"A 'questão talibã' induziu em erro a opinião pública internacional. Os talibãs não são terroristas, são um movimento de libertação nacional e um movimento de guerrilheiros e devemos perceber isto de uma vez por todas. Por se demorar muito tempo a perceber isto mesmo foi o que levou à situação atual", disse hoje à Lusa o major-general Carlos Branco.
"Eles (talibãs) lutam para expulsar os estrangeiros da terra deles e recorrem a atos terroristas, o que é diferente. Não conheço nenhuma guerrilha do mundo que não recorra a atos terroristas mas o recorrer a atos terroristas não quer dizer que o movimento seja terrorista", explica o major-general Carlos Branco, que além de várias missões militares internacionais, foi porta-voz da ISAF (International Security Assistance Force) no Afeganistão em 2007 e 2008 e é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) da Universidade Nova.
Segundo o major-general, no Afeganistão, onde está em curso uma retirada das forças estrangeiras presentes no país desde 2001, os talibãs através da guerrilha organizada conseguiram sistematicamente infligir grandes danos.
"Eles têm sobretudo uma coisa muito importante que os ocidentais não têm. Os talibãs têm tempo e nós 'temos os relógios' e a erosão das forças, com gastos muito avultados de dinheiro", afirma sublinhando que o objetivo estratégico dos talibãs é a alteração do regime vigente, substituir uma ordem política por uma ordem que defendem.
Por outro lado, refere, que do ponto de vista militar a questão da "luta assimétrica" está sobretudo relacionada com as diferenças de equipamento das forças em confronto - como o uso de aviação, carros de combate ou armamento específico - mas que o tipo de "assimetria" provocada pelos talibãs é a que toca "na alma e nos corações" conseguindo desta forma grandes vantagens.
"Estão na terra deles, sabem como se comunica com as pessoas locais", frisa.
Ainda sobre os talibãs, o major-general Carlos Branco indica que se trata de uma força muito competente e que nunca tive a pretensão de se constituir em unidades convencionais para confrontar convencionalmente as forças da Aliança Atlântica, dos Estados Unidos ou do Governo afegão.
Em comparação com o Vietname, as forças do Vietname do Norte conseguiram constituir-se em unidades convencionais e defrontar de forma convencional o inimigo, sobretudo na fase final da guerra que culminou na derrota dos Estados Unidos, em 1975.
"Os talibãs cometeram, que eu saiba, pelo menos numa circunstância - em 2006 - o erro de confrontarem as forças internacionais de forma convencional e foram copiosamente derrotados mas aprenderam porque são indivíduos extremamente inteligentes, muito vingativos do ponto de vista tático e têm uma guerrilha que usa uma rede de comunicações muito bem montada e promovem questões logísticas como o apoio da população para recrutamento e recolha de informações", sublinha o ex-porta-voz da ISAF.
Para a análise profunda sobre a guerra do Afeganistão, o major-general diz que é fundamental entender que "combater uma subversão não é uma operação de paz" e que não se conseguem efeitos imediatos quando os comandantes "rodam" todos os anos e quando os contingentes, numa fase inicial, eram substituídos de seis em seis meses.
"Quando começam a chegar os caixões a casa assim como os soldados estropiados, além do peso severo nos orçamentos da Defesa, os políticos começam a pensar duas vezes neste tipo de empenhamentos e não é por acaso que esta guerra demorou o tempo que demorou", recorda.
Deste modo, explica, a Administração Trump (2016-2020) percebeu que a guerra estava derrotada e quis fechar o conflito com a maior dignidade possível.
"Mas, uma coisa é negociar uma solução política para um conflito e outra coisa é negociar uma retirada. O que Trump fez foi negociar uma retirada porque já não tinha capacidade para negociar uma solução política que devia ter começado no final da primeira década", do conflito.
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