Os "contornos" do que está a acontecer na região do Sahel "passam por uma forte rejeição da presença do Ocidente e por uma predisposição dos governos africanos para culparem o Ocidente pelas restrições da margem de manobra", considera Richard Moncrieff, diretor interino do projeto para o Sahel do International Crisis Group, organização independente com escritórios em Bruxelas e Nova Iorque.
"Ao pedirem ao Ocidente para sair, ou ao minimizarem a sua presença nos respetivos países, e convidando outros atores a entrar - que no caso são os russos" -- os novos líderes africanos que assumiram o poder através de golpes de Estado no Sahel "acreditam que vão conseguir alguma iniciativa contra os grupos 'jihadistas', que não lhes foi facultada na aliança com o Ocidente", explica ainda o especialista.
O golpe no Burkina Faso em 25 de janeiro último foi o quarto no Sahel em menos de 18 meses. Os outros três foram levados a cabo em agosto de 2020 no Mali, em abril de 2021 no Chade, e novamente no Mali, em maio do ano passado, onde um "golpe dentro de um golpe" conduziu ao poder o atual líder da junta militar no poder, o coronel Assimi Goïta.
Todos estes países, chama a atenção Moncrieff, "são altamente dependentes da ajuda externa ocidental, nas mais variadas formas, incluindo nas garantias de segurança oferecidas pelo Ocidente, por mais imperfeitas que sejam ou tenham sido -- e são muito imperfeitas -- não só ao combate direto dos 'jihadistas' como em termos gerais".
A questão, precisamente, vai bastante para lá do universo da segurança, segundo Alexander John Thurston, professor de Ciência Política na Universidade de Cincinnati. "Todos estes golpes ilustram os perigos de atores regionais e internacionais darem prioridade ao contraterrorismo (e à competição com a Rússia), ignorando outros sinais de aviso", sustenta o investigador num artigo publicado recentemente pela The Conversation.
Esses sinais, destaca Thurston, "incluem eleições com falhas, eleições de baixa participação, governantes alheados da população e esmagamento da liberdade de expressão".
"A comunidade internacional enfrenta nestes países um dilema. Por um lado, quer reforçar os estados, porque esse é o drama de base. O Estado nestes países está a perder pé e o seu espaço físico foi invadido por grupos que impõem ou se propõem a estabelecer uma ordem social que o Estado já não é capaz de impor", afirmou à Lusa um diplomata europeu, que falou sob condição de anonimato.
Por exemplo, no Mali, cujo golpe "parece ter servido de inspiração na região", a base da revolta prende-se com o "péssimo" registo do governo de Ibrahim Boubacar Keita, deposto em agosto de 2020, "muito ligado à corrupção levada a cabo por uma elite podre por dentro, que era sustentada pela comunidade internacional", ilustra o mesmo diplomata.
A realidade social nestes países é a de um população extremamente jovem, com internet e acesso à informação, deixou de se reconhecer em estruturas de castas, quase feudais, e numa elite "esclerosada e envelhecida, corrupta, que não deixa emergir os jovens". Os políticos "ministráveis" com menos de 40 anos "são raros e os poucos que aparecem são queimados", descreve a mesma fonte.
No entanto, "os líderes europeus e americanos parecem mais preocupados com a presença de mercenários do Grupo Wagner, ligados à Rússia, do que com os principais problemas políticos da região", diz Thurston.
Quando França interveio no Mali em 2013 para travar a descida dos grupos terroristas no norte em direção a Bamaco, os soldados franceses da Operação Barkhane foram aclamados nas ruas e muitos bebés foram batizados com o nome "François Hollande", o então Presidente francês.
Entretanto, os soldados franceses instalaram-se, à Barkhane juntou-se a força de tarefa europeia e canadiana Takuba, a União Europeia enviou uma missão de treino militar, a EU-TM Mali, mas "entrou-se numa espiral informal" a situação de segurança nunca deixou de se deteriorar, e "hoje, num país enorme, com um milhão e 300 mil quilómetros quadrados, o Estado controla até 200 quilómetros a partir de Bamaco", sublinha o mesmo diplomata.
"Ao mesmo tempo que a população começou a não se rever nas práticas dos seus líderes, passou também a achar que a Barkhane, que os apoiava, era uma força de invasão, ainda por cima do antigo país colonizador, com um acordo de proteção com o poder", acrescenta.
Não surpreende, assim, a França tenha anunciado na semana passada a saída do Mali dos soldados da Barkhane, assim como a decisão tomada no mesmo sentido pelos países membros da Takuba, a que pode seguir-se uma posição idêntica da União Europeia em relação às suas missões, numa resposta a um ambiente político, mas também social, já muito hostil à presença destas forças.
No futuro previsível, concordam as fontes contactadas pela Lusa, parece estar de regresso a esta região de África uma "espécie de guerra fria: a França liberta o Mali para os russos e concentra o seu músculo militar no Níger", diz o embaixador europeu, explicando o que foi anunciado pelo Presidente francês, Emmanuel Macron na passada quinta-feira.
"Ficamos, assim, com uma zona de influência francesa e uma zona de influência russa. Quanto à União Europeia, tentará salvaguardar, talvez mesmo reforçar ou apoiar, alguma presença militar e reforço das instituições e estruturas de defesa e segurança nos países costeiros do Golfo da Guiné", acrescentou.
"Penso que a França e a UE se vão concentrar no reforço das suas relações com o Níger e com os países mais a sul, mais importantes do ponto de vista dos recursos, por forma prevenirem a expansão do jihadismo", prevê também Richard Moncrieff.
Mas as linhas do "regresso da Guerra Fria" a África não estão estabilizadas. Desde logo, "qualquer evento semelhante a um golpe de Estado como os anteriores num qualquer país da África ocidental será de enorme importância", acrescenta o analista. Outro, pelo menos tão importante, será "se o Burkina Faso se voltar também para os russos", diz ainda.
Neste quadro, considera o investigador do Crisis Group, as relações entre o Mali e a Comunidade Económica dos Países da África Ocidental (CEDEAO) serão decisivas, porque, diz Moncrieff, "a única forma de Bamaco vir a reconsiderar esta orientação em direção a Moscovo será por via de discussões com os seus aliados africanos".
Neste contexto, acrescenta, "é interessante perceber como se alinharão Argel e Adis Abeba", sede da União Africana.
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