Mikhail Gorbachev morreu na terça-feira à noite, aos 91 anos, na sequência de uma "longa e grave doença", segundo o Hospital Clínico Central em Moscovo, onde estava a ser tratado.
Louvado no Ocidente por ter posto fim à Guerra Fria, que opôs os blocos ocidental e soviético entre 1947 e 1991, a morte de Gorbachev ocorreu numa altura em que a Rússia está em guerra com a Ucrânia, levando a comparações entre o seu pacifismo e o belicismo do líder russo.
Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, e tem-se manifestado contra a independência do país vizinho, alcançada com a dissolução da União Soviética, em 1991, de que fazia parte.
Numa mensagem de condolências divulgada hoje, Putin falou de "um político e estadista que teve uma grande influência na História mundial".
"Ele guiou o nosso país através de um período de mudanças complexas e dramáticas e grandes desafios de política externa, económicos e sociais", disse, citado pelas agências internacionais.
"Ele compreendeu profundamente que as reformas são necessárias", acrescentou Putin sobre o vencedor do Prémio Nobel da Paz de 1990.
O deputado do partido no poder Rússia Unida Oleg Morozov disse que Gorbachev prejudicou a Rússia e considerou uma "coincidência mística" que tenha morrido quando os soldados russos estão na Ucrânia a combater a "injusta ordem mundial".
Menos comedido, o deputado comunista Nikolai Kolomeitsev, denunciou Gorbachev como um "traidor que destruiu o Estado".
O jornalista russo Dmitry Muratov, também galardoado com o Nobel da Paz em 2021, destacou que o último líder da União Soviética preferia a paz ao poder pessoal.
"Recordemos isto para sempre: ele amava mais a sua esposa do que o seu trabalho, colocava os direitos humanos acima do Estado, valorizava um céu pacífico mais do que o poder pessoal", disse Muratov.
Também o líder da oposição russa, Alexei Navalny, que está preso, destacou que Gorbachev "deixou o poder pacificamente e voluntariamente, respeitando a vontade dos eleitores".
"Só isso é uma grande conquista pelos padrões da ex-URSS", disse numa mensagem divulgada pelos seus colaboradores, acrescentando que Gorbachev também "libertou os últimos prisioneiros políticos" na era soviética.
A ex-chanceler alemã Angela Merkel (2005-2021), que cresceu na antiga República Democrática Alemã (RDA), no outro lado do Muro de Berlim que Gorbachev ajudou a derrubar, disse que o antigo líder soviético mudou a sua vida de "uma forma fundamental".
"Nunca o esquecerei", afirmou sobre o homem que, em sua opinião, mostrou "como um estadista pode mudar o mundo para melhor".
A antiga líder dos conservadores alemães considerou que sem a coragem de Gorbachev, a "revolução pacífica na RDA não teria sido possível".
Merkel lembrou ainda que Gorbachev tornou possível a unificação da Alemanha e a sua entrada na Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), a "inimiga" do antigo Pacto de Varsóvia, liderado pela União Soviética.
"Que a memória do seu desempenho histórico permita fazer uma pausa, especialmente nestas terríveis semanas e meses de guerra da Rússia contra a Ucrânia", acrescentou.
O sucessor de Merkel, o social-democrata Olaf Scholz, recordou Gorbachev como um "reformador corajoso" que tornou possível a tentativa de estabelecer uma democracia na Rússia.
Gorbachev morreu numa altura "em que não só a democracia falhou na Rússia, não se pode descrever a situação atual naquele país de outra forma", mas também quando Moscovo e Putin "estão a cavar novas trincheiras na Europa e iniciaram uma terrível guerra contra um país vizinho, a Ucrânia", referiu.
Em Itália, o primeiro-ministro Mario Draghi saudou a oposição de Gorbachev a "uma visão imperialista da Rússia" e o seu desejo de paz, que lhe valeu o Prémio Nobel.
"Estas mensagens são ainda mais relevantes face à tragédia da invasão da Ucrânia por Moscovo", acrescentou.
O chefe do Governo espanhol, Pedro Sánchez, disse que Gorbachev "contribuiu de forma decisiva para o fim da Guerra Fria e para fazer da Europa, e do mundo, um lugar com mais paz e liberdade".
O secretário-geral da NATO, o norueguês Jens Stoltenberg, defendeu que a visão de Gorbachev "de um mundo melhor continua a ser um exemplo".
As suas "reformas históricas" também "abriram a possibilidade de uma parceria entre a Rússia e a NATO", lembrou, numa altura de elevadas tensões entre Moscovo e a organização.
Semanas antes de ordenar a invasão da Ucrânia, Putin exigiu que a NATO se retirasse para as fronteiras anteriores ao seu alargamento a países que fizeram parte da União Soviética, o que foi recusado.
Embora evitando críticas explícitas a Gorbachev na mensagem de pesar divulgada hoje, Putin no passado culpou-o repetidamente por não ter conseguido obter compromissos escritos do Ocidente que excluíssem a expansão da NATO para leste.
A Fundação Gorbachev disse que o antigo líder será enterrado no cemitério de Novodevichy, em Moscovo, ao lado da esposa, mas desconhece-se ainda a data e se terá um funeral de Estado.
Leia Também: Gorbachev "mexeu com placas tectónicas da geopolítica mundial"