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Conflito no Tigray a "evoluir para guerrilha", que se prolongará anos

O conflito no Tigray, norte da Etiópia, está a "evoluir para uma guerrilha", que se prolongará "por muitos anos", porque "é impossível aniquilar um movimento de insurgência enquanto ele for apoiado pela população", consideram especialistas contactados pela Lusa.

Conflito no Tigray a "evoluir para guerrilha", que se prolongará anos
Notícias ao Minuto

09:51 - 20/12/20 por Lusa

Mundo Etiópia

"O que assistimos agora no Tigray é a uma evolução da guerra convencional para um conflito de guerrilha. Aniquilar um movimento de insurgência é praticamente impossível, enquanto ele for apoiado pela população e os tigray apoiam a liderança da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês) e as suas forças", afirmou à Lusa Kjetil Tronvoll, professor no departamento de Ciência Política e Relações Internacionais na Bjorknes University College, Noruega, investigador que há décadas estuda e acompanha a Etiópia, com vários títulos publicados sobre o país.

William Davison, analista principal para a Etiópia do International Crisis Group (ICG), reconhece também que "há muitos avanços e vitórias significativas das forças federais [desde o início dos combates no passado dia 4 de novembro], rápido controlo das cidades principais no Tigray e fuga do governo regional, mas a liderança tigray continua a combater, tem ainda algum tipo de forças sob o seu comando e pode ter o apoio muito significativo da população".

Da efetividade do controlo militar e político do estado separatista, na fronteira norte da Etiópia com a Eritreia, depende a eventual propagação do conflito a outras regiões, dentro e fora do país, consideram os especialistas.

"Penso que, se o conflito e a insurgência no Tigray se prolongarem, isso irá enfraquecer e preocupar o governo federal", liderado pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed Ali, prémio Nobel da Paz em 2019, estima Davison. "Isso pode oferecer oportunidades a outras opositores do governo federal", considera ainda o funcionário do ICG.

Já, "se o governo federal conseguir tomar o controlo de Tigray, eliminar qualquer resistência armada, e instalar um governo provincial, então Adis Abeba deverá conseguir conter o alastramento do potencial de instabilidade criado na região a outras regiões", acrescenta Davison.

Mas a tarefa não será fácil. Os líderes e uma parte significativa da resistência armada no Tigray "estão a viver entre a população, que vai apoiar a luta de guerrilha", contrapõe Tronvoll. A TPLF foi a eleições em setembro último -- desafiando as disposições do governo de Abiy Ahmed, que adiou as eleições no país por causa da epidemia -- e obteve 98% dos votos sufragados. A população tigray considera-a a "representante legítima", sublinha o investigador norueguês.

"Será que a próxima administração tigray, a ser imposta pelo poder central, vai ser aceite pela população tigray? Não tenho dúvidas - e tendo visitado várias vezes o Tigray, a última em setembro, e ao fim de 30 anos de trabalho e investigação continuados com a região - que o governo interino imposto por Abiy Ahmed, nunca será aceite como legítimo pela maioria do povo tigray. Eles consideram o TPLF como seu representante legítimo", reforça.

O confronto mostrou ao povo tigray que o inimigo não é a liderança do TPLF, como estabelece a narrativa do governo federal, mas "o próprio primeiro-ministro e o seu governo, atendendo à forma como a descriminação étnica tem vindo a ser feita em toda a Etiópia, com despedimentos das pessoas de origem tigray da administração pública, detenção de homens de negócios tigray, limitação de movimentos dentro e para fora do país de pessoas tigray", enumera Tronvoll, concluindo que, a comprovar-se e ocorrência de várias atrocidades desde o início do conflito armado na região, "tudo isto reforçou a ligação entre o povo tigray e a TPLF, enquanto sua organização representativa".

Na perspetiva do investigador norueguês, a Etiópia depara-se com o cenário de uma "prolongada guerrilha insurgente, que não terá fim, enquanto não se verificar uma de duas condições: uma mudança do governo em Adis Abeba ou uma negociação entre a TPLF e o governo federal".

Na "base de tudo", reforça Tronvoll, está um desentendimento político, que "não pode ser resolvido pelas armas". "Se a solução for a guerra, terão que matar todos os tigray", ironiza.

As "próximas semanas" confirmarão ou infirmarão estas previsões catastrofistas. William Davison diz que assistiremos a um esforço do poder central etíope para conduzir perante a justiça alguns lideres do estado separatista, entretanto detidos ou capturados. Adis Abeba tentará ainda oferecer provas da tomada efetiva de controlo do Tigray e estabelecerá um governo regional. "Teremos que esperar para ver qual será a força ou fraqueza da resistência tigray".

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