Ucrânia. Sinais de sentido contrário no regresso de Guterres
Enquanto as críticas ao secretário-geral da ONU antecederam a primeira visita de António Guterres à Ucrânia pós-invasão russa, a segunda, hoje concluída em Odessa, marcou o funcionamento do 'seu' acordo de exportação de cereais, embora com poucos outros desenvolvimentos positivos.
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Mundo Síntese
O anúncio da primeira viagem de Guterres à Rússia e Ucrânia, no final de abril, surgiu 24 horas depois de mais de 200 antigos dirigentes da ONU dirigirem uma carta ao secretário-geral, com um apelo para que fosse mais proativo em relação ao conflito iniciado a 24 de fevereiro.
Franz Baumann, ex-secretário-geral Adjunto da ONU, disse então à Lusa que a "passividade de António Guterres perante a iminência da guerra na Ucrânia foi inacreditável", admitindo que o líder da organização tenha sido indevidamente aconselhado.
Quase quatro meses depois, e a poucos dias de se completarem seis meses desde que as tropas russas irromperam pelas fronteiras ucranianas, as críticas ao secretário-geral deram sobretudo lugar a satisfação por aquele que é praticamente o único entendimento alcançado desde o início do conflito, envolvendo indiretamente Ucrânia e Rússia - a Iniciativa do Mar Negro para os Cereais, 'apadrinhada' por Guterres e pelo presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, em Istambul.
Em Odessa, Guterres assistiu ao carregamento de mais um navio ao abrigo da iniciativa que permite exportações de cereais ucranianos através do Mar Negro, através da qual foram escoadas já mais de 600 mil toneladas de matéria-primas de que muitos países são dependentes, sobretudo em África e no Médio Oriente, e que estavam bloqueadas e em risco de apodrecimento nos silos ucranianos.
A visita ao porto foi rodeada de apertadas medidas de segurança - que obrigaram os jornalistas a uma espera isolada de horas enquanto Guterres visitava as instalações - e, numa zona restrita e considerada sensível do ponto de vista militar, era apenas visível o abastecimento do navio Kubrosly, registado em Comoros, junto de seis enormes silos, enquanto escassos camiões circulavam pelo porto.
No fim da visita, o secretário-geral da ONU afirmou ser "emocionante estar em Odessa" e ver um navio ser carregado com trigo de novo, após o porto ter estado paralisado durante meses, desde o início da invasão russa da Ucrânia.
"É motivo de alegria, mas também emotivo, pela tristeza que senti ao ver este maravilhoso porto e seus terminais praticamente vazios, e a possibilidade de desenvolver a Ucrânia e outras regiões ser cortada por causa da guerra", lamentou.
Guterres, disse também que, além da libertação de cereais e fertilizantes produzidos na Ucrânia, é preciso permitir o acesso ao mercado global de alimentos russos não abrangidos por sanções e, poucas horas mais tarde, era o Presidente russo, Vladimir Putin, a criticar ao seu homólogo francês, Emmanuel Macron, os "obstáculos" que persistem na exportação de produtos agrícolas russos.
Durante a conversa entre os dois chefes de Estado, Putin "sublinhou os obstáculos que persistem sobre as exportações russas, que não contribuem para uma solução dos problemas relacionados com a segurança alimentar global", avançou o Kremlin, deixando antever possíveis futuras complicações ao acordo.
A visita de Guterres decorreu sob ameaça nuclear - por entre troca de acusações entre russos e ucranianos acerca de ataques na central nuclear de Zaporijia, a maior da Europa, que os militares de Moscovo controlam - e enquanto prosseguem há meses esforços para permitir que uma missão da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) ali se desloque para verificar a segurança das instalações.
Foi já com Guterres a caminho da Moldova que o Presidente francês, Emmanuel Macron, chamou a si um desenvolvimento: Putin terá hoje na chamada entre ambos permitido que a missão da AIEA passe pela Ucrânia, depois de na véspera Kiev e a ONU terem acertado os termos da mesma.
Putin concordou em "rever a exigência inicial de Moscovo" de que tal missão passasse pela Rússia, adiantou a Presidência francesa após ter conversado com o seu homólogo russo por telefone, pela primeira vez desde 28 de maio.
"Aceitou que ela [vá a Zaporijia] com respeito à soberania ucraniana e, portanto, passe pela Ucrânia sob controlo do Governo", acrescentou o Eliseu, enfatizando que era uma exigência de Kiev e de Paris.
Numa visita em que voltou a considerar a invasão russa uma violação do direito internacional, Guterres opôs-se também a noticiados planos russos de 'desligar' a central da Zaporijia da rede ucraniana, para ligá-la à da região ocupada da Crimeia.
"Em primeiro lugar, o que é verdade é que, se a unidade for desmilitarizada como propomos, o problema será resolvido. E, obviamente, a eletricidade de Zaporijia é eletricidade ucraniana, e é necessária, especialmente durante o inverno, para o povo ucraniano, e esse princípio deve ser totalmente respeitado", afirmou Guterres.
No sábado, o líder da ONU voará para Istambul, onde encerrará a sua viagem visitando o Centro de Coordenação Conjunta que fiscaliza o cumprimento do pacto promovido pelas Nações Unidas e pela Turquia.
Se o fluxo dos cereais ucranianos pelo Mar Negro é um sinal positivo em seis meses de devastação, a expectativa de que esse entendimento seja prenúncio de um cessar-fogo bilateral permanece, por enquanto, apenas uma aspiração.
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