"Do ponto de vista da China, existem grandes riscos na situação do Afeganistão", apontou Zhu Yongbiao, professor do Centro de Estudos do Afeganistão da Universidade de Lanzhou, na província chinesa de Gansu, citado pelo jornal South China Morning Post, um ano após os talibãs terem tomado novamente o poder e da conclusão da retirada norte-americana do território afegão, registada em 30 de agosto de 2021.
À incerteza política sobre se os talibãs vão ser reconhecidos pela comunidade internacional como o governo legítimo do Afeganistão, soma-se a relutância das empresas chinesas em financiar projetos no país, devido às preocupações de segurança e dúvidas sobre os retornos económicos, apontou o académico.
China e Afeganistão compartilham cerca de 70 quilómetros de fronteira em Xinjiang, uma das mais voláteis regiões chinesas, marcada por violentos confrontos étnicos nas últimas décadas, entre membros da minoria étnica de origem muçulmana uigur e os han, o grupo étnico maioritário no país.
Historicamente, Pequim permaneceu, no entanto, sempre como um "observador" nas questões afegãs, descreveu, por sua vez, Zhao Huasheng, professor no Centro de Estudos da Rússia e da Ásia Central da Universidade Fudan, em Xangai.
O vácuo de segurança deixado pela retirada das tropas ocidentais do Afeganistão veio obrigar a China a ter um maior envolvimento no país vizinho, visando garantir a estabilidade em Xinjiang.
Quando o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, recebeu uma delegação dos talibãs, na China, ainda antes dos fundamentalistas assumirem o poder, o representante de Pequim pediu ao grupo que "traçasse uma linha vermelha" com organizações terroristas, incluindo o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental (ETIM, na sigla em inglês), que descreveu como uma "ameaça direta à segurança e integridade territorial da China".
Pequim há muito que acusa o ETIM de promover o separatismo em Xinjiang. Wang Yi pressionou sobre esta questão repetidamente, em reuniões posteriores com os talibãs.
"A China está condenada a desempenhar um papel significativo no Afeganistão, mas está cuidadosamente a tentar evitá-lo", escreveram Raffaello Pantucci e Alexandros Petersen, autores da obra "Sinostan: China's Inadvertent Empire".
A embaixada chinesa foi uma das poucas que permaneceu no país após os talibãs tomarem o poder. Pequim também participou e acolheu vários encontros regionais sobre o Afeganistão.
No mês passado, Wang Yi sugeriu incluir o Afeganistão no Corredor Económico China - Paquistão (CPEC) e uma cooperação "em termos gerais" com as autoridades de Cabul, após reunir com o ministro dos Negócios Estrangeiros do governo talibã, Amir Jan Muttaqi, à margem do fórum da Organização de Cooperação de Xangai.
No entanto, Fátima Airan, pesquisadora do Instituto Biruni, um grupo de reflexão ('think tank') com sede em Cabul, escreveu que a China investiu em poucos projetos no Afeganistão e que se tornou ainda mais relutante em investir após os talibãs ascenderem ao poder.
"Para a China, o mercado não é suficientemente estável no Afeganistão, devido à insegurança", argumentou.
"Eles não vão correr o risco de trazer um projeto de investimento de grande escala para o Afeganistão", referiu ainda Fátima Airan.
E Raffaello Pantucci e Alexandros Petersen acrescentam: "Pequim certamente está a fazer mais do que antes, mas é claro que não vai assumir um papel de liderança. A China tem todo o interesse e potencial para ser um ator dominante, mas tomou a decisão estratégica de continuar a observar do lado de fora".
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