"Eu penso que o meu país (Rússia) está à beira de uma 'espécie de guerra civil', existe muito ódio na sociedade russa, uma parte dos cidadãos são apontados como traidores, havendo um apelo para os expulsar do ensino, das universidades", lamentou Kirill Martynov num fórum internacional.
"Uma outra parte da sociedade russa está muito 'desinformada' e não sabe no que deve acreditar. Querem acreditar num governo forte e num presidente 'inteligente e sábio', mas eu penso que estes sentimentos sobre a realidade foram afetados e que pode haver um conflito no seio da sociedade russa: entre as elites políticas, mas também entre os cidadãos comuns", acrescentou o jornalista.
Para o editor do Novaia Gazeta, a sociedade russa "está em colapso", sublinhando que o que aconteceu há trinta anos (com a queda do Muro de Berlim em 1989) "foi apenas um capítulo do derrube do império soviético".
"Acredito que o Estado russo pode desintegrar-se e não apenas por causa de 'agentes estrangeiros' ou de mísseis estrangeiros, mas por causa das políticas do próprio Presidente (Vladimir Putin)", disse Martynov durante um debate 'online' sobre a sobrevivência do jornalismo independente na Rússia, organizado pelo organismo Presseclub Concordia, com sede em Viena.
Kirill Martynov participou no debate a partir da redação do jornal, em Moscovo.
O jornal Novaia Gazeta, fundado em 1993 por jornalistas independentes russos, foi um dos poucos meios de comunicação social críticos das intervenções militares da Rússia na Chechénia.
Ao longo dos anos tem enfrentado atos de perseguição, tendo vários repórteres do jornal sido assassinados durante o exercício da profissão, nomeadamente Anna Politkovskaya morta em 2006.
Atualmente, no contexto da invasão russa da Ucrânia o jornal encontra-se sujeito às medidas legislativas de censura impostas pelo Kremlin à cobertura do conflito. Os deputados russos aprovaram no passado dia 04 alterações ao código penal com fortes multas e penas de prisão, entre 10 a 15 anos, para a "difusão de informação falsa" sobre a ação das forças armadas.
"Na verdade, eu penso que eles (o regime) não querem saber de leis. Na prática podem implementar qualquer lei proposta pelo Presidente (Vladimir Putin) em apenas um ou dois dias com o apoio total da Câmara Baixa do Parlamento (Duma). (...) só querem saber se podem torturar as pessoas que protestam contra a guerra", lamentou o subeditor do Novaia Gazeta.
O jornalista refere que a publicação "ainda tem muitos jornalistas a trabalhar em Moscovo", com identidade e endereço conhecido.
"As autoridades sabem onde estamos e sinto que os nossos jornalistas correm grandes perigos, nesta altura", afirmou frisando o "empenho" no trabalho de informar os leitores, apesar das leis que visam os profissionais, incluindo os correspondentes estrangeiros.
"Neste momento sinto que não há Estado de Direito na Rússia. Se atacam o vizinho (Ucrânia) com mísseis podem fazer o que querem. O nosso jornal quer sobreviver e queremos defender o jornalismo independente na Rússia e, pessoalmente, estou motivado para desempenhar o meu trabalho da melhor forma que sei, em nome da sociedade russa e dos nossos leitores", afirmou.
Kirill Martynov referiu ainda que a maior parte dos leitores do Novaia Gazeta tem entre 25 e 30 anos e que o jornal utiliza todos os meios físicos e digitais para difundir as notícias.
Neste momento, disse o jornalista, a rede social You Tube é o maior meio de transmissão de conteúdos, incluindo jornalísticos, no país, contabilizando cinco milhões de utilizadores diários.
A Rússia lançou na madrugada de 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que causou pelo menos 516 mortos e mais de 900 feridos entre a população civil e provocou a fuga de mais de 2,1 milhões de pessoas para os países vizinhos, segundo os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas a Moscovo.
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