobre dinheiro? Eu nunca aceitei um cêntimo de um país estrangeiro, nunca”, questionou Biden, apelando ao oponente para que divulgue a sua declaração de impostos. “Eu divulguei todas as minhas declarações.. 22 anos. O presidente nunca divulgou um único ano. O que está a esconder?”.

“Primeiro que tudo, eu liguei aos meus contabilistas, que estão a ser auditados. Vou divulgar as minhas declarações assim que pudermos”, respondeu Trump, indicando que a auditoria impede a divulgação das declarações, o que é falso. O presidente prosseguiu, depois, dizendo que pagou “dezenas de milhares de dólares” e que é “muito mal tratado pelas Finanças” e “alvo de uma caça às bruxas há três anos”. “Nenhum presidente foi tratado assim”, concluiu, antes de voltar a colocar foco sobre a família de Biden.

“Há uma razão para ele estar com estas tretas. Ele não quer falar de questões substanciais. Isto não é sobre a família dele ou sobre a minha família. É sobre a sua família. E a sua família está a sofrer gravemente. Esteve sentada na mesa da cozinha esta manhã a pensar que não pode comprar pneus novos, tem que esperar mais um mês. (...) Devíamos estar a falar sobre as vossas famílias, mas é a última coisa de que ele quer falar”, disse Joe Biden.

Aqui, Trump acusa Biden de ser “um típico político”. “Vamos sair do assunto China para falar sobre estar sentado à mesa. Vá lá, Joe, pode fazer melhor”.

Racismo nos Estados Unidos

Kristen Welker fez uma pergunta aberta no segmento sobre tensão racial nos EUA, desafiando os dois candidatos a explicar, diretamente às famílias negras americanas, se compreendem a sua insegurança. Biden começou. “Eu nunca tive de dizer à minha filha que se ela for parada no trânsito deve pôr logo as duas mãos no volante e não abrir o porta-luvas, porque pode ser baleada. Mas um pai negro, não importa se rico ou pobre, tem que ensinar o filho que quando se anda na rua não se pode usar capuz”. O democrata termina dizendo que “o facto é que existe racismo institucional na América”.

Trump disse que percebia a insegurança e depois escolheu não falar diretamente às famílias negras, atacando antes Joe Biden. “Ele esteve no governo e nunca fez nada”, disse Trump, acusando-o de ser "só conversa e pouca ação". “Ninguém fez mais pela comunidade negra do que o Donald Trump. Se virem bem, com a exceção de Abraham Lincoln, ninguém fez mais do que eu fiz”, disse, falando nas reformas na justiça e no sistema prisional. Sublinhe-se que, há duas semanas, o vice-presidente, Mike Pence, disse que era ofensivo dizer que havia racismo sistémico nos EUA.

Joe Biden refutou essas afirmações, lembrando que Trump chegou a dizer que “o problema com a lei é que não há pessoas suficientes nas cadeias”. “É o presidente mais racista da história recente, põe combustível em todos os ‘fogos’ racistas”, disse.

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