Governos e empresas não travarão "sonho" de gasoduto para Timor-Leste
O antigo Presidente timorense Xanana Gusmão defendeu hoje que não serão outros Governos e muito menos empresas a impedir que Timor-Leste consiga implementar o sonho de ter um gasoduto para a costa sul do país.
© Reuters
Mundo Xanana Gusmão
"Se os timorenses estão decididos que este é o caminho, não serão outros Governos e muitos menos entidades comerciais que nos irão afastar do nosso caminho, da nossa visão e do nosso sonho: o de construir um futuro sustentável para o nosso país e o nosso povo", afirmou.
"Trazer o gasoduto para Timor-Leste exige visão, muito esforço e muito trabalho e capacidade de atrair investimento. Mas cabe a Timor-Leste e não a outros sonhar os seus próprios sonhos e lutar pelas suas causas", disse.
Xanana Gusmão foi o orador principal num seminário sobre "O Futuro do Mar de Timor: da Fronteira Marítima ao desenvolvimento da costa sul", organizado pela Universidade Católica Timorense (UCT), e no qual defendeu o gasoduto entre o campo de Greater Sunrise no mar de Timor e a costa sul do país.
"Se houvesse dúvidas sobre o desenvolvimento que precisamos em Timor-Leste, basta olhar para o crescimento e desenvolvimento económico e social em Darwin, graças ao gasoduto do nosso Bayu Undan. Também Timor-Leste tem o direito e, diria mesmo, a obrigação, de desenvolver o Greater Sunrise para salvaguardar o bem-estar das nossas gerações futuras", salientou.
O líder histórico timorense lembrou o que disse ser a "política genocida da Austrália que assinou com a Indonésia o Tratado do Mar de Timor", durante o período de ocupação de Timor-Leste, "porque este contemplava valiosos recursos marítimos".
"Na verdade, na altura, os fundamentais direitos humanos dos timorenses e os preceitos do direito internacional de autodeterminação e independência, chocavam com os fundamentais interesses comerciais e económicos dos australianos", frisou.
"Desde então tem sido para mim uma causa pessoal e política defender os nossos direitos sobre o nosso mar. Delimitar as fronteiras marítimas constitui, sem dúvida nenhuma, o instrumento que nos garante alcançar a soberania plena", afirmou.
Considerando o desenvolvimento do projeto de Greater Sunrise e a construção de um gasoduto para Timor-Leste uma "questão de interesse nacional", Xanana Gusmão reiterou críticas aos que votaram contra a fronteira no Parlamento Nacional, numa referência à Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin).
"Não posso deixar de mencionar com tristeza que alguns timorenses, com grandes responsabilidades no processo de construção do Estado e da nação, decidiram, por conveniências inexplicáveis, votar contra a ratificação do Tratado da Fronteira Marítima com a Austrália", afirmou.
"Pergunto-me: onde está o sentido de Estado de algumas forças políticas do nosso país", disse.
Xanana Gusmão deixou ainda críticas à atual liderança da petrolífera timorense, a Timor GAP, e da Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) timorense, afirmando que por isso até acabou por ser positivo que a pandemia da covid-19 tenha afetado o avanço do projeto.
"Talvez tenha de reconhecer que ainda bem. Infelizmente a enorme falta de capacidade na liderança da Timor GAP e da ANPM não nos asseguraria nenhum progresso positivo para Timor-Leste relativamente ao desenvolvimento do Greater Sunrise", considerou.
O atual presidente do Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), o maior partido na oposição, lembrou as dificuldades em conquistar a independência do país e a delimitação da fronteira permanente com a Austrália, que muitos consideraram impossível.
"A independência de Timor-Leste começou por ser apenas um sonho daqueles que, na pior das adversidades, ousaram sonhar. O próprio objetivo de delimitação foi considerado por muitos e, durante algum tempo, um devaneio impossível", salientou.
"E, no entanto, a nossa luta ainda não terminou. Enquanto não existirmos de forma plenamente soberana, incluindo também a nossa área marítima, o nosso ideal de independência não está concluído", destacou.
Neste contexto, recordou a "luta" contra a Austrália para defender os direitos de Timor-Leste nas suas águas, revertendo uma situação que durante décadas beneficiou especialmente aquele país, através do gasoduto do poço de Bayu Undan para Darwin.
E vincou que a luta pelo "desenvolvimento justo dos recursos" do Greater Sunrise "representa mais do que a emancipação económica" do país, contendo também "uma dimensão simbólica para os timorenses".
Xanana Gusmão destacou a importância do mar para o futuro de Timor-Leste, reiterando a importância de o país avançar no desenvolvimento da economia azul, um "potencial motor de desenvolvimento sustentável" e uma "oportunidade de esperança" para o futuro.
"O mar é inseparável da identidade timorense e é indissociável da nossa história, da nossa subsistência e da forma como percecionamos o mundo e nos ligamos a ele", afirmou, referindo-se a aspetos como a ligação entre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e com o triângulo do coral.
"Por mar fomos também 'descobertos' e, desse encontro, forjámos uma cultura singular na região que não permitiu deixarmo-nos seduzir pelas promessas de uma integração proveitosa por um influente vizinho, em tanto igual a nós, mas também o oposto à nossa verdadeira essência, aquilo que é ser timorense", disse.
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