"Em 2022, a China vai enfrentar a altamente transmissível [variante] Ómicron, com vacinas aparentemente menos eficazes e muito menos pessoas protegidas por anticorpos criados por infeções anteriores", observou a consultora de riscos políticos norte-americana Eurasia Group, num relatório.
As medidas de bloqueio para conter os surtos deverão ser ainda mais frequentes e duras, envolvendo dezenas de milhões de pessoas, lê-se no mesmo documento.
"Esta crise vai continuar até que a China possa lançar vacinas de RNA mensageiro desenvolvidas internamente e reforços para os seus 1,4 mil milhões de habitantes, o que ainda deve demorar pelo menos um ano", acrescentou.
A política de zero casos implicou a suspensão das viagens de negócios e turismo ou intercâmbios académicos com o exterior.
Quem chega ao país tem que realizar uma quarentena cujo período varia entre duas e quatro semanas, dependendo da província de destino. As autoridades exigem ainda a apresentação do certificado negativo dos testes serológicos tipo IgG e IgM e o teste de ácido nucleico PCR antes do embarque.
Internamente, as autoridades adotam o mesmo zelo: a deteção de um surto resulta na aplicação imediata de medidas de confinamento, testes em massa e restrições nas deslocações.
Dois anos após os primeiros casos de covid-19 terem sido diagnosticados na cidade de Wuhan, centro da China, o país afirmou-se assim como um exemplo de sucesso de saúde pública.
Segundo dados do Governo chinês, desde o início da pandemia, 102.932 pessoas ficaram infetadas e 4.636 morreram. Em comparação, os Estados Unidos, o grande rival geopolítico e ideológico da República Popular, somou mais de 800.000 mortos.
A rápida recuperação da atividade económica permitiu também aos fabricantes chineses aumentar a sua quota no mercado global, num período em que os concorrentes estrangeiros lidavam com sucessivas medidas restritivas de prevenção contra a doença.
O triunfo reforçou a narrativa do regime sobre a superioridade do autoritarismo, face ao "declínio" do Ocidente liberal.
"A ideia de que o Ocidente fazia tudo melhor acabou", resume à agência Lusa um diplomata europeu colocado em Pequim, acrescentando: "Após esta epidemia, os chineses nunca mais vão olhar para nós da mesma forma".
Mas o discurso triunfal de Pequim parece agora ter encurralado o país numa posição com impacto imprevisível.
O ritmo de crescimento da economia chinesa, a segunda maior do mundo, está já a desacelerar para os níveis mais baixos das últimas décadas. As viagens domésticas abrandaram também, à medida que os turistas temem o surgir de novos surtos. O consumo interno regista altos e baixos, mediante o intensificar de medidas de prevenção.
O país também pode sofrer diplomaticamente. O Presidente chinês, Xi Jinping, não sai da China ou recebe visitantes estrangeiros desde o início de 2020, numa altura em que enfrenta crescente rivalidade com os Estados Unidos e outros países ocidentais.
A abordagem afeta também as regiões semiautónomas de Hong Kong e Macau. Na tentativa de alinharem as suas políticas de prevenção com o continente chinês, o centro financeiro global e a "capital" mundial do jogo, respetivamente, arriscam prejudicar as suas principais atividades.
As consequências para os mercados globais serão significativas, incluindo para fornecedores de matérias-primas, como Angola e Brasil, que têm a China como o seu principal mercado de exportação de petróleo, minério de ferro ou soja.
O Eurasia Group aponta para os riscos de perturbação económica e ressentimento entre a opinião pública, mas ressalva que a China é uma experiência política singular, capaz de desafiar estas previsões.
"A China prova há décadas que o seu sistema político autoritário cria um grau de controlo político que não vemos em outros países importantes, sejam democracias ou outros estados autoritários", nota.
"À medida que a China se torna muito mais inovadora tecnologicamente, o seu governo e segurança pública têm ferramentas cada vez mais eficazes para manter esse controlo", considera.
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