Em comunicado, a Polícia Nacional refere que a detenção foi feita por elementos do Comando Regional de São Vicente, cerca das 17:30 locais (19:30 em Lisboa) de hoje, no Aeroporto Internacional Cesária Évora, "dando cumprimento ao mandado de detenção fora de flagrante delito" emitido pela Procuradoria-Geral da República (PGR) do círculo do barlavento.
"Mais se comunica que o detido será entregue às instâncias judiciais nas primeiras horas desta segunda-feira, 19 de julho, para o primeiro interrogatório", lê-se no comunicado.
O deputado e advogado Amadeu Oliveira assumiu publicamente na quarta-feira, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do país de um condenado por homicídio, admitindo então que estava "estupefacto" por ainda não ter sido preso.
"Eu já ofereci a minha cabeça para ser preso. Até estou estupefacto porque é que ainda não fui preso. Porque confesso: Eu, Amadeu Oliveira, como defensor oficioso nomeado pelo Estado, concebi, estudei, matutei, planei e executei o plano de saída de Arlindo Teixeira", afirmou o deputado e ativista, no parlamento.
Em 27 de junho, o arguido Arlindo Teixeira, condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio -- pena depois revista para nove anos -, saiu do país a partir de São Vicente num voo da TAP com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França.
Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e deputado Amadeu Oliveira, num processo que este considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".
O arguido saiu do país com auxílio anunciado publicamente pelo advogado de defesa, que disse que contactou um grupo de ex-militares fuzileiros navais para resgatar Arlindo Teixeira e fazê-lo sair do país por via marítima, mas nas vésperas mudou de estratégia e o seu cliente saiu por via aérea, sem que fosse detido pela polícia, apesar de estar a aguardar recurso em prisão domiciliária.
Eleito em abril nas listas da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), Amadeu Oliveira foi visado por esta atuação no arranque dos trabalhos parlamentares, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) a considerar o caso como "vexatório" e a pedir responsabilidades ao Governo e à Polícia Nacional, tendo em conta que o arguido em causa, emigrante em França, tinha sido colocado em prisão domiciliária, na ilha de São Vicente, de onde conseguiu fugir.
"Eu tomei essa decisão [de planear a fuga] em 18 de junho. Em menos de dez dias já estava executado", afirmou Amadeu Oliveira, que acompanhou o arguido na fuga de Cabo Verde.
"Tentem procurar as razões verdadeiras e subjacentes que levam um defensor oficioso a correr tamanho risco", reagiu ainda o deputado.
"Estudei durante seis anos as falhas, as fraudes, os atrasos do Supremo Tribunal de Justiça. Detetei falhas graves e utilizei essas falhas, do Supremo, não da Polícia Nacional (...). A Polícia foi impecável e fez o seu trabalho, as falhas estão no sistema judicial, as falhas estão no Supremo Tribunal de Justiça [STJ]", insistiu, apelando a uma "inspeção séria" para apurar as "falhas" no sistema judicial do país.
A comissão permanente do parlamento cabo-verdiano analisou e aprovou na segunda-feira, por unanimidade, a decisão de autorizar o levantamento da imunidade parlamentar ao deputado para que fosse detido fora do flagrante delito, conforme solicitação feita pela PGR em 01 de julho.
A PGR cabo-verdiana pediu autorização ao parlamento para deter o deputado Amadeu Oliveira, acusando-o de um crime de ofensa a pessoa coletiva e dois de atentado contra o Estado de Direito.
Em comunicado, a PGR explicou que em causa está o envolvimento do também advogado de defesa na saída do país de um arguido, condenado a nove anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, e que aguardava os demais tramites processuais sob a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada pelo STJ.
Desde final de junho que este caso está a suscitar várias reações em Cabo Verde, como a do Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que considerou o caso de "muita gravidade" e pediu investigação célere e sanções aos responsáveis.
Segundo a PGR, em causa estão factos suscetíveis de integrarem, por agora, dois crimes de atentado contra o Estado de Direito, punidos com pena de prisão de dois a oito anos.
O procurador-geral da República, José Luís Landim, afirmou anteriormente que este caso é um "ataque grave" à justiça e à democracia cabo-verdiana.
Por sua vez, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, pediu que sejam apuradas responsabilidades e garantiu que os responsáveis neste caso serão "devidamente sancionados".
O bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Hernâni Soares, mostrou-se "incrédulo" com a fuga de Arlindo Teixeira para França, na companhia do advogado de defesa, considerando que é "incompreensível" e pediu esclarecimentos às autoridades.
Ainda segundo o Ministério Público, estão também em causa a denúncia do STJ relativamente a factos ocorridos nas instalações da instituição e imputados ao mesmo deputado, tendo a entidade ordenado a abertura de instrução criminal, que decorre na Procuradoria da República de círculo do Barlavento.
Neste caso, a PGR referiu que impende sobre o advogado o crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punido pelo artigo 169.º do Código Penal.
Leia Também: Covid-19: Cabo Verde com mais 36 infetados em 24 horas