Num comunicado hoje divulgado, este comité da ONU, formado por especialistas independentes que fiscaliza o cumprimento do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os seus protocolos, um tratado internacional assinado e ratificado pelo Brasil, informou que concluiu que Lula da Silva não foi julgado por um tribunal imparcial e teve o seu direito à privacidade e os seus direitos políticos feridos durante as investigações de corrupção contra si.
O comité divulgou hoje de manhã as suas conclusões, após ter considerado uma denúncia apresentada por Lula da Silva, presidente do Brasil de 2003 a 2010, sobre a forma como foi levado a julgamento na maior investigação de corrupção do país, a operação Lava Jato.
"Enquanto os Estados têm o dever de investigar e processar atos de corrupção e manter a população informada, especialmente quando um ex-chefe de Estado está em causa, tais ações devem ser conduzidas de forma justa e respeitar as garantias do devido processo", disse o membro do Comité Arif Bulkan, citado no comunicado .
O ex-presidente brasileiro foi investigado em 2016 por suposto envolvimento em dois casos na "Operação Lava Jato", uma extensa investigação criminal no Brasil que descobriu casos de corrupção na estatal petrolífera Petrobras e outros órgãos públicos do país e e envolveu várias empresas de construção e políticos brasileiros.
A investigação dos casos de corrupção da Lava Jato em primeira instância foi conduzida pelo ex-juiz brasileiro Sergio Moro, que condenou Lula da Silva, mas que já foi considerado suspeito por ter atuado em combinação com o Ministério Público brasileiro e violado o dever de imparcialidade.
O Comité da ONU lembrou que durante a investigação, o ex-juiz Moro aprovou um pedido do Ministério Público para colocar sob escuta os telefones de Lula da Silva, de familiares e do seu advogado.
"Ele [Moro] então divulgou o conteúdo das escutas para a 'media' antes de formalmente instituir acusações. Ele também emitiu um mandado de prisão para deter Lula da Silva para interrogatório. O mandado vazou para a 'media' e, consequentemente, fotos de Lula foram tiradas pela 'media' como se ele estivesse preso", lê-se no comunicado da ONU.
O ex-juiz Moro condenou Lula a 9 anos de prisão em julho de 2017. Em janeiro do ano seguinte, a pena de Lula da Silva foi aumentada para 12 anos pelo Tribunal Regional Federal.
Em abril de 2018, Lula da Silva começou a cumprir a sentença, enquanto os recursos estavam pendentes.
O Tribunal Superior Eleitoral rejeitou a candidatura de Lula da Silva para as eleições presidenciais de outubro desse ano sob o argumento de que a legislação do país impede qualquer pessoa condenada por determinados crimes e sob certas condições de concorrer a cargos públicos, mesmo que haja recursos pendentes.
O Supremo Tribunal Federal do Brasil anulou a sentença de Lula em 2021, determinando que o ex-juiz Moro não tinha competência para investigar e julgar os casos, e anulou a investigação com base no facto de o ex-juiz não ser considerado imparcial.
"Embora o Supremo Tribunal Federal tenha anulado a condenação e prisão de Lula da Silva em 2021, essas decisões não foram oportunas e eficazes o suficiente para evitar ou reparar as violações", disse Bulkan.
O Comité de Direitos Humanos da ONU considerou que o mandado de prisão, expedido em violação à lei interna, violou o direito de Lula da Silva à liberdade pessoal e que as escutas telefónicas e a divulgação das suas conversas ao público violaram o seu direito à privacidade.
O órgão também informou que constatou que "a conduta e outros atos públicos do ex-juiz Moro violaram o direito de Lula da Silva de ser julgado por um tribunal imparcial; e que as ações e declarações públicas do ex-juiz e dos promotores violaram o seu direito à presunção de inocência".
O comité acrescentou que também considerou que essas violações processuais que tornaram a proibição de Lula da Silva de concorrer à Presidência em 2018 foram arbitrárias e, portanto, uma violação dos seus direitos políticos, incluindo o direito de concorrer às eleições.
Os especialistas da ONU, por fim, instaram "o Brasil a garantir que quaisquer outros processos criminais contra Lula cumpram as garantias do devido processo legal e evitem violações semelhantes no futuro".
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