Conflito no Tigray a "evoluir para guerrilha", que se prolongará anos
O conflito no Tigray, norte da Etiópia, está a "evoluir para uma guerrilha", que se prolongará "por muitos anos", porque "é impossível aniquilar um movimento de insurgência enquanto ele for apoiado pela população", consideram especialistas contactados pela Lusa.
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Mundo Etiópia
"O que assistimos agora no Tigray é a uma evolução da guerra convencional para um conflito de guerrilha. Aniquilar um movimento de insurgência é praticamente impossível, enquanto ele for apoiado pela população e os tigray apoiam a liderança da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF, na sigla em inglês) e as suas forças", afirmou à Lusa Kjetil Tronvoll, professor no departamento de Ciência Política e Relações Internacionais na Bjorknes University College, Noruega, investigador que há décadas estuda e acompanha a Etiópia, com vários títulos publicados sobre o país.
William Davison, analista principal para a Etiópia do International Crisis Group (ICG), reconhece também que "há muitos avanços e vitórias significativas das forças federais [desde o início dos combates no passado dia 4 de novembro], rápido controlo das cidades principais no Tigray e fuga do governo regional, mas a liderança tigray continua a combater, tem ainda algum tipo de forças sob o seu comando e pode ter o apoio muito significativo da população".
Da efetividade do controlo militar e político do estado separatista, na fronteira norte da Etiópia com a Eritreia, depende a eventual propagação do conflito a outras regiões, dentro e fora do país, consideram os especialistas.
"Penso que, se o conflito e a insurgência no Tigray se prolongarem, isso irá enfraquecer e preocupar o governo federal", liderado pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed Ali, prémio Nobel da Paz em 2019, estima Davison. "Isso pode oferecer oportunidades a outras opositores do governo federal", considera ainda o funcionário do ICG.
Já, "se o governo federal conseguir tomar o controlo de Tigray, eliminar qualquer resistência armada, e instalar um governo provincial, então Adis Abeba deverá conseguir conter o alastramento do potencial de instabilidade criado na região a outras regiões", acrescenta Davison.
Mas a tarefa não será fácil. Os líderes e uma parte significativa da resistência armada no Tigray "estão a viver entre a população, que vai apoiar a luta de guerrilha", contrapõe Tronvoll. A TPLF foi a eleições em setembro último -- desafiando as disposições do governo de Abiy Ahmed, que adiou as eleições no país por causa da epidemia -- e obteve 98% dos votos sufragados. A população tigray considera-a a "representante legítima", sublinha o investigador norueguês.
"Será que a próxima administração tigray, a ser imposta pelo poder central, vai ser aceite pela população tigray? Não tenho dúvidas - e tendo visitado várias vezes o Tigray, a última em setembro, e ao fim de 30 anos de trabalho e investigação continuados com a região - que o governo interino imposto por Abiy Ahmed, nunca será aceite como legítimo pela maioria do povo tigray. Eles consideram o TPLF como seu representante legítimo", reforça.
O confronto mostrou ao povo tigray que o inimigo não é a liderança do TPLF, como estabelece a narrativa do governo federal, mas "o próprio primeiro-ministro e o seu governo, atendendo à forma como a descriminação étnica tem vindo a ser feita em toda a Etiópia, com despedimentos das pessoas de origem tigray da administração pública, detenção de homens de negócios tigray, limitação de movimentos dentro e para fora do país de pessoas tigray", enumera Tronvoll, concluindo que, a comprovar-se e ocorrência de várias atrocidades desde o início do conflito armado na região, "tudo isto reforçou a ligação entre o povo tigray e a TPLF, enquanto sua organização representativa".
Na perspetiva do investigador norueguês, a Etiópia depara-se com o cenário de uma "prolongada guerrilha insurgente, que não terá fim, enquanto não se verificar uma de duas condições: uma mudança do governo em Adis Abeba ou uma negociação entre a TPLF e o governo federal".
Na "base de tudo", reforça Tronvoll, está um desentendimento político, que "não pode ser resolvido pelas armas". "Se a solução for a guerra, terão que matar todos os tigray", ironiza.
As "próximas semanas" confirmarão ou infirmarão estas previsões catastrofistas. William Davison diz que assistiremos a um esforço do poder central etíope para conduzir perante a justiça alguns lideres do estado separatista, entretanto detidos ou capturados. Adis Abeba tentará ainda oferecer provas da tomada efetiva de controlo do Tigray e estabelecerá um governo regional. "Teremos que esperar para ver qual será a força ou fraqueza da resistência tigray".
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