Líderes muçulmano e croata da Bósnia boicotam chefe da diplomacia russa
Os membros bosníaco (muçulmano) e croata da Presidência colegial da Bósnia recusaram hoje encontrar-se em Sarajevo com o chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, acusando-o de "desprezar" o Estado bósnio.
© Reuters
Mundo Serguei Lavrov
Esta decisão pouco habitual deixa transparecer as crescentes dissensões sobre as relações com Moscovo entre a entidade croato-bosníaca -- Federação da Bósnia-Herzegovina (FBH) que também tem registado dificuldades de relacionamento interno -- e a entidade sérvia da Bósnia (Republika Srpska, RS), que compõem o país dividido.
De visita oficial à Bósnia, Lavrov encontrou-se de início e em separado com o membro sérvio da Presidência colegial, Milorad Dodik, suscitando fortes protestos dos seus colegas bosníaco e croata.
Estas dois copresidentes também denunciaram a ausência da bandeira da Bósnia-Herzegovina durante o encontro, onde estavam apenas visíveis as bandeiras da Rússia e da RS.
"Encaramos isto como uma espécie de desprezo, mesmo de negação das instituições da Bósnia-Herzegovina, o país onde chegou em visita oficial", declarou o croata Zeljko Komsic em conferência de imprensa, ao lado do seu colega bosníaco Sefik Dzaferovic.
Em consequência, os dois dirigentes de croatas e muçulmanos bósnios decidiram boicotar um encontro previsto para hoje com o chefe da diplomacia russa, no qual apenas esteve presente o representante sérvio.
"Foi com lamento, porque esta decisão é fácil, que decidimos não receber o ministro Lavrov na Presidência", disse Komsic.
Ambos também criticaram o ministro russo por ter apoiado uma resolução adotada em 2017 pela Republika Srpska sobre a sua neutralidade militar face às alianças militares internacionais, e que foi reafirmada por Dodik ao assegurar que a ex-república jugoslava nunca pertencerá à NATO.
A Federação da Bósnia-Herzegovina (FBH) aspira a uma integração na NATO e numa futura adesão à União Europeia (UE).
"Lavrov sabe que apenas o Estado pode adotar semelhantes decisões", insistiu Komsic na conferência de imprensa conjunta com Dzaferovic, apesar de decisões desta dimensão necessitarem de unanimidade na presidência colegial.
"Respeitamos a Federação da Rússia como um grande e poderoso país, mas não concordamos em tornar-nos num peão russo nos Balcãs nos seus jogos e conflitos com a União Europeia e os países membros da NATO. Esperamos que estes nos entendam e apoiem a nossa posição, acrescentou Komsic.
Lavrov não comentou o boicote na conferência de imprensa que promoveu esta tarde, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo divulgou uma foto do encontro sem mencionar que dois dos três membros da Presidência colegial rotativa estavam ausentes.
A visita à Bósnia de Lavrov coincidiu com o 25.º aniversário da assinatura do acordo de paz de Dayton, mediado pelos Estados Unidos e que pôs termo a prolonga guerra civil nesta ex-república da extinta Jugoslávia (1992-1995), com um balanço de cerca de 100.000 mortos e mais de dois milhões de refugiados e deslocados.
Apesar de o acordo ter terminado com um conflito sangrento, deixou um país muito disfuncional, dividido entre duas entidades com amplos poderes, um frágil Governo central, e onde se tem acentuado a profunda crise económica e social.
O acordo foi concluído em 21 de novembro de 1995 na base aérea de Wright-Patterson, perto de Dayton, estado do Ohio (EUA), e formalmente assinado em Paris em 14 de novembro em Paris, na presença dos então líderes da Bósnia, Alija Izetbegovic, da Sérvia, Slobodan Milosevic, e da Croácia, Franjo Tudjman.
Em Paris, estiveram ainda presentes na assinatura formal do Acordo de Dayton os Presidentes dos EUA e da França, Bill Clinton e Jacques Chirac, o chefe da diplomacia russa, Viktor Chernomyrdin, o chanceler alemão Helmut Kohl e o primeiro-ministro britânico John Major, e o chefe do Governo de Espanha Felipe González em nome da UE, quando o país assumia a presidência rotativa semestral do Conselho Europeu.
Na segunda-feira, Lavrov considerou que o Acordo de Dayton não deve ser alterado, numa referência aos comentários de diplomatas ocidentais e políticos locais sobre a necessidade de ser reformulado para que a Bósnia-Herzegovina aplique as reformas exigidas por diversas instâncias internacionais.
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