Covid-19: Pandemia provocou "retrocesso geral" dos direitos

O Conselho da Europa destacou hoje o impacto dominante da covid-19 nas questões das desigualdades sociais, do racismo, da discriminação e da homofobia em 2020, alertando que a crise pandémica provocou um "retrocesso geral" dos direitos no velho continente.

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Lusa
18/03/2021 08:04 ‧ 18/03/2021 por Lusa

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Covid-19

 

O alerta consta no relatório anual da Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), órgão do Conselho da Europa, hoje publicado, a poucos dias do Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, assinalado no próximo domingo (dia 21 de março).

"Poucas crises, se é que alguma desde a Segunda Guerra Mundial, tiveram um impacto tão global na Europa como a da pandemia de covid-19, que veio ofuscar as outras tendências em 2020", afirma a presidente da ECRI, Maria Daniella Marouda, a propósito das conclusões do relatório.

O documento identifica, a par da crise sanitária e das resultantes desigualdades, outras grandes questões que marcaram o ano passado: o movimento anti-racismo, a crescente intolerância religiosa e o recuo na proteção dos direitos das pessoas da comunidade LGBTI (Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo).

"Desde a disseminação de teorias de conspiração antissemitas sobre a origem da doença e o ataque a pessoas de origem asiática no início da pandemia, até ao subsequente confinamento e a desaceleração económica que atingiu os grupos marginalizados com mais força, a crise da [doença] covid-19 provocou um retrocesso geral dos direitos humanos na Europa", prossegue.

Para a representante, a crise pandémica "expôs e aprofundou as desigualdades estruturais subjacentes em quase todas as áreas políticas", incluindo o acesso à educação, ao emprego, à habitação e aos cuidados de saúde.

Entre todos os grupos afetados, a situação dos membros da etnia cigana foi a que mais se deteriorou, argumenta a ECRI.

"Estão frequentemente confinados a bairros sobrelotados com acesso limitado a serviços públicos, onde a distância física e uma boa higiene são quase impossíveis de manter", observa o órgão.

Além disso, acrescenta, as medidas de ensino à distância adotadas em vários países excluíram muitas crianças ciganas da escola devido à falta de acesso à Internet ou a computadores.

"A perda da ajuda social que estava condicionada em alguns países à participação das crianças na escolarização em casa exacerbou a situação", denuncia a ECRI, que dá, porém, uma nota positiva às medidas adotadas por alguns Estados europeus em relação às comunidades ciganas, tais como o fornecimento gratuito de eletricidade, de água ou de ligações à Internet durante os períodos de confinamento.

Outro grupo mencionado no relatório são os migrantes e os requerentes de asilo, "em especial os recém-chegados e em situação irregular" que "enfrentaram dificuldades específicas".

De acordo com a ECRI, estas pessoas "não conseguiram beneficiar de cuidados de saúde essenciais devido à falta de número de segurança social" e os trabalhadores sazonais migrantes, "que viviam e trabalhavam em más condições sanitárias", constam entre aqueles que estavam "particularmente suscetíveis de contrair o vírus".

A par disto, menciona o órgão, a desaceleração económica provocada pelas medidas de encerramento e por outras restrições "resultou na perda imediata de muitos empregos informais ou precários entre migrantes e outros grupos".

A proteção dos direitos das pessoas da comunidade LGBTI também foi abalada pela crise pandémica, que ainda se mantém e que condiciona o quotidiano de milhões em todo o mundo há um ano.

O órgão faz uma referência especial aos casos dos jovens da comunidade LGBTI, mencionando aqueles que tiveram de regressar a famílias com atitudes fóbicas e que foram expostos à rejeição e à violência.

"As chamadas para as linhas diretas de apoio dedicadas (a esta comunidade) e os centros de apoio às vítimas aumentaram (em alguns casos triplicaram), particularmente durante os períodos de confinamento obrigatório", aponta a ECRI.

Outro foco de preocupação para o Conselho da Europa foi um "clima de oposição" aos direitos humanos das pessoas LGBTI que, segundo o órgão, ganhou espaço em alguns países europeus em 2020, situação ligada a uma "retórica homofóbica e transfóbica populista" e a movimentos contra a chamada "ideologia de género".

"Nova legislação restritiva foi adotada, reações contra os direitos das pessoas LGBTI foram manifestadas a nível político e ocorreram ataques de ódio", enumera a ECRI, que destaca, no entanto, alguns progressos, como a nomeação de pessoas da comunidade para cargos políticos e a aprovação de leis sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo em alguns Estados.

Mas 2020 foi igualmente marcado por uma onda de protestos mundiais contra o racismo, lembra a ECRI, numa referência direta ao movimento contra a discriminação, o racismo e a violência policial conhecido como 'Black Lives Matter', que teve início nos Estados Unidos e que também levou milhares para as ruas em várias cidades europeias.

"Estes acontecimentos revelaram até que ponto a caracterização racial e o abuso policial racista continuam a afetar grupos vulneráveis, reforçando na Europa as preocupações do que é cada vez mais referido como racismo institucional", refere Maria Daniella Marouda.

O relatório denuncia que tal racismo "é encoberto ou manifesto" e que reside "nas políticas, procedimentos, operações e culturas das instituições públicas e privadas".

Uma situação, segundo argumenta o órgão, "corrói a confiança na sociedade e na aplicação da lei".

Para a ECRI, o aumento da diversidade no seio da polícia e uma formação adequada devem estar no centro de qualquer ação governamental destinada a enfrentar esta questão.

A luta contra a islamofobia e o antissemitismo, num contexto de ameaça terrorista, foi outro dos desafios que a Europa enfrentou no ano passado, observa o relatório, lembrando alguns ataques extremistas que chocaram a opinião pública, como foi o caso da degolação do professor francês Samuel Paty por um jovem radicalizado.

"A ECRI está preocupada com o facto de que estes assassínios horríveis possam vir a desencadear mais intolerância e discriminação contra os muçulmanos. A islamofobia pode implicar o risco de neutralizar os esforços de integração e de inclusão e pode radicalizar ainda mais um número crescente de jovens muçulmanos na Europa", diz o documento.

Ainda dentro desta temática, o órgão refere que em 2020 os membros e os locais da comunidade judaica na Europa continuaram a ser alvo de atos de ódio, de violência e de vandalismo antissemitas, nomeadamente de neo-nazis e de extremistas islâmicos, e que a resposta da polícia "foi insuficiente".

A ECRI é uma instância independente de monitorização no domínio dos direitos humanos composta por peritos independentes.

Criado em 1949 para defender os Direitos Humanos, a Democracia e o Estado de Direito, o Conselho da Europa tem atualmente 47 Estados-membros, 27 dos quais são também membros da União Europeia (UE).

Leia Também: Conselho dá 'luz verde' a programa Europa Digital de 7,6 mil milhões

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