"Garantir uma Ucrânia independente é fundamental, é a nova fronteira da Europa com a Rússia, porque a Ucrânia passou a ser um país europeu, e é preciso consolidar essa posição, e depois garantir que o Presidente [russo, Vladimir] Putin não ganhe a guerra, mesmo que declare vitória", disse o especialista em Relações Internacionais durante a sua intervenção no Fórum "Os Desafios do Desenvolvimento - O Futuro da Relação Estatal".
Organizado pelo Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE), e a decorrer até quinta-feira em Lisboa, este painel debruçou-se sobre a guerra na Ucrânia, com Carlos Gaspar a defender que é essencial "haver uma linha de demarcação estável entre a Ucrânia e a Rússia, que embora não se saiba qual será, deverá ser tão estável como o muro de Berlim".
Para o professor Samuel Paiva, do ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa), a verdadeira razão da invasão da Ucrânia pela Rússia explica-se por razões de política interna russa, sendo "propaganda" as explicações que apontam para a desnazificação da Ucrânia ou a proteção dos russófonos.
"Depois do pico de popularidade no seguimento da anexação da Crimeia, cada vez que Putin avança com uma operação militar especial, tem um pico de popularidade doméstica e nos últimos anos houve declínio da popularidade e um aumento da contestação interna por parte dos opositores", enquadrou o professor, acrescentando que "o grande receio de Putin é a própria natureza da democracia liberal, e a implementação de um sistema destes na Ucrânia, o que poderia levar a sociedade russa a pensar que estão a fazer alguma coisa de errado e que o país devia desenvolver-se desta maneira".
Apesar das fraquezas, "os regimes liberais são, ainda assim, os mais estáveis e a zona de paz liberal tem-se revelado nesta reação contra a Rússia, pelo que me parece que as notícias sobre o fim da ordem internacional liberal são manifestamente exageradas", concluiu o professor, antes de a assistência ouvir o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado defender que "houve displicência por parte dos líderes políticos, porque há muitos anos que se percebia o que aí vinha se a expansão da NATO para a Ucrânia e Geórgia se confirmasse".
Para o antigo governante socialista, esta crise geopolítica é francamente mais grave que as crises financeiras ou económicas: "Ninguém sabe controlar uma crise geopolítica, uma crise financeira ou económica, nós sabemos, mas uma crise geopolítica não, porque as forças que se liberam são incontroláveis", concluiu.
O Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE), que decorre até quinta-feira em Lisboa, coloca em discussão os caminhos rumo ao bem-estar económico e social por meio das transformações impostas pela revolução digital, a pandemia da Covid-19 e a guerra europeia.
A ofensiva militar da Rússia na Ucrânia já matou quase dois mil civis, segundo dados da ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A guerra causou a fuga de mais de 11 milhões de pessoas, mais de cinco milhões das quais para os países vizinhos.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
Leia Também: Moscovo acusa Kyiv de planear atacar igrejas durante Páscoa ortodoxa