Numa declaração à imprensa, sem direito a perguntas, depois de ter mediado um encontro de alto nível que se prolongou por várias horas, o Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança disse que "infelizmente, não foi possível chegar a um acordo" para solucionar a disputa em curso entre Sérvia e Kosovo, em torno da decisão de Pristina de impedir o uso de documentos de identidade e matrículas da Sérvia no território do Kosovo.
Borrell sublinhou, todavia, que os dois líderes -- o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, e o primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti - concordaram em prosseguir as negociações "nos próximos dias" e disse acreditar num compromisso até 01 de setembro.
Apontando que este foi o terceiro encontro ao mais alto nível no quadro do diálogo entre Belgrado e Pristina facilitado pela UE com vista à normalização das relações entre Sérvia e Kosovo, Borrell salientou, todavia, que "esta não foi uma reunião normal, ordinária", apontando mesmo que se tratou de um encontro "em modo de gestão de crise", para discutir "os desenvolvimentos muito negativos no terreno e tensões crescentes no norte do Kosovo".
O chefe da diplomacia da UE indicou que a reunião centrou-se sobretudo na "responsabilidade de ambos os líderes em procurarem soluções de boa fé, para garantir a paz e estabilidade na região", acrescentando que "as partes serão responsabilizadas por qualquer escalada" da tensão.
O responsável espanhol observou que as tensões atuais "são sintomas de questões mais amplas não resolvidas" e comentou que "hoje aconteceu lá", no norte do Kosovo, "mas amanhã pode acontecer noutro sítio qualquer, porque há um problema de fundo" que as partes têm de resolver em definitivo.
"Penso que ambos perceberam que não há alternativa ao diálogo. Há certamente grandes divergências entre ambos, especialmente sobre o estatuto da futura relação. Mas ambos concordaram em prosseguir discussões numa base regular", disse.
Josep Borrell revelou que também fez ver aos dois dirigentes que este é "um momento crítico para a Europa", e o menos indicado para o regresso das tensões nos Balcãs Ocidentais.
"Vemos o regresso da guerra ao nosso continente. Depois da invasão russa da Ucrânia, estamos a enfrentar um momento dramático e muito perigoso para o nosso continente. E este não é o momento para tensões crescentes. É altura de buscar soluções e resolver questões há muito pendentes", declarou, garantindo que este diferendo está no topo da sua agenda.
"Ao encerrar a reunião, também deixei claro que a adesão à UE deve permanecer o grande objetivo para Sérvia e Kosovo, mas para isso têm de encontrar uma forma de avançar no processo de normalização das relações, e o primeiro passo é encontrar uma solução para a situação atual", concluiu.
O 'diálogo' de quinta-feira em Bruxelas entre Vucic e Kurti foi convocado por Josep Borrell na sequência de um agravamento da tensão entre os dois países no final de julho, quando centenas de sérvios kosovares bloquearam as estradas no norte do Kosovo junto à fronteira, em protesto contra as decisões do Governo kosovar sobre a aplicação de medidas para impedir o uso de documentos de identidade e matrículas da Sérvia no território do Kosovo.
Na última quinta-feira, o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, acusou as autoridades kosovares de estarem a preparar as condições para matar cidadãos sérvios no norte do Kosovo.
Recentemente, o primeiro-ministro kosovar Albin Kurti sugeriu a possibilidade de a Sérvia, "estimulada pela Rússia", iniciar "uma guerra" no Kosovo.
Desde 2011 que a Sérvia e o Kosovo promovem negociações para a normalização das relações, mediadas pela UE, mas sem resultados palpáveis até ao momento.
Os cerca de 120.000 sérvios ortodoxos do Kosovo -- os números divergem consoante a origem, admitindo-se que possam chegar aos 200.000, com cerca de um terço concentrados no norte do território -- não reconhecem a autoridade de Pristina e permanecem identificados com Belgrado, de quem dependem financeiramente.
Belgrado nunca reconheceu a secessão do Kosovo em 2008, proclamada na sequência de uma guerra sangrenta iniciada com uma rebelião armada albanesa em 1997 que provocou 13.000 mortos, e motivou uma intervenção militar da NATO contra a Sérvia em 1999, à revelia da Organização das Nações Unidas (ONU).
Desde então, a região tem registado conflitos esporádicos entre as duas principais comunidades locais, num país com um terço da superfície do Alentejo e cerca de 1,7 milhões de habitantes, na larga maioria de etnia albanesa e religião muçulmana.
O Kosovo independente foi reconhecido por cerca de 100 países, incluindo os Estados Unidos da América, que mantêm forte influência sobre a liderança kosovar, e a maioria dos Estados-membros da UE, à exceção da Espanha, Roménia, Grécia, Eslováquia e Chipre.
A Sérvia continua a considerar o Kosovo como parte integrante do seu território e Belgrado beneficia do apoio da Rússia e da China, que à semelhança de dezenas de outros países (incluindo Índia, Brasil ou África do Sul) também não reconheceram a independência do Kosovo.
Leia Também: Borrell condena ataque a Salman Rushdie e pede rejeição internacional