Numa intervenção, na cidade da Praia, durante a inauguração do novo Campus de Justiça, o porta-voz dos advogados cabo-verdianos saudou as novas instalações, mas entendeu que é possível melhorar a administração da justiça e fazê-lo com respeito pelos valores do Estado de direito e em benefício dos cidadãos e do desenvolvimento do país.
"Num Estado de direito democrático a justiça não tem donos, tem servidores. E todos somos servidores da justiça e todos devemos servi-la com dedicação total e empenho", afirmou o bastonário, para quem a justiça cabo-verdiana atravessa "momentos particularmente agitados", na "mais grave" crise desde a instauração da República.
"As suas causas têm sobretudo a ver com a incapacidade de se realizarem reformas que a adaptassem às necessidades da sociedade e às exigências do desenvolvimento", considerou Hernâni Oliveira, numa cerimónia que contou com a presença do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e da ministra da Justiça, Joana Rosa.
Relativamente aos advogados, enquanto detentores da função constitucional do patrocínio forense, disse que sentem cada vez mais dificuldades em exercer a sua missão, sobretudo por "falta de respeito".
"Um problema que urge resolver é o de que entra-se numa sala de audiências em processos-crime e quase não se distingue o juiz que julga, do procurador que acusa. Uns e outros estão sentados lado a lado como se fossem uma mesma entidade", criticou o bastonário, numa sala cheia dos mais altos representantes da justiça em Cabo Verde.
"De salientar ainda que em eventos da justiça dispensam os advogados como se fossemos desnecessários à justiça, deixando desprotegidos os cidadãos, sobretudo os mais frágeis do ponto de vista económico e cultural", insistiu a mesma fonte.
O bastonário falou ainda sobre o modelo judiciário herdado em Cabo Verde, para dizer que "ficou de certa forma imóvel" perante as mudanças do século XX e sobrecarregado perante as transformações democráticas, económicas, sociais e tecnológicas decorrentes da revolução digital a ocorrer neste século XXI.
"Em Cabo Verde, fazem-se leis progressistas e generosas em matéria de direitos e garantias individuais, de entre as quais emerge, naturalmente, a Constituição da República (...), mas as suas concretas aplicações esbarraram sempre com o imobilismo do sistema e, sobretudo, com a incapacidade deste em assimilar o sentido progressista e humanitário dessas leis", continuou.
E como consequências, apontou a sobrelotação das cadeias, com pessoas oriundas principalmente dos setores mais desfavorecidos da população. "A pobreza e a exclusão social são as principais causas dessa triste realidade".
Reconhecendo que a justiça tem merecido muitas críticas por parte da sociedade por causa da sua "lentidão que desespera", o bastonário da Ordem dos Advogados é de opinião que, mais do que procurar culpados, é dever de todos encontrar soluções, e trabalhar sobre elas.
Apesar deste cenário, deixou uma mensagem de "confiança e de esperança no futuro", entendendo que é possível melhorar a administração da justiça em Cabo Verde.
O novo Campus de Justiça, um investimento de 47 milhões de escudos cabo-verdianos (426 mil euros) do Governo de Cabo Verde, funcionará nas antigas instalações da Escola de Negócios de Governação (ENG) da Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), no Palmarejo, recebendo os serviços do atual Palácio da Justiça, do Plateau.
Num edifício de três pisos, o 'campus' contempla, entre outros serviços, um balcão único de atendimento que prestará apoio aos utentes, uma zona de espera com capacidade para 16 pessoas, duas secretarias cíveis, seis secretarias da família e menores, três salas de audiências e secretarias do Ministério Público.
Vai ter ainda três salas de magistrados cíveis, duas salas de magistrados da família e menores, duas salas de procuradores, uma sala de advogados e duas salas de audiência de crianças.
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