"A ideia de chamar a comunidade internacional é muito boa porque esta situação não está a acontecer apenas aqui em Moçambique, acontece também na África do Sul, no Burundi, no Uganda e no Quénia", declarou à Lusa o presidente da Associação dos Ruandeses Refugiados em Moçambique, Cleophas Habiyareme.
Aquele responsável falava à margem de uma mesa-redonda, subordinada ao tema "Direito à Vida e à Segurança dos Refugiados Ruandeses em Moçambique", organizada pelo Centro para Democracia e Desenvolvimento (CDD), organização não-governamental moçambicana.
As preocupações dos ruandeses refugiados em Moçambique voltaram à ribalta no dia 13 com o homicídio, a tiro, na cidade da Matola, de um empresário ruandês refugiado em Moçambique desde 1996, crime por esclarecer e que ocorre num momento marcado por uma aproximação clara entre os governos de Maputo e Kigali.
Revocat Karemangingo foi intercetado ao fim da tarde, perto de casa, por duas viaturas a partir das quais desconhecidos fizeram vários disparos.
Para Cleophas Habiyareme, Revocat estava na "lista" do grupo de ruandeses, entre intelectuais, jornalistas e empresários, que têm sido alegadamente perseguidos pelo Governo de Kigali em vários países africanos por se oporem ao Presidente Paul Kagame.
Este é o terceiro incidente a envolver cidadãos ruandeses refugiados em Moçambique, este ano, depois do desaparecimento, em maio, do jornalista Ntamuhanga Cassien que residia na ilha de Inhaca, Maputo.
Há menos de um mês, avançou Habiyareme, o secretário da associação e o seu irmão foram alvo de uma tentativa de rapto.
Para o ativista e diretor-geral do CDD, os homicídios, raptos e ameaças de que os ruandeses se queixam em vários países africanos, com destaque agora para Moçambique, precisam de uma investigação urgente e séria por parte das organizações internacionais.
"Moçambique é parte da SADC e da UA e estes mecanismos internacionais existem não para proteger os dirigentes, mas sim as comunidades. Esta comunidade hoje vive com medo, sente-se ameaçada e desprotegida", declarou à Lusa Adriano Nuvunga, também à margem da mesa-redonda.
O CDD, que prometeu escrever uma carta para a SADC, pretende lançar uma campanha para alertar as entidades de direito sobre a situação dos ruandeses que se queixam de perseguição.
"É obrigatório que a UA inicie uma investigação regional séria e independente sobre a situação dos ruandeses e existem mecanismos para tal", frisou Adriano Nuvunga, que critica também uma suposta complacência do Estado moçambicano face à alegada onda de perseguição.
A mesa-redonda, que contou com a presença de pouco mais de uma dezena de refugiados ruandeses em Moçambique nas instalações do CDD em Maputo, ocorreu num dia em que o Presidente do Ruanda inicia uma visita ao norte de Moçambique, onde tropas ruandesas estão desde julho a apoiar o combate à insurgência armada em Cabo Delgado.
O Ruanda foi o primeiro país estrangeiro a colocar tropas no terreno em Moçambique, ao abrigo de um acordo bilateral, para combater os insurgentes na província de Cabo Delgado.
Com o apoio dos mil soldados ruandeses, Maputo reconquistou "importantes" bases dos rebeldes e localidades que haviam sido ocupadas durante os quase quatro anos de insurgência armada em Cabo Delgado.
Líder do Ruanda desde 1994, a Paul Kagamé é atribuído o desenvolvimento do país após o genocídio de tutsis daquele ano, mas o chefe de Estado é também acusado de limitar a liberdade de expressão e de reprimir a oposição.
A organização Human Rights Watch (HRW) acusou no final de março as autoridades ruandesas de estarem a limitar a população que recorre à Internet para se expressar no país, depois de restringirem a liberdade de expressão nos órgãos de comunicação social.
A restrição de liberdades tem também sido denunciada e condenada por outras organizações como a Repórteres sem Fronteiras e a União Europeia (UE).
O genocídio no Ruanda foi responsável pela morte de mais de 800.000 pessoas, principalmente da minoria tutsi, entre abril e julho de 1994.
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